quinta-feira, 23 de junho de 2011


Katherine "Kate" Fox (1837 - 1892 )
Leah Fox ( 1814 - 1890 )
Margaret " Maggie " Fox ( 1833 - 1893 )





As Irmãs Fox, Conan Doyle

O episódio de Hydesville tornou-se famoso por desencadear uma investigação pública de conseqüências marcantes para a história do Espiritismo no mundo.

AS COMISSÕES DE ROCHESTER
Em 1848, uma multidão de norte-americanos acotovelou-se no Corinthians Hall, salão do município de Rochester, no Estado de Nova York, Estados Unidos da América, para acompanhar uma comissão que iria descobrir os truques empregados por duas adolescentes que simulavam sons atribuídos a pessoas mortas. Desde que os ruídos haviam se tornado conhecidos por seus vizinhos e se houvera estabelecido algum tipo de comunicação com sua fonte, boa parte da pacata população dos arredores de Hydesville tomou-se de uma cerca indignação que parecia recordar os episódios de caça às bruxas de Salém.

Três adolescentes de nomes Catherine (Kate), Margaret e Ann Leah eram o alvo dos interesses da população predominantemente protestante de sua cidade. Filhas do camponês e pastor metodista John Fox, as duas primeiras foram transferidas de sua fazenda para duas casas em Rochester, a do tio e a da irmã Ann Leah, que era casada e passou a assinar Ann Leah Fish. Desde então, os referidos fenômenos começaram a manifestar-se nas suas novas residências e em outras casas de Rochester e cidades vizinhas. O erudito Canuto Abreu (1996), citando uma das mais conhecidas divulgadoras destes eventos, (1) fez uma análise oportuna do caráter dos quakers, o que explica a notoriedade do acontecido.

 
Rochester foi fundada por um quaker (Nathaniel Rochester), linha protestante fundada por George Fox na Inglaterra, que acreditava na revelação imediata e individual de Deus. Abreu afirma serem fundadores de estados livres americanos e defensores da liberdade de expressão, sendo tolerantes para com as diversas crenças e religiões. Como as manifestações não cessassem com a mudança das meninas para a cidade e a população ficasse cada dia mais indócil e propensa a atos de violência, a Sra. Fox procurou o Sr. Isaac Post, um quaker respeitado pela população e um dos diretores da "Sociedade dos Amigos" (2) para que intercedesse em seu favor e esclarecesse o acontecido. Após a consulta aos "spirits", Post decidiu por promover manifestações públicas no maior salão da cidade, acompanhadas por uma comissão de investigadores, assegurando ele próprio, o pastor metodista Jervis, o doutor Capron e as respectivas esposas a integridade das jovens. Este evento se deu a 14 de novembro de 1849. (SILVA, 1997.)

A comissão que tinha por relator o redator-chefe do jornal Rochester Democrat (que segundo Doyle, 1926, já havia preparado um artigo denominado "Exposição completa da mistificação das batidas" e que foi sustado após os trabalhos referidos) e concluiu que as batidas eram verdadeiras, que se produziam às vezes à distância das meninas (nas paredes e portas) que respondiam às vezes certo e às vezes errado às perguntas que lhes eram dirigidas e que "não puderam encontrar nenhum processo pelo qual elas pudessem ser produzidas". Recebido o relatório com sinais de desagrado pela audiência, decidiu-se pela nomeação de uma segunda comissão, com a presença do Dr. Langworthy para controlar a possibilidade da ventriloquia por parte das Fox. Concluiu-se que os sons foram ouvidos, não eram produzidos por máquina ou pela ventriloquia.

Nomeou-se ainda uma terceira comissão, que examinou as jovens Fox despidas, amarraram os vestidos ao corpo e as colocaram sobre vidros, de pé sobre almofadas, nas cadeiras e em outras situações que não impediram as manifestações. A comissão declarou que as perguntas feitas, algumas delas apenas pelo pensamento, haviam sido respondidas corretamente. (Doyle, 1926, p. 89.) Este episódio quase causou o linchamento das médiuns.

A CRÍTICA DA REVISTA VEJA

Detenho o leitor espírita nestes episódios, seguindo a lógica do criador de Sherlock Holmes, porque muito recentemente a mediunidade das irmãs Fox foi posta em questão por uma jornalista brasileira, que deu mostras de escrever de oitiva. Ao concluir um artigo escrito em um tom um tanto irônico sobre o Espiritismo, ela concluiu com a frase de efeito:

"Anos depois de causar furor as irmãs Fox se desmentiram. Disseram que os espíritos eram invenção delas. No Brasil, ninguém ligou." (Varella, 2000.) Curiosamente, o médico e escritor escocês Sir Arthur Conan Doyle dedicou um capítulo inteiro do seu livro História do Espiritismo ao debate deste tema, livro este que foi traduzido ao português por um espírita brasileiro, a quem devemos também a tradução da Revista Espírita de Kardec, Júlio Abreu Filho.

PESQUISAS E RELATOS SOBRE AS IRMÃS FOX

No seu capítulo, amplamente documentado com declarações assinadas durante toda a sua vida, Doyle vai mostrando ao leitor as investigações a que foram submetidas e as perseguições que as irmãs Fox sofreram. A obsessão da grande maioria dos pesquisadores que as estudariam focalizava-se em descobrir as origens físicas ou fisiológicas das batidas.

Conan Doyle recuperou um episódio da vida de Margaret Fox onde ela se interessou e foi correspondida por um médico puritano chamado Kane, (3) com quem veio a casar posteriormente, e das pressões que ele exerceu para que ela desmentisse a comunicação com os Espíritos. A partir da análise das cartas, o criador de Sherlock Holmes conclui que ele "pensava de modo vago que houvesse alguma fraude" mas que "nos anos de sua maior intimidade Margaret jamais admitiu", que "ele jamais pôde sugerir no que consistia a falcatrua" e que "ela empregou as suas forças de maneira que os espíritas sérios deploram". (Doyle, 1926, p. 97.) Assim como outros médiuns do século XIX, as Fox tiveram dúvidas quanto à origem espiritual dos fenômenos, e pode ser que houvessem praticado algum tipo de fraude em momentos isolados de sua carreira, especialmente porque passaram a viver da demonstração dos fenômenos. Conan Doyle transcreveu a seguinte frase do livro do Dr. Kane: "Ela dizia sempre que nunca tinha realmente acreditado que as batidas fossem obra de Espíritos, mas pensava que nisso havia uma relação com certas leis ocultas da natureza. Esta foi sua atitude posterior na vida, pois em sua ficha profissional dizia que o povo devia por si mesmo julgar da natureza de suas forças." (Doyle, 1926, p. 97.)

O banqueiro Charles Livermore, de Nova York, afirma que recebeu comunicações de sua esposa falecida, Estelle, num período de dez anos, mensagens através de Kate Fox, algumas escritas em francês, espanhol e italiano, idiomas desconhecidos pela médium. O Sr. Cromwell Varley (eletricista responsável pelo lançamento do cabo submarino no Atlântico) realizou experiências sobre eletricidade com Kate Fox. Em sua visita à Inglaterra Kate foi estudada por um conhecido membro da Sociedade Dialética de Londres, o Dr. William Crookes. Transcrevo, abaixo, o relato de um dos resultados obtidos por ele: "O relatório de Crookes, das observações na presença de Kate Fox, continua sendo um claro exemplo de evidência para raps paranormais, exceto pela falta de múltiplas testemunhas. Ele obteve raps em vários objetos materiais – um pedaço de vidro, um pandeiro, uma árvore, um pedaço de papel suspenso por uma linha." (RUSH, 1986, p. 241.)

Sir Arthur Conan Doyle relatou um episódio da pesquisa de Crookes onde estavam presentes sua esposa e uma parente: "Eu segurava ambas as mãos da médium numa das minhas enquanto seus pés estavam sobre os meus. Havia papel sobre a mesa em nossa frente e eu tinha um lápis na mão livre. Uma luminosa mão desceu do alto da sala e, depois de oscilar perto de mim durante alguns segundos, tomou o lápis de minha mão e escreveu rapidamente numa folha de papel, largou o lápis e ergueu-se sobre as nossas cabeças, dissolvendo-se gradativamente na escuridão." (Doyle, 1926, p. 101.)

O professor russo Dr. Butlerof, da Universidade de São Petersburgo, teve seu relato transcrito no trabalho de Conan Doyle. "De tudo quanto me foi possível observar em presença de Mrs. Jenken, 4 sou levado à conclusão de que os fenômenos peculiares a esse médium são de natureza fortemente objetiva e convincente e que, penso, seriam suficientes para levar o mais pronunciado céptico, desde que honesto, a rejeitar a ventriloquia, a ação muscular e semelhantes explicações dos fenômenos." (Doyle, 1926, p. 103.)

Seguem-se outros relatos e poderíamos ainda transcrever mais citações de outros livros, mas estas são suficientes para afirmar-se que as Fox foram estudadas por cientistas, em ambientes controlados e apresentaram resultados satisfatórios, não apenas de raps, como de outros fenômenos de efeitos físicos. Aqui temos um capítulo de suas vidas que não pode ser atribuído à imaginação dos espíritas norte-americanos e que se acha bem documentado, ainda em nossos dias. Vemos também que as hipóteses de ação muscular eram conhecidas e controladas pelos cientistas que as estudaram, da mesma forma que o foram pelas comissões do Corinthians Hall.

Por que insistimos tanto em dizer que cientistas estudaram a mediunidade de Kate Fox? Um dos argumentos mais empregados por aqueles que querem desmerecer uma fonte histórica repousa na idealização e na mitificação que geralmente acompanha movimentos sociais e culturais onde as opiniões se polarizam e o componente emocional se torna muito influente. No calor das discussões do Corinthians Hall, por exemplo, suas testemunhas poderiam se ater a eventos isolados ou contar a sua versão, profundamente marcada pela simpatia com as idéias espiritualistas.

Embora este fenômeno seja um fenômeno humano, o cientista foi treinado a tentar ser o mais descritivo possível, a evitar suas simpatias e ater-se aos fatos para construir e reconstruir suas teorias. Ele depende profundamente de sua reputação no meio acadêmico para que suas comunicações tenham credibilidade. Todos sabemos que no século passado o clima vigente nas academias era de uma compreensão empírica das ciências, especialmente das ciências naturais. Ademais, os pesquisadores em questão apresentam sua metodologia de trabalho e os seus cuidados para evitar a ocorrência das principais hipóteses alternativas como a fraude e as ocorrências naturais.

Passamos agora à declaração de Margaret Fox, seus motivos e sua retratação.


POR QUE MARGARET FOX AFIRMOU QUE FRAUDAVA?

Margaret Fox-Kane deu uma declaração em setembro de 1888 ao jornal New York Herald denunciando o culto espiritualista, mas preservando a idéia de que os raps "eram a única parte dos fenômenos digna de registro". (Doyle, 1926, p. 105.) Ao contrário do que afirma nossa jornalista brasileira, Kate Fox ficou aborrecida com as declarações da irmã. Observe o leitor a correspondência que ela escreveu à senhora Cottel em novembro do mesmo ano: "Eu lhe deveria ter escrito antes, mas minha surpresa foi tão grande, ao chegar e saber das declarações de Maggie sobre o Espiritismo, que não tive ânimo de escrever a ninguém. (...) Agora penso que podia fazer dinheiro, provando que as batidas não são produzidas pelos dedos dos pés. Tanta gente me procura por causa da declaração de Maggie que me recuso a recebê-los." (Doyle, 1926, p. 107.) Doyle apresenta três razões para a conduta de Margaret Fox-Kane. A primeira razão envolve uma discussão entre Kate e Leah em decorrência do alcoolismo da primeira. Kate e Margaret se tornaram alcoólatras e Leah fez pressões para que parassem de beber, chegando a ameaçar Kate com a perda da guarda dos filhos.

Ao que parece, ela chegou a ser presa por algum tempo em decorrência de uma denúncia da irmã mais velha, que teria alegado maus-tratos para com os filhos. (Doyle, 1926, p. 106.) Margaret se indispôs contra Leah em defesa da irmã, ofendendo-a em sua crença no espiritualismo. O segundo motivo repousa na pressão que sofria por parte dos profitentes de religiões protestantes e católicas. Em sua retratação, Margaret refere-se à influência que sofreu de pessoas que tinham por interesse "esmagar o Espiritismo". Conan Doyle chega a apresentar nomes de membros do clero que a fizeram crer que tratava com o demônio.

Finalmente, houve a proposta financeira do jornal, interessado em um "furo" jornalístico, não importando se estaria ou não praticando "imprensa marrom". As Fox viviam dos fenômenos que produziam, prática em que são criticadas até por Conan Doyle, que morava em um país onde a remuneração de médiuns é uma prática aceita. Embora não tenha encontrado em minhas fontes uma transcrição exata da declaração de Margaret Fox-Kane, com base na correspondência de Kate, transcrita acima, ela parece ter "explicado" os fenômenos a partir da teoria dos "músculos estalantes". Convenhamos que esta explicação, em face dos relatórios de pesquisas realizados desde a demonstração em Rochester, é bastante insatisfatória.

Como elas teriam produzido os sons nos vidros, paredes e papéis distantes de seus próprios corpos, estalando músculos ? Como responderiam a perguntas mentais ? Como forneceram respostas corretas a perguntas que desconheciam, como o número de conchas tomadas ao acaso de um montinho, por um de seus investigadores ? Como elas teriam burlado os cuidados dos cientistas que as pesquisaram ?

Nada disto parece satisfatório, ainda que houvessem entremeado truques aos fenômenos, por razões financeiras. Por fim, Margaret Fox-Kane retratou-se um ano depois, em 20 de novembro de 1889, em entrevista dada à imprensa de Nova York.

Para que não restem dúvidas, transcrevo algumas partes:

"Praza a Deus (...) que eu possa desfazer a injustiça que fiz à causa do Espiritismo quando, sob intensa influência psicológica de pessoas inimigas dele, fiz declarações que não se baseiam nos fatos. (...) Naquela ocasião (em que denunciou o Espiritismo) necessitava muito de dinheiro, e criaturas, cujo nome prefiro não citar, se aproveitaram da situação. Daí a embrulhada. Também a excitação ajudou a perturbar meu equilíbrio mental.

Aquelas acusações eram falsas em todas as minúcias. Não hesito em dizê-lo... (...) Nem todos os Herrmans vivos serão capazes de reproduzir as maravilhas que se produzem através de alguns médiuns. Pela habilidade manual e por meio de espertezas podem escrever em papéis e lousas, mas mesmo assim não resistem a uma investigação acurada. A produção da materialização está acima de seu calibre mental e desafio a quem quer que seja a produzir batidas nas condições em que as produzo." (Doyle, 1926, p. 108-109.)
A partir deste momento ela se propôs a fazer conferências para "refutar as calúnias" que ela própria lançou contra o Espiritismo. Ela fez uma carta aberta ao público assinada de próprio punho diante de testemunhas como o Sr. O’Sullivan, Ministro dos Estados Unidos em Portugal durante vinte e cinco anos.

 
O PAPEL DAS IRMÃS FOX PARA O ESPIRITISMO

 
Creio ter sido exaustivo na exposição de motivos, fatos e documentos, apesar de não ter tido acesso a fontes primárias. Mesmo assim, cabe mais uma análise ao comentário da repórter brasileira. Qual o papel das irmãs Fox para o Espiritismo ?

O lugar histórico das irmãs Fox para o Movimento Espírita e o chamado "modern spiritualism" norte-americano e europeu foi o de pessoas cuja faculdade se tornou notória e atraiu a atenção da sociedade e da academia, gerando um volume enorme de estudos, pesquisas e discussões. Elas são um marco arbitrado pelos escritores de história do Espiritismo para iniciar sua descrição de um movimento social do século XIX. Ainda que fossem uma fraude completa, o que creio ter discutido suficientemente com base no trabalho de Conan Doyle e de outros autores, o Espiritismo é um corpo de doutrina que tem por base as comunicações dos Espíritos.

Allan Kardec teve o bom senso de trabalhar com múltiplos médiuns, de grupos e países diversos, e de não propor verdades absolutas, legando-nos uma mentalidade crítica. Temos acesso a obras produzidas em diferentes pontos do globo, escritas por estudiosos, obtidas pela via mediúnica ou resultantes de pesquisas conduzidas em academias.

A contribuição das irmãs Fox não exige que as idealizemos, ou as transformemos em heroínas, ocultando seus defeitos, mas que as compreendamos como pessoas que, dentro de suas fragilidades e limitações, enfrentaram a intolerância de uma época e deram uma contribuição importante para que, hoje, pudéssemos ter acesso a tantas sociedades e grupos organizados, preocupados em entender o significado dos fenômenos espirituais.

1) Emma Harding Britten. //
2) Society of Friends, nome dado à comunidade quaker. //
3) Baseado no livro As Cartas de Amor do Dr. Elisha Kane.
4) Nome de casada de Kate Fox.

Artigo de Jáder dos Reis Sampaio - Outubro de 2001 - Revista Reformador - F.E.B.

FONTES BIBLIOGRÁFICAS:

ABREU, Canuto. O Evangelho por fora. São Paulo: LFU, 1996.
DELANNE, Gabriel. Os tempos modernos, In: O fenômeno espírita. Rio de Janeiro: FEB, 1992.
DOYLE, Arthur Conan. História do Espiritismo. São Paulo: Pensamento, s.n. [originalmente publicado em 1926].
GIBIER, Paul. Origens do Espiritismo. In: O Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 1980.
LOUREIRO, Carlos Bernardo. As irmãs Fox. In: As mulheres médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 1996.
RUSH, Joseph. Findings from experimental PK research. In: EDGE, H. et al. Foundations of parapsychology. Boston-USA: Routledge & Kegan Paul, 1986.
SILVA, Eliane M. O espiritualismo no século XIX. Campinas-SP: UNICAMP, 1997. (Coleção textos Didáticos, no. 27.)
VARELLA, Flávia. À nossa moda, Veja. no. 1.659, p. 78-82, 26 de julho de 2000

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