Quase todas as criaturas guardam ciosamente as disposições da avareza.
Seja entre as possibilidades do dinheiro ou da inteligência, do favor público
ou da autoridade, a tendência de amontoar caracteriza a maioria dos homem. O
tirano congrega fâmulos e turiferários, como os magnatas monopolizam os grandes
negócios materiais. Os pregadores, quase sempre, estimam os ouvintes, não pela
qualidade, mas pelo número. Os escritores, em geral, sentem-se desvanecidos com
as gentilezas da multidão. Não importa se o simpatizante de suas obras é algum
êmulo de José do Telhado. Sabem apenas que a lista de seus leitores relaciona
mais um. Madame de Staël reunia admiradores para a sua inteligência. Ninon de
Lenclos arrebanhava adoradores para a sua beleza.
Minúsculos sóis revestidos de lama, quase todos os Espíritos encarnados exigem
satélites para a sua órbita. Quanto maior a côrte de pessoas, situações,
problemas e coisas, maior importância atribuem a si mesmos. No entanto, em
vista da exatidão da Contabilidade Divina, os conquistadores humanos
convertem-se, aos poucos, em escravos das próprias conquistas. Exigem as
grandes naus para singrarem o mar da vida, mas Deus, à medida que lhes satisfaz
os caprichos, decuplica-lhes as obrigações e tormentos. Alexandre Magno, rei da
Macedônia, submeteu a Grécia, venceu a Pérsia, conquistou o Egito, tomou
Babilônia e morreu, atacado de febre maligna, aos trinta e três anos,
dividindo-se-lhe o vasto império entre os generais de suas aventuras
sangrentas. Napoleão Bonaparte, após distribuir coroas na Europa, improvisando
príncipes e administradores, sob as volutas de incenso do poder, morre,
melancolicamente, em Santa Helena, como fera acuada num cárcere defendido pela
extensão do mar.
Nem todos passam no mundo, agraciados pelo favor das armas, como Alexandre e
Napoleão, todavia, copiando-lhes o impulso, quase todos os homens e mulheres da
Terra são teimosos conquistadores a se mergulharem, cada dia, nas pesadas e
angustiosas preocupações por novos troféus. Reclamam incessantemente mais
tesouros, garantias, facilidades, distrações e prazeres. As aquisições a que se
agarram, porém, efetuam-se no campo da morte. Intensificam a satisfação egoística
do corpo jovem, obtendo a velhice prematura. Amontoam dinheiro para serem
escravos de sua defesa.
Raríssimos Espíritos encarnados se recordam da conquista de si mesmos, na posse
gradual da virtude santificante e da sabedoria libertadora. E é por isso que,
terminada a lição carnal, penetram no pórtico do túmulo, como grandes
desesperados, lastimando a perda do instrumento físico.
É necessário libertarmo-nos, para que compreendamos a liberdade. E, sem luz no
coração, é impossível fugir ao jogo de sombra das conquistas exteriores. Não
preconizamos a impassibilidade que alguns budistas aconselham, a distância dos
ensinamentos reais do Gautama. Proclamamos a necessidade do trabalho das mãos
com a iluminação do entendimento.
A morte esperará todas as criaturas em seu campo de verdade. E ao influxo de
sua luz, devemos restituir ao mundo todos os patrimônios exteriores que
ajuntamos, em nossa mania de conquistar ao inverso, revelando o que amontoamos,
dentro de nós, para a verdadeira vida.
Terá bastante força a palavra dos mortos para despertar a consciência dos
vivos? Não acredito. Mas se Jesus, que é o Divino Senhor da Humanidade,
continua semeando a verdade e o bem, porque deixaríamos, nós outros, de semear?
O mundo de carne é vasta esfera, cheia de berços luminosos, onde a vida é
provável, e repleta de sepulturas sombrias, onde a morte é fatal.
Bias, o sublime cidadão de Priene, viveu para a bondade e para a sabedoria, no
serviço aos semelhantes. Filósofo eminente e sábio generoso, era o amigo de
todas as classes, e nunca se escravizara às posses efêmeras, nem conspurcara a
consciência ouvindo as sugestões do mal.
Quando os soldados de Ciro ameaçavam a cidade com invasão e ruínas, seus
compatriotas amealhavam, apressadamente, seus pequenos tesouros domésticos para
a retirada. Homens e mulheres, velhos e crianças, atropelavam-se uns aos
outros, tentando salvar, com êxito, as jóias e haveres, os perfumes e tapetes
custosos. Observando, porém, que o sábio se mantinha calmo e indiferente às
inquietações da hora, interpelaram-no quanto à carga que deveria conduzir, mas,
com espanto, ouviram-no informar :“Eu trago tudo comigo!”
Guardava o nobre cidadão seus patrimônios inalienáveis de bondade, retidão e
inteligência.
No supremo instante da morte, quando nos sitiam as armas invisíveis da
realidade, ai daqueles que não puderem repetir a inesquecível informação do
filósofo aos companheiros em desesperação!
A ignorância estabelece o cativeiro, mas a sabedoria oferece a liberdade.
Se as conquistas do homem restringem-se ao plano das aquisições externas, com o
desconhecimento do caráter transitório da existência humana, chegado o momento
decisivo em vão tentara carregar alfaias e adornos, vestuários e depósitos
terrestres, porque, em verdade, não ficará pedra sobre pedra.
Irmão X
Do Livro:
Lázaro Redivivo, psicografia de Francisco Cândido Xavier.