Chico Xavier autografando. |
A SURPRESA DO CRENTE
O devoto feliz experimentava a doce comoção do espetáculo celeste. Mais que a perspectiva do plano divino, porém, via, extasiado, o Senhor à frente dele.
Chorava, ébrio de júbilo. Sim, era o Mestre que se erguia, ali, inundando-lhe o espírito de
alegria e de luz.
Sentia-se compensado de todos os tormentos da vida humana. Esquecera espinhos e
pedras, dificuldades e dores.
Não vivia, agora, o instante supremo da realização? não esperara, impacientemente, aquele
minuto divino? suspirara, muitos anos, por repousar na bem-aventurança. Recolhera-se em
si próprio, no mundo, aguardando aquela hora de imortalidade e beleza. Fugira aos homens,
renunciara aos mais singelos prazeres, distanciara-se das contradições da existência
terrestre, afastara-se de todos os companheiros de humanidade, que se mantinham
possuídos pela ilusão ou pelo mal. Assombrado com as perturbações sociais de seu tempo e receoso de complicar-se, no domínio das responsabilidades, asilara-se no místico santuário da adoração e aguardara o Senhor que resplandecia glorificado, ali diante dos seus olhos.
Jesus aproximou-se e saudou-o.
Oh! semelhante manifestação de carinho embriagava-o de ventura. Sentia-se mais poderoso e mais feliz que todos os príncipes do mundo, reunidos!...
O Divino Mestre sorriu e perguntou-lhe:
– Dize-me, discípulo querido, onde puseste os ensinamentos que te dei?
O crente levou a destra ao tórax opresso de alegria e respondeu:
– No coração.
– Onde guardaste – tornou o Amigo Sublime – minhas continuadas bênçãos de paz e
misericórdia?
– No coração – retrucou o interpelado.
– E as luzes que acendi, em torno de teus passos?
– Tenho-as no coração – repetiu o devoto, possuído de intenso júbilo.
O Mestre silenciou por instantes e indagou novamente:
– E os dons que te ministrei?
– Permanecem comigo – informou o aprendiz –, no recôndito da alma.
Silenciou o Cristo e, depois de longo intervalo, inquiriu, ainda:
– Ouve! onde arquivaste a fé, as dádivas, as oportunidades de santificação, as esperanças e os bens infinitos que te foram entregues em meu nome?
Reafirmou o discípulo, reverente e humilde:
– Depositei-os no coração, Senhor!...
A essa altura, interrompeu-se o diálogo comovente. Jesus calou-se num véu de melancolia
sublime, que lhe transparecia do rosto.
O devoto perdeu a expressão de beatitude inicial e, reparando que o Mestre se mantinha em silêncio, indagou :
– Benfeitor Divino, poderei doravante abrigar-me na paz inalterável de tua graça? já que fiz o depósito sagrado de tuas bênçãos em meu coração, gozarei o descanso eterno em teu
jardim de infinito amor?
O Mestre meneou tristemente a cabeça e redargüiu:
– Ainda não!... o trabalho é a única ferramenta que pode construir o palácio do repouso
legítimo. Por enquanto, serias aqui um poço admirável e valioso pelo conteúdo, mas
incomunicável e inútil... Volta, pois, à Terra! Convive com os bons e os maus, justos e
injustos, ignorantes e sábios, ricos e pobres, distribuindo os bens que represaste! Regressa,
meu amigo, regressa ao mundo de onde vieste e passa todos os tesouros que guardaste no
santuário do coração para a oficina de tuas mãos!...
Nesse momento, o devoto, em lágrimas, notou que o Senhor se lhe subtraía ao olhar
angustiado.
Antes, porém, observou que o Cristo, embora estivesse totalmente nimbado de intensa luz,
trazia nas mãos formosas e compassivas os profundos sinais dos cravos da cruz.
Livro PONTOS E CONTOS
Pelo Espírito
Irmão X
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