terça-feira, 31 de março de 2015


Convite da Luz
Neste momento em que a sombra desacata os que se esforçam na busca da claridade, ensejando-lhes pensamentos de desistência, de desânimo, em constante perseguição por fazer-lhes desistir, do ideal de esclarecimento e progresso à caminho da perfeição, vimos convidar os amigos de boa vontade, que laboram com os sinceros propósitos de renovação do nosso planeta, a começar por desenvolver em si mesmos os seguintes requisitos que muito lhes ajudarão a conseguir o tão desejado intento.


1) Dedicar-se com esmero e entusiasmo, ao primeiro de todos os passos que devemos observar que é o auto-conecimento, e a disposição de melhorar-se;

2) Aproveitar cada hora disponível para semear no campo do espírito a semente de fraternidade, bondade, amizade, em volta de seus passos;

3) Não deixar de fazer constantemente uma profunda meditação, sobre seus atos do dia anterior, buscando melhorá-los a cada novo amanhecer;

4) Lutar sem esmorecimento, no combate aos desafios de burilamento indispensável a quem quer crescer moral e espiritualmente;
5) Sentir-se sempre estimulado a impulsionar seus propósitos para as coisas do espírito, visando diminuir seus apegos aos bens da matéria perecível;

6) Buscar empreender sua parcela na posição de co-criador responsável pela ajuda no progresso de seu semelhante, pois para isso fomos criados;

7) Evitar escandalizar-se com os nefastos acontecimentos divulgados pela imprensa sensacionalista, procurando ver em tudo motivo para seu crescimento tirando dos fatos as lições de experiência, com que buscará se fortalecer e evitar cair também nas teias do mal.


Ao aceitar este convite dos amigos da Luz, enviados a todos nós nas inúmeras mensagens, contidas nos milhares livros de leitura sadia, que a doutrina espírita nos oferece, encontraremos, com absoluta certeza, a companhia e a ajuda dos prepostos do Mestre de Nazaré, nos incentivando a enfrentar com otimismo e esperança as rudezas da estrada evolutiva, candidatando-nos a encontrar a nossa paz interior, e a sermos por nossa vez, mensageiros confiáveis da mensagem sublime, trazida pelo do Consolador a tantos outros corações desiludidos, desesperançados, desanimados, perdidos nas ilusões do materialismo, de ambos os planos da vida, que pululam em volta de nós, e que de alguma forma estamos convocados a ajudar.

Que não nos falte em momento algum a sincera disposição de crescer em direção às sublimes paragens da espiritualidade Maior, pois esta é a destinação de todos nós, precisando apenas que procuremos envidar esforços na antecipação desse nosso estado de plenitude.
Francisco Rebouças

segunda-feira, 30 de março de 2015

PÁSCOA NA VISÃO ESPÍRITA


Páscoa é uma palavra hebraica que significa "libertação". Esta festa surgiu para comemorar a libertação do povo hebreu da escravidão do Egito, através de Moisés.
Assumida pelos cristãos (católicos), a Páscoa Cristã é para eles, a lembrança de que Deus liberta seu povo dos “pecados” (erros), através de Jesus Cristo, novo cordeiro pascal. A comemoração acontece na época em que se lembra a crucificação de Jesus. Começa, infelizmente, após o término do carnaval, onde muitos já transgrediram Seus ensinamentos e termina no domingo onde Ele ressurgiu dos "mortos" para mostrar que Ele continua vivo e aguardando que O sigamos.
“Cristo é a nossa Páscoa (libertação), pois Ele é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” - (João, 1:29). João usou o termo Cordeiro, porque usava-se na época de Moisés, sacrificar um cordeiro para agradar á Deus. Portanto, dá-se a idéia de que, Deus sacrificou Jesus para nos libertar dos pecados. Mas para nos libertarmos dos “pecados”, ou seja, dos nossos erros, das nossas falhas morais, devemos estar dispostos a contribuir, utilizando os ensinamentos do Cristo como nosso guia. Porque Jesus não morreu para nos salvar; Jesus viveu para nos mostrar o caminho da salvação. Esta palavra “salvação”, segundo Emmanuel, vale por “reparação”, “restauração”, “refazimento”. Portanto, “salvação” não é ganhar o reino dos céus; não é o encontro com o paraíso após a morte; salvação é "libertação" de compromisso; é regularização de débitos. Como diz a bandeira do Espiritismo: "Fora da Caridade não há Salvação". Então, fora da prática do amor (caridade) de uns pelos outros, não estaremos salvos, livres das complicações criados por nós mesmos, através de brigas, violência, exploração, desequilíbrios, frustrações e muitos outros problemas que fazem a nossa infelicidade. Portanto, aproveitemos mais esta data, para revermos os pedidos do Cristo, para "renovarmos" nossas atitudes.
Como disse Celso Martins, no livro "Em busca do homem novo", baseando-se nas palavras de Paulo de Tarso, em 4 ef. vs. 22/23 : "Que surja o homem novo a partir do homem velho. Que do homem velho, coberto de egoísmo, de orgulho, de vaidade, de preconceito, ou seja, coberto de ignorância e inobservância com relação às leis morais, possa surgir, para ventura de todos nós, o homem novo, gerado sob o influxo revitalizante das palavras e dos exemplos de Jesus Cristo, o grande esquecido por muitos de nós, que se agitam na sociedade tecnológica, na atual civilização dita e havida como cristã. Que este homem novo seja um soldado da paz neste mundo em guerras. Um lavrador do bem neste planeta de indiferença e insensibilidade. Um paladino da justiça neste orbe de injustiças sociais e de tiranias econômicas, políticas e/ou militares. Um defensor da verdade num plano onde imperam a mentira e o preconceito tantas vezes em conluios sinistros com as superstições, as crendices e o fanatismo irracional. Que este homem novo, anseio de todos nós, seja um operário da caridade, como entendia Jesus: benevolência para com todos, perdão das ofensas, indulgência para com as imperfeições alheias."
Por isso, nós Espíritas, podemos dizer que, comemoramos a páscoa todos os dias. A busca desta “libertação” e/ou "renovação" é diário, e não somente no dia e mês pré determinado. Queremos nos livrar deste homem velho. Mas respeitamos a cultura e os costumes dos povos em geral, que ainda necessita de rituais. Que ainda dá maior importância para o coelhinho, o chocolate, o bacalhau, etc., do que renovar-se. Que acha desrespeito comer carne vermelha no dia em que o Cristo é lembrado na cruz. Sem se dar conta que o desrespeito está em esquecer-se Dele, nos outros 364 dias do ano, quando odiamos, não perdoamos, lesamos o corpo físico com bebidas alcoólicas, cigarro, comidas em excesso, drogas, sexo desregrado, enganamos o próximo, maltratamos os animais, a natureza, quando abortamos, etc. Aliás, fazemos na páscoa o que fazemos no Natal. Duas datas para reflexão e início de renovação nas atitudes. Mas que confundimos, infelizmente, com presentes, festas, comidas, etc.
Portanto, quando uma instituição espírita se propõe a distribuir ovos de páscoa aos carentes não significa que esteja comemorando esse dia, apenas está cumprindo o preceito de caridade, distribuindo um pouco de alegria aos necessitados. Aproveitando a ocasião para esclarecer o pensamento da Doutrina sobre a data.
 
 

Compilação feita por Rudymara do Grupo de Estudo Allan Kardec





domingo, 29 de março de 2015


Carta aos Inconformados
Um dos flagelos do mundo,
Em toda a atualidade,
É a ignorância dos homens,
No sentido da humildade.

Deu Jesus a cada qual
O bem de uma posição,
Mas, já ninguém se conforma
Com a sua própria expressão.

Todos querem o esplendor,
De um plano sempre melhor,
Mas, se esquecem seu dever,
Como alcançar um maior?...

Figuremos numa escada
A santa imagem da vida,
Cada qual tem seu degrau
Na luminosa subida.

No tempo amargo que passa,
Todo o mal do caminheiro
É conduzir com cuidado
O orgulho por companheiro.

Guiado pela injustiça,
Ouvindo a voz da ambição
O homem é o homem-lobo
Devorando o próprio irmão.

Pedia-se a Deus, outrora
O pão puro, sem labéu;
Mas o "pão nosso" de agora
É todo um arranha-céu.

Há tanto egoísmo nalma
De quem vive hoje na terra,
Que a mania das grandezas
Açula o monstro da guerra.

Os homens inconformados
São garras desse dragão,
Que espalha pelo caminho
Horror e desolação.

Essa ausência de humildade,
Com as suas inquietações,
Vai ensombrando o caminho
Dos povos e das nações.

O egoísmo gera o medo.
O medo elege o mais forte.
A força humilha o direito,
Conduzindo o mundo à morte.

Doravante, meu amigo,
Faze um novo compromisso,
Vive em tua posição,
Não farás melhor serviço.

Se teu irmão tem fortuna,
Poderes e autoridade,
Sua prova é mais difícil,
Ante o Senhor da Verdade.

Vês assim, porque Jesus
Em seus conceitos benditos,
Julgou bem-aventurados
Os humildes e os aflitos.
Casimiro Cunha
Do livro: Cartas do Evangelho, Médium: Francisco Cândido Xavier

sábado, 28 de março de 2015



Amor e Desejo

Quem ama, quer, quem quer, deseja. O amor desinteressado é uma lenda piedosa. O interesse nasce da essência do ser.

A sua projeção no plano existencial é determinada pelo interesse da comunicação. Esse interesse básico permanece e o domina em toda a sua existência. Comunicação é relação e nesta surgem os atrativos das coisas, das situações e dos seres. Os atrativos formais, situacionais, psicológicos e culturais provocam e estimulam o interesse recíproco entre os pares. O interesse inicial desencadeia a sequência de interesses que os levará ao despertar do amor, da querência e do desejo. Querer é desejar sem apego, no plano superficial das necessidades imediatistas. Desejar é querer com anseio, sob a ação dos instintos, das forças inconscientes do existente, o ser entregue às exigências vitais do condicionamento humano. Dessas especificações decorrem os vários tipos do amor, desde o instintivo animalesco até o espiritual e sublime, que empenha no amor a totalidade do ser. A paixão é o delírio do ser premido pela ação múltipla e confusa de todos esses vetores em explosão psico-biológico.


Definir essas várias manifestações do amor é uma necessidade da disciplinação do comportamento e da conduta. O comportamento disciplinado racionaliza a conduta e previne os enganos fatais do amor, evitando o delírio da paixão sem asfixiar ou atenuar as expansões naturais do amor. A pesquisa sobre o amor não pretende aniquilá-lo nem conformá-lo a modelos e padrões, mas apenas tornar os amantes conscientes, pelo conhecimento do terreno em que pisam, das ilusões e excessos a que podem ser arrastados. Em todas as situações existenciais o conhecimento da realidade é indispensável ao êxito. As correntes da energia amorosa participam ao mesmo tempo das aspirações espirituais e dos impulsos vitais. Só o conhecimento racional dessa condição do amor pode nos dar o domínio do espírito sobre ele através da razão, que é o espírito em atividade na existência. Não há força de vontade que possa dominar o amor, pois o amor joga com a vontade desde a sua manifestação inicial, sem dar tempo à reflexão, que é logo posta a serviço e em função do interesse do amor.


Todas as divagações sobre o amor nascem do seu fluxo já desencadeado e servem apenas para estimulá-lo. A experiência do amor não informa sobre ele, pois é feita de desejos e frustrações com resultados traumáticos. Por isso os homens maduros e até mesmo os envelhecidos se comportam no amor com a afoiteza e a inexperiência dos jovens. O ridículo dos amores maduros decorre dessa situação etária desconexa. Não há conexão entre as exigências do amor e as da idade madura ou senil no comportamento social. Essa falta de conexão exaspera os amantes extemporâneos, tirando-lhes a possibilidade de agir com moderação e prudência. Simone de Beauvoir protesta, em seu livro sobre a velhice, contra a negação social aos velhos do direito de amar. Um protesto inócuo, pois o problema decorre de uma defasagem etária em que as condições naturais do processo existencial são violadas pelos amantes, o que determina o desajuste indisfarçável da sua posição social. Os velhos não perdem o direito de amar, pois a lei do amor é eterna e insubmissa às ordenações temporais. Mas as próprias condições biológicas da velhice mostram que esse direito deve ser exercido num sentido mais amplo e espiritual. O desgaste das energias físicas anuncia o fim do ciclo existencial e a libertação do espírito para dimensões mais amplas da realidade. É nesse momento que toda a experiência existencial dos velhos fracassa ante o instinto de conservação e o fluxo poderoso das energias da afetividade. Quando os velhos resistem ao desgaste físico e mantêm a juventude do espírito – pois esse não envelhece, deixando-se apenas influenciar pela velhice do corpo – a ilusão de uma condição vital ainda equilibrada pode levá-los a tentar aventuras amorosas de consequências perigosas. A pesquisa sobre o amor revela que a própria virilidade física pode manter-se até a mais alta idade, tanto no homem como na mulher. Mas demonstra também que as condições favoráveis da velhice conservada não passam, em geral, de um curto período existencial, e mesmo quando se prolonga mais do que se pode esperar, é sempre seguido de consequências que embaraçam ou perturbam as relações do casal em desnível crescente, criando-lhes problemas insolúveis.


Ao amor da velhice é oferecida a opção da família, das novas gerações que brotaram do tronco agora envelhecido, mas ainda firme e ereto, com suas raízes agarradas ao chão e seus ramos abertos ao céu. Vargas Villa, já nas proximidades dos sessenta anos, revisando Ibis, livro da juventude, para uma reedição na Itália, deixou-nos um testemunho impressionante do envelhecimento consciente e carregado de belezas e emoções insuspeitadas:


“Como habrá quien puede llegar a estas alturas de la vida, em que de pié, sobre la cimbre de la edad, divisamos a nuestros piés las llanuras de la Vejez y enpezamos a descender a ellas com uma fronte gravida de pensamientos y nun ritmo suave, como de subito nos hubiesen nascido unas alas muy tenues, echas para volar em el crepusculo? El Sol, violador de todas las tiniebras, no tiene ya, em la casta quietud de esse horizonte, nada que violar.”


Não se trata de uma conformação forçada, mas de um amortecer natural das trepidações da existência, na fase de chegada ao destino, quando o navio diminui a contagem dos nós à vista da terra próxima, ou quando o avião abranda a fúria das hélices para ensaiar o pouso tranquilo e seguro na pista certa e precisa do aeroporto. Todas as batalhas foram vencidas, para aquele que soube lutar com plena consciência dos seus objetivos. Por isso o espírito se quieta no corpo envelhecido e o homem sorri com leve ironia, toda de auto piedade, lembrando as refregas ardorosas em que se atirara coroado de louros que murcharam na esteira do tempo. Se soube aprender as lições existenciais, seu coração se abre para os filhos e netos, cercado de carinho e respeito. É então que as aves se acolhem aos ramos das suas experiências, como no soneto de Bilac. Trocar essa serenidade em que o passado ecoa surdamente, à maneira do marulhar das ondas numa concha vazia, pelas inquietações de uma reconstrução impossível é expor-se desavisado aos fracassos e ao ridículo. Knut Hamsum adverte: “Um vagabundo toca em surdina, quando chega aos cinquenta anos.”


O envelhecer é o anoitecer existencial. Ao cair do crepúsculo, aqueles que envelhecem normalmente sentem as asas tênues de Vargas Villa, o impetuoso escritor colombiano que empolgou a Europa de fins do século passado com seu estilo vibrante e nervoso, retumbante como o do Corão. Se houve alguém que devia ter dificuldades para envelhecer, foi sem dúvida Vargas Villa.

Mas podemos ver, no pequeno trecho que dele transcrevemos, em sua própria língua, tão apropriada a ele, como essa inteligência vulcânica soube compreender a beleza da hora crepuscular. Era um solitário que amava o mundo e a vida expansiva, numa intimidade telúrica e vivencial que só ele conseguia manter. Falava de seu amor em estilo pirotécnico, mas o cultivava às escondidas, num “tête-à-tête” ciumento. Esse intimismo o preparou para tocar em surdina, obedecendo ao ritmo da vida.


Na proporção em que o organismo físico decai, diminuindo a intensidade dos impulsos, a existência se torna cinzenta. Mas, ao mesmo tempo, o colorido do poente anuncia um novo alvorecer. E quando as trevas envolvem a paisagem, as estrelas assaltam o céu numa revoada de mundos insuspeitados. É a hora em que o ser descobre a sua ligação secreta com o Cosmos, a sua união profunda com o Todo. O espírito se desliga lentamente dos particularismos do planeta para vislumbrar a imensidade que o espera, a eternidade dinâmica que o atrai. As asas tênues do crepúsculo convertem-se em asas estelares das almas viajoras de Plotino. Insistir no apego à vida terrena, ao plano existencial, é lutar contra a realidade universal inelutável. Não são apenas os velhos que morrem, mas na velhice a morte é o prêmio da vida, pois esta se desdobra em novas e surpreendentes perspectivas nos ritmos do envelhecer. A maior e a mais brilhante dessas perspectivas é a do amor, que se amplia em todas as direções e eleva-se nas hipóstases do Inefável, onde as mãos de Beatriz nos mostram as revoadas dantescas de asas angélicas. Repudiar essa oferta divina para tentar readaptações mesquinhas e inviáveis no mundo dos homens é negar-se a si mesmo. O ser que se entrega confiante a esse arrebatamento não teme envelhecer. Descobre por si mesmo a harmonia perfeita dos ritmos da vida, na sucessão gradual das fases existenciais, em que a velocidade interior dos impulsos vitais acompanha a invariabilidade dos ritmos exteriores, numa conjugação inexplicável, determinada por um esquema sutil de leis desconhecidas. Arrebatado pela morte, que assusta e horroriza os jovens, o espírito amadurecido na experiência existencial descobre a si mesmo e entra na posse da herança que o esperava segundo o ensino do Apóstolo Paulo.

Não encontra o Céu das lições religiosas, nem o paraíso terreno dos árabes com suas urís e seus profetas, mas a realidade essencial das coisas e dos seres, em que se identifica com a sua própria realidade.


Os que não venceram na projeção existencial, identificando-se com as etapas da existência, apegando-se às formas perecíveis da rotina vivencial, sem descobrir o sentido da descoberta filosófica de que a existência é subjetividade pura, permanecem prisioneiros de si mesmos, amarrados a ídeo-cristalizações do passado, apegados às hipóstases terrenas e às aparências de uma velhice estacionária e por isso mesmo irreal, que só neles existe.


Os velhos são geralmente acusados de retrocesso ao egocentrismo infantil. Engolfam-se em suas recordações e só amam a si mesmos. A velhice não deforma o espírito, apenas o liberta. O egoísta se engolfa no egoísmo que cultivou na existência. O espírito aberto e generoso continua a ser o que era. Mas o desencanto do mundo e da vida, a superação das ilusões tornam geralmente os velhos mais introspectivos, desligados de uma realidade exterior que para eles não tem mais nenhum segredo. Mas o amor permanece em seus corações como a chama solitária do Templo de Vesta, sempre alimentada pelas vestais das lembranças e das experiências adquiridas. A chama tranquila, acesa na penumbra do templo, não tem os lampejos de outrora, mas não se apaga. É o fogo de coivara das queimadas sertanejas, que dorme nas brasas entre as cinzas e pode reavivar ao sopro dos ventos. Basta o desencadear de acontecimentos inesperados, com lufadas que atinjam a sua sensibilidade, para que o amor dos velhos se erga novamente em labaredas de abnegação e sacrifício.

É o que se vê nos grandes momentos históricos e até mesmo no âmbito de instituições privadas, quando velhos lutadores retornam à liça para defender os seus antigos ideais.Nas lutas da última conflagração mundial, quando a loucura nazi-facista empolgou multidões alucinadas, vimos os velhos lutadores do passado, encastelados em suas posições definitivas ou até mesmo em seu repouso, levantarem-se como barreiras ante a ameaça dos bárbaros. Churchill voltou, com seu charuto à boca, a erguer o V da vitória aparentemente impossível sobre as ruínas de Londres.

Roosevelt deixou as comodidades de Washington para agir como um jovem guerreiro em defesa dos ideais democráticos. Stalin saiu de sua toca de urso para deter nas estepes geladas o avanço das tropas nazistas. Mas um velho egoísta não titubeou, após a morte de Roosevelt, em ordenar o genocídio atômico de Nagazaki e Hiroshima, porque em seu coração o amor pela humanidade jamais conseguira lampejar. Na França, Petain, o velho herói do Marne, aturdido com o esmagamento impiedoso da pátria, expôs-se à vergonha de Vichy para poupar, à custa de sua própria desonra, a população indefesa.


Esses exemplos históricos, e tantos outros que se perderam no anonimato das terras martirizadas, dos povos esmagados pela catástrofe, mostram que no coração dos velhos a chama do amor continua acesa enquanto as condições físicas do cérebro permitirem a atividade espiritual da mente.


Naqueles em que o amor se elevou aos planos do altruísmo, os desejos individuais, dirigidos pelas forças genéticas, apagam-se para dar mais brilho aos anseios de sublimação. Os prazeres sensoriais perdem o seu encanto e são substituídos pelas aspirações do futuro, entrevistas na paranormalidade das percepções extra-sensoriais. O ser do corpo emudece ante o contínuo e secreto murmurar do ser espiritual. É graças a isso que a aparência juvenil de certos velhos não corresponde à realidade de sua inevitável decadência orgânica. A chama do amor sustenta o corpo envelhecido.

Herculano Pires


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sexta-feira, 27 de março de 2015


Correspondências

Cultive brevidade e precisão, em seu noticiário, sem cair na secura.

Uma carta é um retrato espiritual de quem a escreve.

Cuidaremos de escrita bem traçada, porquanto não nos será lícito transformar os amigos em decifradores de hieróglifos.

Não escrever cartas em momentos de crise ou de excitação.

Sempre que possível, as nossas notícias devem ser mensageiras de paz e otimismo, esperança e alegria.

Escreva construindo.

Uma carta que saia de seu punho é você conversando.

Qualquer assunto pode ser tratado com altura e benevolência.

Quando você não possa grafar boas referências, em relação à determinada pessoa, vale mais silenciar quanto a ela.

Somos responsáveis pelas imagens que criamos na mente dos outros, não apenas através do que falarmos, mas igualmente através de tudo aquilo que escrevermos.

André Luiz

 

quinta-feira, 26 de março de 2015


A Ponte de Luz

Terminara Jesus a prédica no monte.
Nisso, o apóstolo Pedro aproxima-se
E diz-lhe: "Senhor, existe alguma ponte
Que nos conduza ao Alto, ao Céu que brilha muito acima?
Conforme ouvi de tua própria voz,
Sei que o Reino do Amor está dentro de nós...
Mas deve haver, no Além, o País da Beleza,
Mais sublime que o Sol, em fulgor e grandeza...
Onde essa ligação, Senhor, esse divino acesso?

Jesus silenciou, como entrando em recesso
Da palavra de luz que lhe fluía a jorro...
Circunvagou o olhar pelas pedras do morro
E, depois de comprida reflexão,
Falou ao companheiro: - "Ouve, Simão,
Em verdade, essa ponte que imaginas
Existe para a Vida Soberana,
Mas temos de atingi-la por estrada
Que não é bem a antiga estrada humana."

- "Como será, Senhor, esse caminho?"
Tornou Simão a perguntar.
E Jesus respondeu sem hesitar:
- "Coração que a escolha, às vezes, vai sozinho,
E quase que não tem
Senão renúncia e dor, solidão e amargura...
E conquanto pratique e viva a lei do bem,
Sofre o assédio do mal que o vergasta e procura
Reduzi-lo à penúria e ao desfalecimento.
Quem busca nesta vida transitória,
Essa ponte de luz para a eterna vitória
Conhecerá, de perto, o sofrimento
E há de saber amar aos próprios inimigos,
Não contará percalços nem perigos
Para servir aos semelhantes,
Viverá para o bem a todos os instantes
E mesmo quando o mal pareça o vencedor,
Confiando-se a Deus, doará mais amor...
E ainda que a morte, Pedro, se lhe imponha,
Na injustiça ferindo-lhe a vergonha,
Aceitará pedradas sem ferir,
Desculpará injúria e humilhação
Se deseja elevar o coração
À ponte para o Reino do Porvir..."

Alguns dias depois, o Cristo flagelado,
Entregue à própria sorte
Encontrava na cruz o impacto da morte,
Silencioso, sozinho, desprezado...

Terminada que foi a gritaria
Da multidão feroz naquele dia,
Ante o Céu anunciando aguaceiro violento,
Pedro foi ao Calvário, aflito e atento,
Envergando disfarce...
Queria ver o Mestre, aproximou-se
Para sentir-lhe o extremo desconforto...

Simão chorou ao ver o Amigo morto.

E ao fitá-lo, magoado, longamente
Ele ouviu, de repente,
Uma voz a falar-lhe das Alturas:
- "Pedro, segue, não temas, crê somente!...
Recorda os pensamentos teus e meus...
Esta cruz que me arrasa e me flagela
É a ponte que sonhavas, alta e bela,
Para o Reino de Deus."

Maria Dolores

Do livro: A Vida Conta, psicografia Francisco Cândido Xavier

quarta-feira, 25 de março de 2015


A Queda

Não esperavas, mas caíste.
Caíste e sofres, porquanto te supunhas inatingível...
Agradece, contudo, a queda que te faz abrir os olhos para a realidade da vida.
Não desperdices energias, lamentando...
Agora, vês tudo por um prisma diferente.
Reformulaste antigos conceitos.
Entesouraste a compreensão, principalmente no que se refere às fraquezas alheias.
Adquiriste uma parcela maior de humildade.
Estás mais sensível às necessidades do próximo.
Reconheces, afinal, o valor do perdão.
Permitir a tua queda, foi o recurso que a Divina Providência encontrou a fim de disciplinar-te o coração em prazo mais curto, para que não viesse a te suceder coisa pior.

Irmão José

terça-feira, 24 de março de 2015


Ao Amanhecer

Dia novo, oportunidade renovada.

Cada amanhecer representa divina concessão, que não podes nem deves desconsiderar.

Mantém, portanto atitude positiva em relação aos acontecimentos que devem ser enfrentados; otimismo diante das ocorrências que surgirão coragem nos confrontos das lutas naturais; recomeço de tarefa interrompida; ocasião de realizar o programa planejado.

Cada amanhecer é convite sereno à conquista de valores que parecem inalcançáveis.

À medida que o dia avança, aproveita os minutos, sem pressa nem postergação do dever.

Não te aflijas ante o volume de coisas e problemas que tens pela frente.

Dirige cada ação à finalidade específica.

Após concluir um serviço, inicia outro e, sem mágoa dos acontecimentos desagradáveis, volve à liça com disposição, avançando passo a passo até o momento de conclusão dos deveres planejados.

 Não tragas do dia precedente o resumo das desditas e dos aborrecimentos.
Amanhecendo, começa o teu dia com alegria renovada e sem passado negativo, enriquecido pelas experiências que te constituirão recurso valioso para a vitória que buscas.

Joanna de Ângelis

segunda-feira, 23 de março de 2015


Religiões Irmanadas
Comentávamos a conveniência de se irmanarem as religiões, em favor da concórdia no mundo, quando meu amigo Tertuliano da Cunha, desencarnado no Pará, falou entre brejeiro e sentencioso:


- Gente, é necessário pensar nisso com precaução. Idéia religiosa é degrau da verdade e o discernimento varia de cabeça para cabeça. Exaltam vocês a excelência de larga iniciativa, em que os múltiplos templos sejam convocados à integração num plano único de atividade; entretanto, não será muito cedo para semelhante cometimento?


Porque a pergunta vagueasse no ar, o experiente sertanista piscou os olhos, sorriu malicioso e aduziu:


- Isso me faz lembrar curiosa fábula que me foi relatada por velho índio, numa de minhas excursões no Xingu.

E contou:


- Reza uma lenda amazônica que, certa feita, a onça, muito bem posta, surgiu na selva, imensamente transformada. Ela, que estimava a astúcia e a violência, nas correrias contra animais indefesos, escondia as garras tintas de sangue e dizia acalentar o propósito de reunir todos os bichos no caminho da paz. Declarava haver entendido, enfim, que Deus é o Pai de todas as criaturas e que seria aconselhável que todas o adorassem num só verbo de amor. Confessava os próprios erros. Reconhecia haver abusado da inteligência e da força. Despertara o terror e a desconfiança de todos os companheiros, quando era seu justo desejo granjear lhes a simpatia e a veneração. Convertera-se, porém, a princípios mais elevados. Queria reverenciar o Supremo Senhor, que acendera o Sol, distribuíra a água e criara o arvoredo, animada de intenções diferentes. Para isso, convidava os irmãos à unidade. Poderiam, agora, viver todos em perpétua harmonia, porquanto, arrependida dos crimes que cometera, aspirava somente a prestigiar a fé única. Renunciaria ao programa de guerra e dominação. Não - mais perseguiria ou injuriaria a quem quer que fosse. Pretendia simplesmente estabelecer na floresta uma nova ordem, que a todos levasse a se prosternarem perante Deus, honrando a fraternidade. Solenizando o acontecimento, congraçar-se-ia a família do labirinto verde em grande furna, para manifestações de louvor à Providência Divina. Macacos e cervos, lebres e pacas, tucanos e garças, patos e rãs, que oravam, em liberdade, a seu modo, escutaram o nobre apelo, mas duvidaram da sinceridade de tão alto discurso. Todavia, apareceram serpentes e raposas, aranhas e abutres, amigos incondicionais do ardiloso felídeo, aderindo-lhe ao brilhante projeto. E tamanhos foram os argumentos, que a bicharada mais humilde se comoveu, assentando, por fim, que era justo aceitar-se a proposta feita em nome do Pai Altíssimo. Marcado o dia para a importante assembléia, todos se dirigiram para a loca escolhida, repentinamente transfigurada em santuário de flores. Quando a cerimônia ia a meio caminho, com as raposas servindo de locutoras para entreter os ouvintes, as serpentes deitaram silvos estranhos sobre os crentes pacatos, as aranhas teceram escura teia nos orifícios do antro, embaçando o ambiente, os abutres entupiram a porta de saída, e a onça, cruel, avançou sobre as presas desprevenidas, transformando a reunião em pavoroso repasto... E os bichos que sobraram foram escravizados na sombra, para banquete oportuno...

Nosso amigo fez longa pausa e ajuntou:


- A união de todos os credos é meta divina para o divino futuro, mas, por enquanto, a Terra ainda está fascinada pelo critério da maioria. Como vemos, é possível trabalhar pela conciliação dos religiosos de todas as procedências; no entanto, segundo anotamos, será preciso enfrentar a onça e os amigos da onça... Onde o melhor caminho para a melhor solução?...

Sorrimos todos, desapontados, mas não houve quem quisesse continuar o exame do assunto, após a palavra do engraçado e judicioso comentarista.
Irmão X

domingo, 22 de março de 2015


Dois Pensamentos

Sofre e abençoa, chora mas porfia
Aprendendo as lições de cada dia...

A existência na Terra é a subida escarpada
E o dever nos recorda o símbolo da cruz;
Segue e agradece a Deus a aspereza da estrada
Que te eleva da sombra à exaltação da luz!...

Maria Dolores

Do livro: A Vida Conta, Médium: Francisco Cândido Xavier

sábado, 21 de março de 2015



A Escola das Almas

Congregados, em torno do Cristo, os domésticos de Simão ouviram a voz suave e persuasiva do Mestre, comentando os sagrados textos.


Quando a palavra divina terminou a formosa preleção, a sogra de Pedro indagou, inquieta: — Senhor, afinal de contas, que vem a ser a nossa vida no lar? Contemplou-a Ele, significativamente, demonstrando a expectativa de mais amplos esclarecimentos, e a matrona acrescentou: — Iniciamos a tarefa entre flores para encontrarmos depois pesada colheita de espinhos.


No começo é a promessa de paz e compreensão; entretanto, logo após, surgem pedras e dissabores...


Reparando que a senhora galiléia se sensibilizara até às lágrimas, deu-se pressa Jesus em responder: — O lar é a escola das almas, o templo onde a sabedoria divina nos habilita, pouco a pouco, ao grande entendimento da Humanidade.

E, sorrindo, perguntou: — Que fazes inicialmente à lentilha, antes de servi-las à refeição? A interpelada respondeu, titubeante: — Naturalmente, Senhor, cabe-me levá-las ao fogo para que se façam suficientemente cozidas.
Depois, devo temperá-las, tornando-as agradáveis ao sabor.


— Pretenderias, também, porventura, servir pão cru à mesa? — De modo algum — tornou a velha humilde —; antes de entregá-lo ao consumo caseiro, compete-me guardá-lo ao calor do forno.

Sem essa medida...


O Divino Amigo então considerou: — Há também um banquete festivo, na vida celestial, onde nossos sentimentos devem servir à glória do Pai.
O lar, na maioria das vezes, é o cadinho santo ou o forno preparador.
O que nos parece aflição ou sofrimento dentro dele é recurso espiritual.


O coração acordado para a Vontade do Senhor retira as mais luminosas bênçãos de suas lutas renovadoras, porque, somente aí, de encontro uns com os outros, examinando aspirações e tendências que não são nossas, observando defeitos alheios e suportando-os, aprendemos a desfazer as próprias imperfeições.


Nunca notou a rapidez da existência de um homem? A vida carnal é idêntica à flor da erva.


Pela manhã emite perfume, à noite, desaparece...


O lar é um curso ligeiro para a fraternidade que desfrutaremos na vida eterna.


Sofrimentos e conflitos naturais, em seu círculo, são lições.

A sogra de Simão escutou, atenciosa, e ponderou: — Senhor, há criaturas, porém, que lutam e sofrem; no entanto, jamais aprendem.



O Cristo pousou na interlocultora os olhos muito lúcidos e tornou a indagar: — Que fazes das lentilhas endurecidas que não cedem à ação do fogo? — Ah! sem dúvida, atiro-as ao monturo, porque feririam a boca do comensal descuidado e confiante.



— Ocorre o mesmo — terminou o Mestre — com a alma rebelde às sugestões edificantes do lar.



A luta comum mantém a fervura benéfica; todavia, quando chega a morte, a grande selecionadora do alimento espiritual para os celeiros de Nosso Pai, os corações que não cederam ao calor santificante, mantendo-se na mesma dureza, dentro da qual foram conduzidos ao forno bendito da carne, serão lançados fora, a fim de permanecerem, por tempo indeterminado, na condição de adubo, entre os detritos da Natureza.

Neio Lúcio

Do livro: Jesus no Lar, psicografia de Francisco Cândido Xavier.

sexta-feira, 20 de março de 2015


Na Luta Contra a Morte

Anos a fio gastou Pasteur na preparação da vacina contra a raiva. O grande sábio observava camponeses e citadinos vitimados pela hidrofobia e, aliando à perseverança o trabalho, venceu o flagelo, convertendo-se em benfeitor da Humanidade. Édison lutou contra a velha iluminação a gás, a fim de expulsar efetivamente as sombras noturnas. Suou, esforçou-se, sofreu decepções e desenganos; muita vez conheceu a iminência do soçobro de seus ideais. Contudo, terminou a batalha, conquistando a lâmpada incandescente, que transformou as cidades terrestres em paraísos de luz.

A história das grandes missões de benemerência no mundo está repleta de sofrimentos e desilusões. Não raro, torturam-se os missionários, quando não se pode consumi-los pelo fogo. Onde, porém, a conquista evolutiva se torna mais difícil e dolorosa é justamente no setor da renovação íntima, espiritual. A vaidade humana fez da religião um terreno proibido, onde toda expressão progressista se efetua ao preço de dobradas angústias. A Ciência e a Filosofia, sem dúvida, possuem os seus mártires. No entanto, em suas escolas há sempre lugar para os trabalhos de aperfeiçoamento e renovação. Seus benfeitores, na maioria das vezes, são objeto de críticas acerbas que não passam, quase sempre, de ironias verbais ou do ostracismo na classe a que pertencem, mas, no campo religioso, os movimentos de perseguição caracterizam-se por condenável insânia.

Não fosse o aprimoramento judiciário do mundo, não tivéssemos a sociologia inspirando tribunais e juízes, na vanguarda do direito, e talvez prosseguisse a matança religiosa, decorrente dos processos inquisitoriais. Basta que o estudante da verdade aviste pequenino detalhe do mapa da vida eterna para que milhares de sacerdotes e autoridades supostas infalíveis se convertam nos instrumentos de maldição.

É preciso muita coragem moral para não sucumbir aos golpes da guerra sistemática, movida na sombra.


Para não nos referirmos, fastidiosamente, aos mártires inúmeros da fé, que tombaram nas perseguições de todas as épocas, recordemo-nos tão só de Giordano Bruno. O eminente filósofo italiano, que convivera com o pensamento de Pitágoras e Plotino, desde a meninice, assombrando os clérigos do convento de dominicanos, a que se recolhera na preparação do seu ministério de renovação religiosa, desprezou as resoluções dos concílios, cristalizadas em dogmas aviltantes, para ensinar o caminho da nova era. Através de salões e universidades, tribunas e praças públicas, afirma Bruno que o Universo é ilimitado, que a Terra não é o centro da vida, mas humilde dependência no concerto glorioso dos mundos que rolam, inumeráveis, no plano universal. Esclarece que o Sol não é um corpo errante, entre as nuvens, com a simples função de aclarar a superfície planetária e sim a gigantesca sede de globos diversos, que lhe recebem o poderoso influxo renovador. Explica que a vida é infinita e se encarna, através de infinitas formas, em todos os lugares. Exalta a grandeza da existência posta ao serviço do bem e da verdade, glorificando, em tudo, a universalidade divina. Mas os sacerdotes da convenção estabelecida não toleram o herói e, no dia 17 de fevereiro de 1600, seu corpo foi reduzido a cinzas, em Roma, numa fogueira acesa pelo sectarismo intransigente. Assegura um de seus historiadores que as chamas que lhe destruíram o corpo foram os primeiros sinais da aurora dos tempos modernos.


Não nos referimos, porém, a isso, como quem pretende encetar novos movimentos de discussão. Para dificultar o acesso das almas à Fonte da Revelação Divina, bastam as polêmicas insidiosas dos homens, despreocupados da responsabilidade que assumem pelo que dizem.

Apenas reafirmamos, do plano espiritual, a nossa plataforma de serviço, na luta contra a morte.


Nos mais remotos recantos do globo surgem raios divinos da luz imortal, dentro da espessa noite da ignorância, destruindo as antigas muralhas de incompreensão que sitiam a inteligência das criaturas. O sacerdócio organizado, porém, não nos tolera as manifestações tendentes a efetuar a renovação religiosa do mundo. E porque não nos pode subtrair agora à liberdade que respiramos noutras dimensões, institui a represália fria e silenciosa contra os nossos companheiros mais corajosos que ainda envergam a túnica de carne nas atividades terrenas. O Santo Ofício desapareceu, mas ficaram a ironia e o ridículo, a animosidade gratuita e a guerra sem declaração.


Apesar de tudo isso, porém, continuaremos em nossa obra de liberação da mente humana.

Nossos adversários do sectarismo religioso recordam o nome do Cristo, amparando-se nele para sustentar as posições políticas e sociais que retêm, a pretexto de manter o prestígio da religião. Suscitam escândalos, reclamam repressões, mobilizam contra nós os órgãos do poder temporal. Como, porém, instituir oposição ao realismo da vida eterna, se a verdade é o terreno legal do Universo? Em nome de Jesus, recorrem à injúria e à condenação, mas se esquecem de que o Mestre, além das lições da Manjedoura, do Templo, do Tabor, do Getsemani e do Gólgota, deixou-nos também o ensinamento do Túmulo Vazio.

Que eles, os sacerdotes cristalizados nas afirmativas dogmáticas, prossigam em seu ministério de condutores; colherão sempre o bem toda vez que atenderem ao serviço da iluminação coletiva, em obediência aos deveres que lhes competem. Quanto a nós, os desencarnados, continuaremos a campanha do Túmulo Vazio. Que eles procurem, de fato, honrar a vida, porque nós, desprezando todos os obstáculos, venceremos na gigantesca luta contra a morte!

Irmão X

Do livro: Lázaro Redivivo, psicografia de Francisco Cândido Xavier.

quinta-feira, 19 de março de 2015


Amor sem Possessão

O desapego é uma constante nas lições dos grandes mestres espirituais. E mesmo na vida terrena as pessoas sensatas e experientes compreendem os perigos do apego amoroso. Todas as escolas de Psicologia denunciam esses perigos e, desde os gregos até nós, os filósofos ensinam que a felicidade depende da nossa capacidade de libertar-nos do apego às coisas e aos seres. O ciúme é sintoma de apego e leva a desequilíbrios perigosos, podendo gerar doenças graves e acarretar crimes nefandos.


Lemos sempre nos jornais a expressão: “Matou par amor”. Mas a verdade é que o amor não mata, pois o amor é vida e não morte. O que mata é o ciúme, o apego amoroso, gerado por sentimentos inferiores de posse exclusivista da pessoa amada. Esses sentimentos são resquícios animais da espécie que racionalmente devemos expulsar de nós, ao invés de.racionalmente aumentá-los, como em geral fazemos. Nossa imaginação pode levar os instintos animais a intensidades ameaçadoras, o que jamais ocorre nas espécies animais. Temos de aprender a amar sem apego.


Quando Cornélio escreve que “o amor na totalidade é a natureza de Deus”, lembra-nos a afirmação de João, em seu Evangelho: “Deus é amor”. E Cornélio tira deste princípio a explicação do antigo mistério da presença de Deus em nós, afirmando: “O amor é Deus em nós todos, cada qual tem um pedaço”. A seguir, adverte que quanto menos possessão pusermos no amor, mais amor teremos em nosso coração. É impossível dar-se uma lição tão elevada com palavras mais simples e de maneira mais natural.


Toda a dinâmica da evolução espiritual se esclarece na simplicidade caipira desses versos. Deus está presente em nós pela nossa capacidade de amar, mas enquanto não superarmos o nosso egoísmo, que tudo quer com exclusividade, o amor permanecerá sufocado pela vaidade, o desejo e a ambição. Poderíamos perguntar: mas se o amor é o próprio Deus, por que ele não vence o nosso apego? A resposta é clara: porque amor é liberdade. O amor é Deus chamando-nos para a liberdade, convocando-nos ao desapego por nossa própria compreensão e decisão. Deus não nos ama com apego, mas com liberdade e por isso não quer impor-nos a compreensão do amor que devemos atingir por nós mesmos.

Irmão Saulo