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Os primeiros cristãos
Foi à obrigação lógica de explicar a ação da alma sobre oinvólucro físico que cederam os primeiros cristãos, acreditando naexistência de uma substância mediadora. Aliás, não se compreende que o espírito seja puramente imaterial, porquanto, então, nenhum ponto de contacto o teria com a matéria física e não poderia existir, desde que deixasse de estar individualizado num corpo terrestre.
No conjunto das coisas, o indivíduo é sempre determinado pelassuas relações com outros seres; no espaço, pela forma corpórea; no tempo, pela memória.
O grande apóstolo S. Paulo fala várias vezes de um corpoespiritual (22), imponderável, incorruptível, e Orígenes, em seusComentários sobre o Novo Testamento, afirma que esse corpo,dotado de uma virtude plástica, acompanha a alma em todas as suas existências e em todas as suas peregrinações, para penetrar e os corpos mais ou menos grosseiros e materiais que ela reveste e que lhe são necessários no exercício de suas diversas vidas.
Eis aqui, segundo Pezzani, as opiniões de alguns Pais da Igrejasobre esta questão. (23)
Orígenes e os Pais alexandrinos, que sustentavam um a certeza,os outros a possibilidade de novas provas após a provação terrena,propunham a si mesmos a questão de saber qual o corpo queressuscitaria no juízo final. Resolveram-na, atribuindo a ressurreição apenas ao corpo espiritual, como o fizeram S. Paulo e, mais tarde, o próprio Santo Agostinho, figurando como incorruptíveis, finos, tênues e soberanamente ágeis os corpos dos eleitos. (24)
Então, uma vez que esse corpo espiritual, companheiroinseparável da alma, representava, pela sua substânciaquintessencíada, todos os outros envoltórios grosseiros, que a alma pudera ter revestido temporariamente e que entregara aoapodrecimento e aos vermes nos mundos por onde passara; uma vez que esse corpo havia impregnado de sua energia todas as matérias para um uso limitado e transitório, o dogma da ressurreição da carne substancial recebia, dessa concepção sublime, brilhante confirmação. Concebido desse modo, o corpo espiritual representava todos os outros que somente mereciam o nome de corpo pela sua adjunção ao princípio vivificante da carne real, isto é, ao que os espíritas denominaram perispírito. (25)
Diz Tertullano (26) que os anjos têm um corpo que lhes épróprio e que, como lhes é possível transfigurá-lo em carne humana, eles podem, por um certo tempo, fazer-se visíveis aos homens e comunicar-se com estes visivelmente. Da mesma maneira fala S. Basílio. Se bem haja ele dito algures que os anjos carecem de corpo, no tratado que escreveu sobre o Espírito Santo, avança que os anjos se tornam visíveis pela espécie de corpo que possuem, aparecendo aos que de tal coisa são dignos.
Nada há na criação, ensina Santo Hilário, que não seja corporal,quer se trate de coisas visíveis, quer de coisas invisíveis. As próprias almas, estejam ou não ligadas a um corpo, têm uma substância corpórea inerente à natureza delas, pela razão de que é necessário que toda coisa esteja nalguma coisa. Só Deus sendo incorpóreo, segundo S. Cirino de Alexandria, só ele não pode estar circunscrito, enquanto que todas as criaturas o podem, ainda que seus corpos não se assemelhem aos nossos. Mesmo que os demônios sejam chamados animais aéreos, como lhes chama Apuleio, sê-lo-ão no sentido em que falava o grande bispo de Hipona, porque eles têm natureza corpórea, sendo uns e outros da mesma essência. (27)
S. Gregório, por seu lado, chama ao anjo um animal racional(28) e S. Bernardo nos dirige estas palavras: Unicamente a Deusatribuamos a imortalidade, bem como a imaterialidade, porquanto só a sua natureza não precisa, nem para si mesma, nem para outrem, do auxilio de um instrumento corpóreo (29). Essa era também, de certo modo, a opinião do grande Ambrósio de Milão, que a expunha nestes termos:
Não imaginemos haja algum ser isento de matéria na suacomposição, exceto, única e exclusivamente, a substância daadorável Trindade. (30)
O mestre das sentenças, Pedro Lombardo, deixava em aberto aquestão; esposava, contudo, esta opinião de Santo Agostinho:
Os anjos devem ter um corpo, ao qual, entretanto, não seacharas sujeitos, corpo que eles, ao contrário, governam, por lhesestar submetido, transformando-o e imprimindo-lhe as formas quelhe queiram dar, para torná-lo apropriado aos atos deles.
GABRIEL DELANNE
A ALMA É IMORTAL
(22) Epistola aos Corintios, cap. XV, v. 44.
(23) Pezzani - A Verdade (jornal, de 5 de abril de 1863).
(24) Santo Agostinho -Manual, cap. XXVI.
(25) Bourdeau - O problema da morte, págs. 36 e seguintes e 62e seguintes.
(26) Tertuliano - De carne Cristi, cap. VI.
(27) Santo Agostinho
(28) Santo Agostinho
(29) Sup. Quantie - Homilia X.
(30) Abraham - t. II, cap. XIII, no 58.
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