terça-feira, 13 de junho de 2017


UM DRAMA ÍNTIMO.

 

Apreciação moral.

 

O Monde ilustre de 7 de fevereiro de 1863 conta o drama de família seguinte, que emocionou, a justo título, a sociedade de Florence. O autor começa assim a sua narração:

"Eis a história. Ele era um velho de setenta e dois anos; ela, uma jovem de vinte anos.

Havia-a esposado há três anos... Não vos revolteis! o velho conde, originário de Viterbe, era absolutamente sem família, o que é muito estranho para um milionário! Amália não era sem família, mas antes sem milhões. Para compensar as coisas, tendo-a visto quase nascer, e sabendo-a de um bom coração e de um encantador espírito, havia dito à sua mãe: "Deixai-me paternalmente esposar Amália; durante alguns anos ela cuidará de mim, e depois..."

"O casamento se fez. Amália compreende os seus deveres; ela cerca o velho dos cuidados mais assíduos, e lhe sacrifica todos os prazeres de sua idade. O conde tendo se tornado cego e um pouco paralítico, passava as mais longas horas do dia fazendo-lhe companhia, fazendo-lhe leituras, a contar tudo o que podia para distraí-lo e encantá-lo.

"Quanto sois boa, minha querida criança!" exclamava frequentemente tomando-lhe as mãos, e atraindo-a para lhe pôr sobre a fronte o casto e doce beijo da ternura e do reconhecimento.

"Um dia, no entanto, notou que Amália se afastava de sua pessoa; que, embora sempre assídua e cheia de solicitude, ela parecia temer sentar-se perto dele. Uma suspeita atravessou o seu espírito. Uma noite quando ela fazia a leitura, ele tomou-lhe o braço, atraiu-a, enlaçou seu corpo; então, lançando um grito terrível, caiu desmaiado de emoção e de cólera aos pés da jovem! Amália perdeu a cabeça; lançou-se na escada, chegando ao andar mais elevado da casa, precipitou-se pela janela e caiu despedaçada. O velho não sobreviveu senão seis horas a essa catástrofe."

Que relação, dir-se-á, essa história pode ter com o Espiritismo? Vê-se aí a intervenção de algum espírito maligno? Essas relações estão nas deduções que o Espiritismo pode ensinar a tirar das coisas em aparência mais vulgares da vida. Quando o cético ou o indiferente não vê num fato senão uma ocasião de exercer sua verve zombeteira, ou passar ao lado sem notá-lo, o Espírita observa-o e dele tira uma instrução remontando às causas providenciais, sondando-lhe as consequências para a vida futura, segundo os exemplos que as relações de além-túmulo lhe oferecem da justiça de Deus. No fato reportado acima, em lugar de uma simples historinha divertida entre um velho ele e uma jovem ela, ele vê duas vítimas; ora, como o interesse que leva aos infelizes não se detém no limiar da vida presente, mas os segue na vida futura, na qual tem fé, se pergunta se não há ali um duplo castigo para uma dupla falta, e se ambos não foram punidos por onde pecaram? Vê um suicídio, e como sabe que esse crime é sempre punido, pergunta-se em qual grau de responsabilidade incorre aquele que o cometeu.

Vós que credes que o Espiritismo não se ocupa senão de duendes, de aparições fantásticas, de mesas girantes e de Espíritos batedores, se vos derdes ao trabalho de estudá-lo sabereis que ele toca a todas as questões morais. Esses Espíritos que vos parecem tão risíveis, e que, no entanto, não são outros senão as almas dos homens, dão àquele que observa suas manifestações a prova de que é ele mesmo Espírito, momentaneamente ligado a um corpo; vê na morte, não o fim da vida, mas a porta da prisão que se abre diante do prisioneiro para restituí-lo à liberdade. Ensina que as vicissitudes da vida corpórea são as consequências das próprias imperfeições, quer dizer, das inspirações pelo passado e o presente, e provas para o futuro. Daí é naturalmente conduzido a não ver o cego acaso nesses acontecimentos, mas a mão da Providência.
 
Para ele a equitativa sentença: A cada um segundo suas obras não encontra somente sua aplicação para além do túmulo, mas também sobre a própria Terra. E porque tudo o que se passa ao redor dele tem o seu valor, sua razão de ser; ele estuda para disso tirar seu proveito e regular sua conduta em vista do futuro, que para ele é uma realidade demonstrada. Remontando às causas das infelicidades que o afligem, ensina a não mais disso acusar a sorte ou a fatalidade, mas a si mesmo.

Não tendo esta digressão outro objetivo senão demonstrar que o Espiritismo se ocupa de outra coisa que dos Espíritos batedores, retornemos ao nosso assunto. Uma vez que o fato se tornou público, é permitido apreciá-lo, tanto melhor quando não designamos a ninguém nominalmente.

Examinando-se a coisa do ponto de vista puramente mundano, a maioria ali não verá senão a consequência muito natural de uma união desproporcionada, e lançarão ao velho a pedra do ridículo por todo discurso fúnebre; outros acusarão de ingratidão a jovem que enganou a confiança do homem generoso que queria enriquecê-la; mas ela tem para o Espírita um lado mais sério, porque nela procura um ensinamento. Nós nos perguntaremos, pois, se na ação do velho não havia mais egoísmo do que generosidade a prender uma jovem, quase uma criança, à sua caducidade pelos laços indissolúveis que podem conduzi-la à idade onde antes deve-se sonhar na retirada que em gozar do mundo? se, impondo-lhe esse duro sacrifício, isso não era lhe fazer pagar bem caro a fortuna que lhe prometia? Quanto à jovem, não podia aceitar esses laços senão com a perspectiva de vê-los logo quebrados, uma vez que nenhum motivo de afeição a ligava ao velho. Havia, pois, cálculo dos dois lados e esse cálculo foi frustrado; Deus não permitiu que dele aproveitassem nem um nem o outro: a um infligiu a desilusão, ao outro a vergonha, que mataram a ambos.

Resta a responsabilidade do suicídio, que jamais é impune, mas que encontra sempre circunstâncias atenuantes. A mãe da jovem, para encorajá-la a aceitar, lhe havia dito:

"Com essa grande fortuna farás a felicidade do homem pobre que amarás. À espera disso, honra e respeita esse grande coração que quis te instituir sua herdeira, durante o que lhe resta de vida." Era tomá-la por seu lado sensível; mas para gozar os benefícios desse grande coração, que teria sido muito grande de outro modo se a tivesse dotado sem interesse, seria preciso especular sobre a duração de sua vida. A filha errou em ceder, mas a mãe teve um erro maior em excitá-la, e, seguramente, é ela que incorrerá na maior parte da responsabilidade do suicídio de sua filha. É assim que aquele que se mata para escapar à miséria é culpado de falta de coragem e de resignação, mas muito mais culpável ainda é aquele que é a causa primeira desse ato de desespero. Eis o que o Espiritismo ensina pelos exemplos que se coloca sob os olhos daqueles que estudam o mundo invisível.

Quanto à mãe, sua punição começa nesta vida, primeiro pela morte terrível de sua filha, cuja imagem talvez irá persegui-la e atormentá-la de remorsos, em seguida pela inutilidade para ela do sacrifício que provocou, porque tendo o marido morrido seis horas depois de sua mulher, toda a sua fortuna torna aos colaterais distantes, e ela não a aproveitará.

Os jornais estão cheios de fatos de todos os gêneros, louváveis ou censuráveis, que podem oferecer, como o que acabamos de reportar, o assunto de estudos morais sérios; é para os Espíritas uma mina inesgotável de observações e de instruções. O Espiritismo lhes dá os meios de ali descobrir o que passa desapercebido para os indiferentes, e ainda mais para os céticos que nisso não vêem, geralmente, senão o fato mais ou menos picante, sem procurar-lhe nem as causas nem as consequências. Para os grupos, é um elemento fecundo de trabalho, no qual os Espíritos protetores não deixarão de ajudar, dando-lhe a sua apreciação.

REVISTA ESPIRITA

JORNAL DE ESTUDOS PSICOLÓGICOS

7a ANO NO. 2 FEVEREIRO 1864

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