quinta-feira, 2 de junho de 2011

Uma noite esquecida (último capítulo)


Continuação do III e último capítulo

Uma noite esquecida ou a feiticeira Manouza

Milésima segunda noite dos contos árabes,

Ditada pelo Espírito de Frederíc Soulié.

(TERCEIRO E ÚLTIMO CAPÍTULO)

VII

- Levantai-vos, disse-lhe Noureddin, e segui-me. Nazara, banhada em lágrimas, lançou-se-lhe aos pés e implorou sua graça. -Nada de piedade para uma tal falta, disse o pretenso sultão; preparai-vos para morrer. Noureddin sofria muito por ter para com ela semelhante linguagem, mas não julgou chegado o momento de se fazer conhecer.

Nazara, vendo que era impossível dobrá-lo, o seguiu tremente. Eles retornaram aos apartamentos; ali Noureddin disse a Nazara para ir vestir roupas mais convenientes; depois, terminada a toilete, sem outra explicação, disse-lhe que iriam, ele e Ozana (o anão) conduzi-la para um bairro de Bagdá onde teria o que ela merecia. Todos os três se cobriram com uma grande manta, para não serem reconhecidos, e saíram do palácio. Mas, ó terror! apenas passaram as portas, mudaram de aspecto aos olhos de Nazara; não eram mais o sultão e Ozana, nem os mercadores de roupas, mas o próprio Noureddin e Tanaple; eles ficaram tão amedrontados, sobretudo Nazara, ao se verem tão perto da morada do sultão, que aceleraram o passo com medo de serem reconhecidos.

Apenas entraram na casa de Noureddin, esta achou-se cercada por uma multidão de homens, escravos e de tropas, enviados pelo sultão para detê-los.

Ao primeiro ruído, Noureddin, Nazara e o anão se refugiaram no apartamento mais retirado do palácio. Ali, o anão lhes disse para não se amedrontarem; que não havia senão uma coisa a se fazer para não serem presos, que era colocar o pequeno dedo da mão esquerda na boca e assoviar três vezes; que Nazara deveria fazer o mesmo, e que, instantaneamente, tornar-se-iam invisíveis para todos aqueles que quisessem se apoderar deles.

O ruído continuando a aumentar de modo alarmante, Nazara e Noureddin seguiram o conselho de Tanaple; quando os soldados entraram no apartamento, encontraram-no vazio, e se retiraram depois de fazerem as mais minuciosas buscas. Então, o anão disse a Noureddin para fazer ao contrário do que haviam feito, quer dizer, colocar o pequeno dedo da mão direita na boca e assoviar três vezes; fizeram-no e logo se acharam como eram antes.

O anão, em seguida, fez notar que, não estando em segurança na casa, deveriam deixá-la por algum tempo, a fim de que se apaziguasse a cólera do sultão. Ofereceu-lhes, em conseqüência, conduzi-los para seu palácio subterrâneo, onde estariam muito comodamente, enquanto se achassem os meios de tudo arranjar, a fim de que pudessem entrar sem medo em Bagdá, e nas melhores condições possíveis.

VIII

Noureddin hesitou, mas Nazara tanto lhe pediu, que acabou por consentir. O anão disse-lhes para irem ao jardim, comerem uma laranja com a cabeça voltada para o nascente, e que, então, seriam transportados sem o perceberem. Tiveram o ar de dúvida, mas Tanaple lhes disse que não compreendia sua dúvida depois do que fizera por eles.

Tendo descido ao jardim, e tendo comido a laranja do modo indicado, se acharam subitamente elevados a uma altura prodigiosa; depois, subitamente, sentiram um forte abalo e um grande frio, e se sentiram descendo com grande velocidade. Nada viram durante o trajeto, mas quando tiveram consciência da situação, se acharam sob a terra, num magnífico palácio iluminado por mais de vinte mil velas.

Deixemos nossos amantes em seu palácio subterrâneo e retornemos ao nosso pequeno anão, que deixamos na casa de Noureddin.

Sabeis que o sultão havia enviado soldados para se apoderarem dos fugitivos; depois de haverem explorado os mais retirados cantos da habitação, assim como os jardins, não encontrando nada, foram forçados a se retirarem, para informarem ao sultão de sua tentativa infrutífera.

Tanaple acompanhara a todos ao longo do caminho; olhava-os com ar astuto e, de tempo em tempo, lhes perguntava qual preço o sultão daria àquele que trouxesse de novo os dois fugitivos. - Se o sultão, acrescentava ele, estiver disposto a conceder-me uma hora de audiência, dir-lhe-ei alguma coisa que o apaziguará, e ficará encantado por se livrar de uma mulher como Nazara, que há nela um mau gênio, e que faria descer sobre ele todas as desgraças possíveis, se ela permanecesse algumas luas mais. O chefe dos Eunucos prometeu-lhe incumbir-se disso e transmitir-lhe a resposta do sultão.

Apenas entrados no palácio, o chefe dos negros veio dizer que seu senhor o esperava, prevenindo-lhe, todavia, que seria furado por uma lança se avançasse imposturas.

Nosso pequeno monstro se apressou em entrar na casa do sultão. Chegado diante desse homem duro e severo, inclinou-se três vezes como é habitual, diante dos príncipes de Bagdá.

- Que tens a me dizer? perguntou-lhe o sultão. Sabes o que te espera se não disseres a verdade. Fala; eu te escuto.

"Grande Espírito, celeste Lua, tríade de Sóis, não anuncio senão a verdade. Nazara é filha da fada Negra e do gênio a Grande Serpente dos Infernos. Sua presença, em tua casa, te traria todas as pragas inimagináveis: praga das serpentes, eclipse do sol, lua azul impedindo os amores da noite; todos os teus desejos, enfim, iriam ser contrariados, e tuas mulheres envelhecidas antes mesmo que uma lua haja passado. Poderia dar-te uma prova do que adianto; sei onde se encontra Nazara; se quiseres, irei procurá-la e poderás convencer-te por ti mesmo. Não há senão um meio de evitar-se essas desgraças, é dar-lha a Noureddin. Noureddin não é mais o que pensas; ele é filho da feiticeira Manouza e do gênio o Rochedo de Diamante. Se tu uni-los, em reconhecimento, Manouza te protegerá; se recusares.... Pobre príncipe! Eu te lamento. Faze a prova; depois disso decidirás."

O sultão escutou com bastante calma o discurso de Tanaple; mas, logo depois, chamou uma tropa de homens armados, e ordenou-lhes aprisionarem o pequeno monstro, até que um acontecimento viesse convencê-lo daquilo que acabara de ouvir.

- Acreditava, disse Tanaple, fazer favor a um grande príncipe; mas vejo que me enganei e deixo aos gênios o cuidado de vingar seus filhos. Dito isso, seguiu aqueles que vieram para prendê-lo.

IX

Tanaple estava na prisão apenas há algumas horas, quando o Sol se cobriu com uma nuvem de cor sombria, como se um véu quisesse ocultá-lo à Terra; depois um grande ruído se fez ouvir, e de uma montanha, colocada à entrada da cidade, saiu um gigante armado que se dirigiu para o palácio do sultão.

Não vos direi que o sultão ficou muito calmo; longe disso; tremia como uma folha de laranjeira, que Éolo tivesse atormentado. A aproximação do gigante, ordenou fechar todas as portas, e todos os seus soldados estarem prontos, armas às mãos, para defenderem seu príncipe. Mas, ó estupefação! à aproximação do gigante, todas as portas se abriram, como impelidas por mão secreta; depois, gravemente, o gigante avançou até o sultão, sem dar um sinal, nem dizer uma palavra. À sua vista, o sultão se lançou de joelhos, pediu ao gigante poupá-lo e dizer o que exigia.

"Príncipe! disse o gigante, não digo grande coisa pela primeira vez; não faço mais que te advertir. Faça o que Tanaple te aconselhou, e nossa proteção ser-te-á assegurada; de outro modo, sofrerás a pena de tua obstinação." Dito isso, retirou-se.

O sultão ficou primeiro muito amedrontado; mas, ao cabo de um quarto de hora, estando recomposto de sua perturbação, longe de seguir os conselhos de Tanaple, fez logo publicar um édito que prometia uma magnífica recompensa àquele que pudesse colocá-lo nas pegadas dos fugitivos; depois, tendo colocado guardas nas portas do palácio e da cidade, esperou pacientemente. Mas sua paciência não foi de longa duração, ou pelo menos não lhe deixou tempo para colocá-la à prova. A partir do segundo dia, apareceu às portas da cidade um exército que tinha o ar de ter saído de baixo da terra; os soldados estavam vestidos com peles de toupeiras, e tinham armaduras de carapuças de tartarugas; levavam clavas feitas com lascas de rocha.

A sua aproximação, os guardas quiseram resistir, mas o aspecto formidável do exército logo fê-los abaixarem as armas; abriram as portas sem falarem, sem quebrar suas fileiras, e a tropa inimiga foi gravemente até o palácio. O sultão quis se mostrar à porta de seus apartamentos; mas, para sua grande surpresa, seus guardas adormeceram e as portas se abriram por si mesmas; depois o chefe da armada avançou com passo grave até o sultão e lhe disse:

"Venho dizer-te que Tanaple, vendo tua obstinação, nos enviou para te procurar; em lugar de ser o sultão de um povo que não sabes governar, vamos conduzir-te às toupeiras; tu mesmo torna-te-ás toupeira e serás sultão aveludado. Vê se isso te convém antes que fazer o que Tanaple te ordenou; dou-te dez minutos para refletir.

O sultão gostaria de resistir; mas, para sua felicidade, após alguns momentos de reflexão, consentiu naquilo que se lhe exigiam; não quis colocar senão uma condição, de que os fugitivos não habitassem seu reino. Foi-lhe prometido e, no mesmo instante, sem saber de que lado e como, o exército desapareceu aos seus olhos.

Agora que a sorte de nossos amantes estava completamente assegurada, voltemos para junto deles. Sabeis que os deixamos no palácio subterrâneo.

Depois de alguns minutos, ofuscados e arrebatados pelo aspecto das maravilhas que os cercavam, quiseram visitar o palácio e seus arredores. Viram jardins encantadores. Coisa estranha! via-se tão claro quanto a céu descoberto. Aproximaram-se do palácio: todas as suas portas estavam abertas, e havia preparativos como para uma grande festa. À porta estava uma dama em magnífico vestido. Nossos fugitivos não a reconheceram de início; mas, aproximando-se mais, viram Manouza, a feiticeira, Manouza toda transformada; não era mais aquela velha mulher, feia e decrépita, era uma mulher já de uma certa idade, mas ainda bela, e com um grande ar.

"Noureddin, disse-lhe ela, te prometi ajuda e assistência. Hoje vais receber minha promessa; estás no fim de teus males e vais receber o prêmio de tua constância: Nazara vai ser tua mulher; além disso dou-te este palácio; habitá-lo-ás e serás o rei de um povo de bravos e reconhecidos súditos; são dignos de ti, como és digno de reinar sobre eles."

A essas palavras, música harmoniosa fez-se ouvir, de todos os lados, apareceu uma multidão inumerável de homens e de mulheres em roupas de festa; à sua frente estavam os grandes senhores e as grandes senhoras que vieram se prosternar aos pés de Noureddin; ofereceram-lhe uma coroa de ouro, enriquecida com diamantes, dizendo que o reconheciam por seu rei; que esse trono lhe pertencia como herança de seu pai; que foram encantados, há 400 anos pela vontade de mágicos maus, que esse encanto não deveria acabar senão com a presença de Noureddin. Em seguida, fizeram longo discurso pelas suas virtudes e as de Nazara.

Então, Manouza disse-lhe: Sois felizes, nada mais tenho a fazer aqui. Se tiverdes necessidade de mim, batei sobre a estátua que está no meio de vosso jardim e, no mesmo instante, eu virei. Depois ela desapareceu.

Noureddin e Nazara gostariam de retê-la por mais tempo, para lhe agradecer todas as suas bondades para com eles. Depois de alguns momentos, passados conversando, retornaram aos seus súditos; as festas e as alegrias duraram oito dias. Seu reinado foi longo e feliz; viveram milhares de anos, e posso dizer mesmo que vivem ainda; somente o país não foi reencontrado, ou, por melhor dizer, jamais foi muito conhecido.

Fim.

Nota. Chamamos a atenção dos nossos leitores sobre as observações com as quais precedemos o conto, em nossos números de novembro de 1858 e janeiro de 1859.



ALLAN KARDEC
R E V I S T A E S P Í R I T A
FEVEREIRO D E 1 8 5 9

Ditada pelo Espírito de Frédéric Soulié.





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