sábado, 31 de dezembro de 2016


Outro sábado de 1981
 
 
A tarde mostrava-se fria e chuvosa.
Todos estávamos bem agasalhados, contrastando com a fila imensa dos irmãos necessitados que estavam expostos às intempéries, dizendo sem palavras do quanto ainda há por fazer.
As crianças se reuniam em torno de fogueiras improvisadas... Mas, em todos os semblantes existia alegria. Chico, como sempre, contagiava-nos com o seu bom humor.
Uma senhora já bastante idosa, moradora do bairro, varou a multidão para beijar aquelas abençoadas mãos. Chico chamou-a pelo nome, perguntou se tudo ia bem. Ela se retirou feliz, falando baixinho: "Ele é um pai pra mim. Quando meu marido morreu foi ele quem cuidou de tudo..."
Cremos que a nossa crônica poderia encerrar-se por aqui, tal o material de reflexão que o depoimento espontâneo daquela irmã nos oferece, mas convém que avancemos.
Feita a prece inicial, o "Evangelho" no seu Cap. V — "Bem-aventurados os aflitos", nos chamou a atenção para o item "Motivos de Resignação".
Companheiros vários, são convidados à palavra, pelo tempo de dois a quatro minutos.
Esse sistema de comentários, já tivemos oportunidade de analisar, é o que melhor funciona, pois, além de prender atenção dos ouvintes, em quatro minutos é-nos possível sintetizar a mensagem que desejamos transmitir e, depois cada um aborda o tema por prisma diferente.
Após os primeiros comentários, um confrade mencionou a resignação dos primitivos cristãos, testemunhando, nas arenas do sacrifício, a fé nas palavras do Senhor. Citou o romance de Emmanuel "Há Dois Mil Anos" mostrando a vitória da resignação de Lívia ante o orgulho do senador Públio Lentulus...
Outro exaltou a excelência da Doutrina Espírita, que nos enseja vários motivos de resignação.
A palavra de Chico Xavier, aguardada com expectativa, fez-se ouvir agora naquele ambiente de paz.
E ele contou uma lenda hindu, em que dois irmãos desejavam conquistar a pureza, seguir a trilha dos "mahatmas"...
Combinaram que, depois de vinte anos, ambos deveriam encontrar-se naquele mesmo local.
Cada qual seguiu o seu caminho.
Um se isolou do mundo, mergulhando na meditação e na prece.
O outro voltou para casa, lutando com as dificuldades naturais da família.
O tempo correu.
Vinte anos haviam se passado, quando os dois irmãos, fiéis à palavra empenhada, reuniram-se no mesmo lugar.
O primeiro, o que se havia isolado, não reconheceu o segundo, tal o estado deplorável de imundície em que se encontrava, estava sujo, rasgado, seguido por um grande séqüito de necessitados...
O primeiro exibia uma túnica muito alva e refletia grande segurança.
Depois de se identificarem, foram à presença de um Anjo do Senhor, que somaria as dúvidas quanto ao aproveitamento de ambos, nas lutas da Vida.
A escolha recaiu sobre o segundo, o que havia voltado para o convívio familiar, expondo-se às tentações.
"Mas, Anjo Bom — disse o primeiro — eu alcancei a pureza máxima, ao passo que o meu irmão traz o joelho ralado pelas sucessivas quedas... Eu consegui atravessar o Ganges sem sequer tocar os pés na água....
O Espírito iluminado, depois de ouvi-lo, falou, melancolicamente: "Ah! meu irmão, para atravessar o Ganges sem molhar os pés, bastaria que você construísse uma pinguela..."
A lição nos tocou bem fundo a alma.
Com a prece final, fomos todos dar o nosso abraço de amizade aos irmãos que nos aguardavam, na certeza de que o melhor processo de avançar será sempre trabalhar e esperar.
 

 
Sob a proteção do frondoso abacateiro, o nosso Chico distribui o auxílio do Senhor com os irmãos da Vila.
 
 
CHICO XAVIER, À SOMBRA DO ABACATEIRO
 
 
FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER
EMMANUEL
CARLOS ANTÔNIO BACELLI

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016



A Senda do Discípulo

 

 

A Senda do Discípulo, também chamada “Via Crucis” ou Caminho da Cruz, parece ser um Curso da Pedagogia Divina, exigido de todo Espírito que, amadurecido nas experiências reencarnatórias, e já saturado dos valores perecíveis dos mundos materiais, suspira por libertar-se do seu jugo hipnótico, determinando-se à conquista de valores eternos. Tal suposição encontra respaldo nas provas dolorosas experimentadas pelos grandes benfeitores da Humanidade, principalmente pelos heróis da fé. Ao que tudo indica, nenhum Espírito se libertará dos grilhões que o prendem aos mundos das formas passageiras, sem que percorra uma senda de sacrifícios semelhante à do Cristo. Aliás, Ele mesmo sentenciou: – “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me.” (Marcos, 8:34.)

O Messias, sem que necessitasse de tais provas, teria sido o “Modelo Cósmico” da senda espinhosa que conduz à Vida Maior: Ele foi o modelo da Senda do Discípulo, porque tudo foi profetizado com antecedência de mais de setecentos anos.

 

Recordemos Isaías (Cap. LIII):

 

“Levantar-se-á como um arbusto verde na ingratidão de um solo árido...

Carregado de opróbrios e abandono dos homens.

Coberto de ignomínias, não merecerá consideração.

Será Ele quem carregará o fardo pesado de nossas culpas e sofrimentos, tomando sobre si todas as nossas dores.

Parecerá um homem vergado sob a cólera de Deus...

Humilhado e ferido, deixar-se-á conduzir como um cordeiro, mas, desde o instante em que oferecer sua vida, os interesses do Eterno hão de prosperar em suas mãos.”

Tudo aconteceu como previra Isaías! E o Mestre não nos ensinou o “Caminho” como quem ensina uma peça teatral, mas o exemplificou na própria carne. Não raro, os que tentam percorrer a Senda do Discípulo fracassam nas primeiras etapas. Assim ocorreu com os apóstolos: durante três anos eles acompanharam o Mestre, ouvindo seus ensinos, testemunhando seus exemplos e seus “prodígios”. Mas, ao que parece, aquilo era apenas o Curso Elementar do Evangelho. A Senda Dolorosa que os elevaria à verdadeira promoção espiritual viria mais tarde, quando fossem convocados aos extremos testemunhos de fé, coragem, abnegação e renúncia de suas próprias vidas.

No dia de sua prisão, Jesus, sentindo que os aprendizes do seu Evangelho ainda não estavam preparados, advertiu-os: – “Ainda esta noite todos serão postos à prova e fracassarão.” Porque assim também se cumpriria o que, com grande antecedência, previra o profeta Zacarias (13:7): – “Ferirei o Pastor e as ovelhas se dispersarão.” Mas, se os apóstolos fracassaram na primeira etapa, após a tragédia da cruz, todos, caindo em si, aceitaram, jubilosos, a Senda de Sacrifícios que os elevaria às dimensões vibratórias dos autênticos Discípulos do Senhor.

Sem dúvida, o Messias trouxe à Terra ensinos, hábitos e comportamentos de uma Humanidade que ainda está por ser construída. Ele era um estrangeiro, modelo de cidadão de um futuro remoto... uma espécie de “estranho no ninho” terrestre. E, ainda hoje, todo aquele que ouve seus ensinos e tenta praticá-los é nota dissonante no concerto da multidão. Estamos ensaiando o tipo humano de uma nova era. Nossos gostos, nossas tendências e nossos comportamentos não raro desafinam com o modo de ser de familiares, vizinhos, colegas de profissão, etc. Justo, pois, que o mundo nos ofereça o Caminho da Cruz, como fizeram ao Messias, aos profetas e a todos os benfeitores da Humanidade.

Porém, se, como aspirantes ao grau de discípulos, aceitarmos o Caminho, operar-se-á em nós misteriosa transformação: gradativamente, as vibrações densas, de baixa frequência, próprias do nosso egoísmo, orgulho, vaidade e demais ramificações, cederão lugar às vibrações sutis, de alta frequência, inerentes à submissão à Vontade de Deus (humildade, paciência, resignação, prudência, renúncia de bens efêmeros e trabalho constante em benefício da coletividade).

Percorrer a Senda do Discípulo significa exercitar, sem esmorecimentos, as virtudes citadas e outras que, em conjunto, representam a vivência das bem aventuranças do Sermão da Montanha.

Entendemos que todos os Espíritos que se transformaram em focos de bondade, luz e sabedoria, é porque superaram todas as provas da Senda do Discípulo, despindo-se das vibrações densas de suas imperfeições. A História do mundo está repleta de exemplos de vidas heróicas que se sublimaram percorrendo uma “Via Crucis” semelhante à do Messias. Moisés viveu entre experiências terríveis e dolorosas. Jeremias conheceu longas noites de angústia, trabalhando pela preservação do patrimônio religioso entre as perdições de Babilônia.

Amós, Esdras, Ezequiel, Daniel e muitos outros vultos do Velho Testamento percorreram Sendas de Sacrifícios. Os seguidores do Cristo, tanto os que com Ele conviveram, quanto os que vieram depois, só alcançaram a sublimação espiritual após percorrerem o Caminho da Cruz... sem esquecermos os milhares imolados no circo do martírio.

 

A Senda de Paulo

 

Ele se convertera, incondicionalmente, ao Cristo, às portas de Damasco.

Através de Ananias, recuperara a visão e conhecera a Boa-Nova. Só por isso, imaginava-se pronto para dar início imediato ao apostolado da nova causa.

Como se enganara! Uma sequência infindável de fracassos e incompreensões, apupos e abandonos, solidão e remorsos, enfermidades e lágrimas, marcaria o longo percurso que haveria de trilhar, a fim de tornar-se aquele campeão das lides evangélicas que todos nós conhecemos e admiramos.

Para que se despojasse da indumentária grosseira das imperfeições que abrigava o “homem velho”, teria de percorrer as estações do martírio, cujo longo trajeto começara com sua entrega ao Cristo às portas de Damasco, e só terminaria em Tarso, quando Barnabé foi buscá-lo para que desse início à sua grandiosa missão.

Vale lembrar que, embora sua “Via Crucis” continuasse até a morte, o discípulo agora estava pronto e sintonizado com o Mestre.

 

A Senda dos Modernos Discípulos

 

Nos dias do “Consolador”, o preconceito e a perseguição, a calúnia e a mentira, a zombaria e o desprezo foram provas que marcaram a senda de Modernos Discípulos. Allan Kardec, Adolfo Bezerra de Menezes, Francisco Cândido Xavier e muitos outros diplomaram-se nesses cursos difíceis, empregando suas vidas em benefício da Humanidade! São Espíritos que se tornaram merecedores das bem-aventuranças prometidas por Jesus. São modelos de uma futura Humanidade.

Seus trabalhos estão impregnados das vibrações da verdadeira Caridade, conforme a conceituou o Apóstolo Paulo, em sua Primeira Epístola aos Coríntios (13:1-7):

 

“Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse Caridade, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse Caridade, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse Caridade, nada disso me aproveitaria. A Caridade é sofredora, é benigna; a Caridade não é invejosa; a Caridade não trata com leviandade; não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal. Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade.

 

Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.”

 

Se o Apóstolo dos Gentios estivesse hoje entre nós, provavelmente diria que o trabalho do Discípulo, por abundante que fosse, se destituído de Amor, melhor seria substituí-lo pelos incríveis robots, e com grande vantagem, pois eles não se cansam, não dormem, são frios, insensíveis e indiferentes a julgamentos, censuras ou aplausos. Podem operar nos mais adversos ambientes, e executam com perfeição o programa que lhes foi traçado.

 

Finalmente, transcrevemos mensagem do Espírito Albino Teixeira, ditada a Francisco Cândido Xavier, em 1964, com título e conteúdo bem adequados ao assunto em foco:

 

Promoção

 

1 – Quando o fracasso nos desafia de perto...

2 – Quando a tentação e a enfermidade nos visitam...

3 – Quando a nossa esperança se dissolve no sofrimento...

4 – Quando a provação se nos afigura invencível...

5 – Quando somos apontados pelo dedo da injúria...

6 – Quando os próprios amigos nos abandonam...

7 – Quando todas as circunstâncias nos contrariam...

8 – Quando a mágoa aparece...

9 – Quando a incompreensão nos procura, ameaçadora...

10 – Quando somos intimados a esquecer-nos, em benefício dos outros.

 

Então, é chegado para nós o teste de aproveitamento espiritual, na escola da vida, para efeito de Promoção.”
O assunto pode parecer estranho, mórbido e até amedrontador; todavia, ante fatos desmoronam quaisquer argumentos, pois, na verdade, Jesus, os profetas do Velho Testamento, os apóstolos de ontem e de hoje, assim como os grandes benfeitores da Humanidade... todos eles percorreram o Caminho da Cruz. Quanto a nós, que estamos trilhando a Senda do Discípulo, se ainda não fomos suficientemente provados, por certo o seremos mais adiante.

Quanto a mim, estou convicto de que, se ainda não alcancei as frequências vibratórias dos autênticos Discípulos do Senhor, é porque ainda convivo com imperfeições cujas densidades me mantêm cativo de baixos planos mentais e emocionais.

 

Enfim: tenho mais informações do que realizações.

 

ADOLPHO MARREIRO JÚNIOR
 
 

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016


PERDOAR

 

Tudo é perdão, dentro da natureza, a fim de que a vida possa crescer, prosperar, e aprimorar-se, em nome do Senhor.


O sol perdoa o pântano e converte-o em terra proveitosa.


A árvore perdoa a tempestade que a dilacera e toma a florir para a colheita farta.


O chão perdoa o lixo que o avilta e transforma-o em adubo precioso.


O tronco perdoa o serrote que o desmemora e passa à condição de agasalho ou de utilidade geral.


O grão perdoa a mó que o oprime e produz a farinha alva.


A uva perdoa aos pés que a maceram e converte-se em vinho medicamentoso.


O lenho perdoa o braseiro e faz a chama que aquece o lar, dentro da noite fria.


A massa perdoa o calor terrível do forno e transforma-se em pão que enriquece a mesa.


O animal perdoa o homem que o conduz ao matadouro e faz o alimento que lhe apóia a saúde.


Nos fundamentos da vida, tudo é esquecimento do mal com a permanente exaltação do bem.


Sem o espírito de sacrifício não há progresso, como sem renúncia individual não há educação.


Se desejamos colaborar na Obra Divina tomemos nosso lugar no imperativo do perdão e auxiliemos sempre.


Desculpar incessantemente é renovar-se para a vida superior.


Não vale arquivar mágoas ou colecionar aflições que sempre acabam instilando em nosso corpo e em nossa alma os agentes da enfermidade ou da morte.


A existência reclama o olvido de toda treva para que o nosso caminho esteja sob o domínio da Luz.


Recordemos o Cristo e saibamos esquecer todas as ofensas e todos os males, porque somente aquele que perdoa de modo integral consegue atingir a necessária e bendita renovação do próprio ser para a vida imperecível.

Emmanuel

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016


Palpites

Richard Simonetti

Em modesta residência, na periferia, uma mulher, médium em transe, transmite a manifestação de um “guia” que atende a aflita jovem:

— Vim pedir-lhe ajuda. Sou casada há cinco anos. Tenho dois filhos. Vivíamos relativamente bem, mas ultimamente nosso relacionamento é péssimo. Meu esposo anda muito nervoso. Brigamos com frequência. Noutro dia afirmou que se arrepende de ter constituído família. Creio que se envolveu com alguma aventureira...

Minha filha — diz a Entidade —, seu lar está ameaçado. Vejo muitas vibrações de pessoas que não querem sua felicidade e há uma mulher seduzindo seu marido...

Seguem-se orientações relacionadas com defumações, velas, banhos de defesa, rezas...

A jovem retira-se confiante. Suas suspeitas estavam confirmadas e receberia ajuda espiritual.

A médium prossegue no atendimento: um homem com crônica conjuntivite; o vendedor com dificuldade para colocar seus produtos; a mulher dominada pela depressão; a adolescente que brigou com o namorado...

Embora sejam a tribulações diversificadas, aparentemente, segundo a palavra do Espírito, parecem originar-se de fontes comuns: inveja, perseguição, influência negativa, vingança...

“Especialistas” em atividades dessa natureza multiplicam-se. Alguns chegam a fazer propaganda de seu trabalho, em folhetos e anúncios classificados nos jornais, prometendo prodígios.

Assim como muita gente comparece ao Centro Espírita como se fora um hospital, há os que frequentam assiduamente esses “consultórios”, em prática tão antiga quanto o Mundo. No tempo de Moisés era tão comum, e ocorriam tantos abusos, que o eminente patriarca judeu decidiu proibir a evocação dos mortos.

Oportuno ressaltar que essas atividades nada têm a ver com o Espiritismo, nem são espíritas aqueles que as desenvolvem. Quando muito, se não mistificam, são médiuns, cumprindo fazer-se uma distinção entre mediunismo e a doutrina codificada por Allan Kardec:

Mediunismo é o intercâmbio com o Além. Pode ser exercitado por qualquer pessoa dotada de sensibilidade psíquica, independente de sua condição social ou religiosa. Há médiuns no seio de todas as classes sociais e religiões.

O Espiritismo é uma filosofia existencial com bases científicas e conseqüências religiosas. O simples enunciado desse tríplice aspecto impõe uma atitude séria na sua apreciação e a disposição para o estudo e a análise de seus postulados, acima dos interesses imediatistas, para que possamos entender sua grandiosa mensagem.

Destaque-se o empenho a que somos convocados em favor de nossa própria renovação, sem o qual jamais seremos espíritas autênticos, como deixa bem claro Kardec, em “O Evangelho segundo o Espiritismo”, ao afirmar: “Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más”.

Importante frisar sempre, embora possa parecer repetitivo, que não devemos procurar os Espíritos para a solução de problemas que decorrem de nossas próprias mazelas. Sempre que comparecermos aos “consultórios do Além”, estejamos conscientes de que dificilmente seremos atendidos por mentores autênticos. Eles têm assuntos mais importantes a tratar. Normalmente, os Espíritos que se dedicam a essa atividade, principalmente quando o médium cobra pelos seus favores, são “orientadores sem orientação”, que nada sabem das necessidades reais dos consulentes e que, para ganhar sua confiança, limitam-se a dizer o que eles querem ouvir:

A mulher desconfiada da fidelidade do marido será alertada de que há uma sedutora; quem não gosta dos vizinhos ouvirá que são invejosos e lhe desejam o mal; aquele que não se ajusta a empregos será informado de que sofre perseguições...

Sem a mínima condição para definir caminhos mais acertados, atuam como palpiteiros, sugerindo providências e tratamentos que até podem dar certo, como todo palpite, mas jamais resolvem em definitivo os problemas de seus “protegidos”, tornando-os, não raro, mais complexos.

A propósito, vale lembrar a história daquele homem viciado em pedir favores a um “guia”, em “consultório” nas imediações de sua residência, na mais estreita dependência. Não dava um passo sem a ajuda do protetor, que estava mais para palpiteiro, orientando-o precariamente. Certo dia o protegido pediu amparo mais efetivo:

-O senhor precisa dar um jeito na minha situação. Cansei de ser pobre...

-O que quer que eu faça, meu filho?

-Quero ganhar uma bolada no jogo do bicho.

-É difícil...

-Mas sei que pode conseguir. Por favor... Preciso muito!...

-O Espírito silenciou por alguns momentos. Depois recomendou:

-Está bem. Amanhã jogue no número 23.492.

O protegido, todo animado, reuniu seus haveres, vendeu o televisor e um jogo de sofá; tomou de empréstimo bom dinheiro de amigos, apropriou-se do salário da filha mais velha e fez o jogo recomendado, considerando, em feliz expectativa, que jamais voltaria a passar por aperturas econômicas.

Á tarde acompanhou, trêmulo, o sorteio pelo rádio. O locutor anunciava pausadamente os números sorteados. Quando chegou a vez do primeiro prêmio, onde repousavam suas esperanças, a tensão era enorme:

-Vinte e três mil...

-Meu Deus! Vai dar! Vai dar!...

-Quatrocentos e noventa e...

-Estou rico! Já ganhei!.... três.

-Três? Está errado! É dois!

O locutor repetiu:

-Vinte e três mil, quatrocentos e noventa e três.

Pateticamente ele sacudia o rádio:

-Não é três, idiota! É dois! Dois!... Houve engano!...

Telefonou para a emissora. Não havia erro. Perdera por um algarismo, enterrando-se em dívidas e aperturas.

Correu ao “guia”.

-Uma desgraça! Joguei o que não possuía e perdi! O que houve? O senhor recomendou 23.492. Deu 23.493.

O Espírito respondeu, cheio de animação.

-Ah! Meu filho! Fico feliz. Quase acertamos! Talvez dê certo na próxima!

Fora apenas um palpite...

Nossa existência não pode ser orientada por palpites. É preciso ter certezas. E a certeza fundamental foi enunciada por Jesus:

“O Reino de Deus está dentro de vós!” (Lucas, 17:21.)

O estado íntimo de serenidade, alegria e bom-ânimo, alicerces de uma felicidade legítima e duradoura, é uma construção pessoal, que devemos realizar com o esforço por entender o que a Vida espera de nós.

Nesse particular a Doutrina Espírita tem muito a nos oferecer, se nos dispusermos a estudá-la buscando sua orientação objetiva e segura, sem recorrer a palpiteiros.

SUGESTÕES

Afaste-se de médiuns que atendem em regime de “consultas particulares”. Sem disciplina e sem conhecimento, com o agravante de estimarem receber recompensas, são facilmente envolvidos por obsessores interessados em semear a perturbação.

Em qualquer contato com os Espíritos, mesmo em reuniões mediúnicas no Centro Espírita, é preciso passar pelo crivo da razão o que dizem. Allan Kardec destacava que os Espíritos são apenas homens desencarnados e, como tais, sujeitos a erros de apreciação, além dos problemas de filtragem mediúnica.

Mesmo nas condições mais favoráveis, diante de mentores comprovadamente esclarecidos e sábios, evite constrangê-los com petitórios relacionados com interesses pessoais. Afinal, tudo de que precisamos, em se tratando de orientação de vida, é seguir os ditames da própria consciência, iluminando-a com as lições de Jesus.

Reformador – agosto, 1989

 

terça-feira, 27 de dezembro de 2016


Ano Novo
Quando o desvelado orientador chegou ao Planeta, encaminhando o aprendiz à experiência nova, o lar estava em festa, na celebração do Ano Novo.

Músicas alegres embalavam a casa, flores festivas enfeitavam a mesa lauta. Riam-se os jovens e as crianças, enquanto os velhos bebiam vinhos de júbilo.

O devotado amigo abraçou o tutelado e falou:

- Nova
existência, meu filho, é qual Ano Novo. Enche-se o coração das esperanças mais belas. Troca-se o passado pelo presente. Rejubila-se a alma na oportunidade bendita. Promessas divinas florescem no coração.

O tempo é o tesouro
infinito que o Criador concede às criaturas. Não esqueças, todavia, que a concessão de um tesouro é titulo de confiança e toda confiança traduz responsabilidade. Tanto prejudica a obra de Deus o avarento que restringe a circulação dos valores, como o perdulário que os dissipa, olvidando obrigações sagradas.

O tempo, desse modo, é benfeitor carinhoso e cre
dor imparcial simultaneamente. Na terra a maioria dos homens não chegou ainda a compreendê-lo.

Os ignorantes perdem-no.
Os loucos matam-no.
Os maus envenenam-no.
Os indiferentes zombam dele.
Os vaidosos confundem-no.
Os velhacos enganam-no.
Os criminosos perturbam-no.
Riem-se dele os pând
egos.
Os mentirosos ridicularizam-no.
Os tolos esquecem-no.
Os
ociosos combatem-no.
Os tiranos abusam dele.
Os irônicos menosprezam-no.
Os arbitrários dominam-no.
Os revoltados acusam-no.
Aproveitam-no os trabalha
dores fiéis.

O tempo, contudo, meu filho, pertence ao Senhor e ninguém pode subverter a
ordem de Deus.

É por isso que, ao fim da
existência, cada um recebe conforme usou o divino patrimônio.

Vale-te, pois, da oportunidade nova, sem
olvidares o dever, convicto de que ninguém falará ou agirá no mundo, em vão.

O
homem precipita-se. O tempo espera. O primeiro experimenta. O segundo determina.

Se atingires a
alegria de recomeçar, alcançarás, igualmente, o dia de acertar.

Lembra-te de que o tempo
ensinará aos ignorantes.
Anulará os loucos.
Envenenará os maus.
Zombará dos indiferentes.
Confundirá os vaidosos.
Esclarecerá os velhacos.
Perturbará os criminosos.
Surpreenderá os pând
egos.
Ridiculizará os mentirosos.
Corrigirá os tolos.
Combaterá os
ociosos.
Ferirá os tiranos.
Menosprezará os irônicos.
Prenderá os arbitrários.
Acusará os revoltados.
Com
pensará os trabalhadores fieis.

Calou-se o venerável ancião.

Havia risos à mesa doméstica expectativa no candidato à
reencarnação, sorrisos paternais no velhinho experiente.

O sábio abraçou novamente o
discípulo e despediu-se rematando:

- Não te esqueças de que o tempo é generoso nas concessões e
justo nas contas. Vai, porém, meu filho, e não temas.

Nesse instante, à maneira do
homem, cheio de esperanças, que penetra o Ano Novo, o aprendiz reingressou na onda do nascimento.
Irmão X
Do livro: Pontos e Contos, Médium: Francisco Cândido Xavier