O PROGRAMA DO SENHOR
A frente da turba faminta, Jesus multiplicou
os pães e os peixes, atendendo à necessidade dos circunstantes.
O fenômeno maravilhara.
O povo jazia entre o êxtase e o
júbilo intraduzíveis.
Fora quinhoado por um sinal do
Céu, maior que os de Moisés e Josué.
Frêmito de admiração e assombro
dominava a massa compacta.
Relacionavam-se, ali, pessoas
procedentes das regiões mais diversas.
Além dos peregrinos, em grande
número, que se adensavam habitualmente em torno do Senhor, buscando consolação
e cura, mercadores da Iduméia, negociantes da Síria, soldados romanos e
cameleiros do deserto ali se congregavam em multidão, na qual se destacavam as
exclamações das mulheres e o choro das criancinhas.
O povo, convenientemente sentado
na relva, recebia, com interjeições gratulatórias, o saboroso pão que resultara
do milagre sublime.
Água pura em grandes bilhas era
servida, após o substancioso repasto, pelas mãos robustas e felizes dos
apóstolos.
E Jesus, após renovar as
promessas do Reino de Deus, de semblante melancólico e sereno contemplava os
seguidores, da eminência do monte.
Semelhava-se, realmente, a um
príncipe, materializado, de súbito, na Terra, pela suavidade que lhe
transparecia da fronte excelsa, tocada pelo vento que soprava, de leve...
Expressões de júbilo eram
ouvidas, aqui e ali.
Não fornecera Ele provas de
inexcedível poder? não era o maior de todos os profetas? não seria o libertador
da raça escolhida?
Recolhiam os discípulos a sobra
abundante do inesperado banquete, quando Malebel, espadaúdo assessor da Justiça
em Jerusalém, acercou-se do Mestre e clamou para a multidão haver encontrado o
restaurador de Israel. Esclareceu que conviria receber-lhe as determinações,
desde aquela hora inesquecível, e os ouvintes reergueram-se, à pressa, engrossando
fileiras, ao redor do Messias Nazareno.
Jesus, em silêncio, esperou que
alguém lhe endereçasse a palavra e, efetivamente, Malebel não se fez rogado.
– Senhor – indagou, exultante –,
és, em verdade, o arauto do novo Reino?
– Sim – respondeu o Cristo, sem,
titubear.
– Em que alicerces será
estabelecida a nova ordem? – prosseguiu o oficial do Sinédrio, dilatando o
diálogo.
– Em obrigações de trabalho para todos.
O interlocutor esfregou o
sobrecenho com a mão direita, evidentemente inquieto, e continuou:
– Instituir-se-á, porém, uma
organização hierárquica?
– Como não? – acentuou o Mestre,
sorrindo.
– Qual a função dos melhores?
–
Melhorar os piores.
–
E a ocupação dos mais inteligentes?
–
Instruir os ignorantes.
–
Senhor, e os bons? Que farão os homens bons, dentro do novo
sistema?
Ajudarão aos maus, á fim de que
estes se façam igualmente bons.
– E o encargo dos ricos?
– Amparar os mais pobres para que também se
enriqueçam de recursos e conhecimentos.
– Mestre – tornou Malebel,
desapontado –, quem ditará semelhantes normas?
– O amor pelo sacrifício, que
florescerá em obras de paz no caminho de todos.
– E quem fiscalizará o
funcionamento do novo regime?
– A compreensão da
responsabilidade em cada um de nós.
– Senhor, como tudo isto é
estranho! – considerou o noviço, alarmado – desejarás dizer que o Reino
diferente prescindirá de palácios, exércitos, prisões, impostos e castigos?
– Sim – aclarou Jesus,
abertamente –, dispensará tudo isso e reclamará o espírito de renúncia, de
serviço, de humildade, de paciência, de fraternidade, de sinceridade e,
sobretudo, do amor de que somos credores, uns para com os outros, e a nossa
vitória permanecerá muito mais na ação incessante do bem com o desprendimento
da posse, na esfera de cada um, que nos próprios fundamentos da Justiça, até
agora conhecidos no mundo.
Nesse instante, justamente quando
os doentes e os aleijados, os pobres e os aflitos desciam da colina tomados de
intenso júbilo, Malebel, o destacado funcionário de Jerusalém, exibindo
terrível máscara de sarcasmo na fisionomia dantes respeitosa, voltou as costas
ao Senhor, e, acompanhado por algumas centenas de pessoas bem situadas na vida,
deu-se pressa em retirar-se, proferindo frases de insulto e zombaria...
O milagre dos pães fora
rapidamente esquecido, dando a entender que a memória funciona dificilmente nos
estômagos cheios, e, se Jesus não quis perder o contacto com a multidão,
naquela hora célebre, foi obrigado a descer também.
Irmão X
FRANCISCO CANDIDO XAVIER
PONTOS E CONTOS
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