quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O sutiã da esqueleta



Emerson Barros de Aguiar
O sutiã da esqueleta

Por Emerson Barros de Aguiar
emerson@etical.org.br





Depois do botox, tomar “injeção na testa” deixou de ser figura de linguagem. Só não é de graça. Que o diga a rica indústria da cosmetologia.

Não que as estratégias de preservação da juventude sejam um privilégio da nossa época. Há um capítulo inteiro dedicado a fórmulas de beleza no Ars Amatoria, de Ovídio.

Diferentemente de hoje, porém, a antiguidade não estava focada na aparência e na superfície das pessoas. O cânone de beleza atual não passa da epiderme humana, daí os cremes dermatológicos fazerem muito mais sucesso atualmente.

O padrão de beleza anoréxico é uma imposição da indústria da moda. A ditadura do tamanho único tem como molde o biofísico da mulher anglo-saxônica, ignorando o de todas as outras etnias. Daí a corrida mundial aos personal trainners e cirurgiões plásticos para as devidos enxertos, mutilações e adequações ao modelo estético vigente, ao qual batizei de “vaca”: malhada dos seios grandes.

Os donos das multinacionais da moda não estão interessados no sofrimento e frustração daquelas consumidoras que não correspondem aos seus ditames.

Hoje, qualquer sacrifício se justifica em função do ideal de juventude e beleza. Seitas comerciais proliferam com tais promessas, vendendo o emagrecimento associado ao enriquecimento igualmente milagroso, numa histeria coletiva em rede.

A moral, subvertida, condena a obesidade mais do que a falta de caráter. Repele qualquer sintoma de velhice e de doença mais do que o roubo, a violência e a promiscuidade. Pecado é ser gordo, velho, feio e doente.

Sem dúvida merecem aplauso os avanços da medicina que proporcionam uma vida mais saudável e a correção de efeitos mórbidos. No entanto, não é saudável pautar a felicidade pela obtenção de um aspecto espartano.

A fórmula não deu certo para o galã de novelas, loiro dos olhos azuis, famoso, rico, infeliz e dependente químico. Também não funcionou para o jovem apresentador da revista eletrônica sobre celebridades de um canal pago. Bonito, “malhado”, badalado e “bem sucedido”, suicidou-se aos 27 anos.

Em tempos produtivistas, o somatório de dados objetivos deveria produzir a felicidade, só que os fatores somados não são suficientes para obtenção do seu produto. É necessário algo sobrenatural. A felicidade não se mede pelo número de seguidores no twitter, pela quantidade de “amigos” no Facebook, pelas horas de academia ou pelo índice de massa corporal de alguém. Ela é algo interior que existe ou não.

Pessoalmente não tenho nada contra o silicone, que é apenas um polímero de cadeia longa, transparente e maleável. Além de inumeráveis outras aplicações, ele é muito útil no box do meu banheiro e nas esquadrias do meu apartamento. Resguardadas as suas aplicações estritamente terapêuticas, confesso que não sou muito simpático à sua presença dentro do corpo humano.

Imagine o constrangimento do coveiro que, ao abrir a sepultura para transladar os restos mortais ao ossuário, depara-se com um par de próteses de silicone sobre o esqueleto da falecida...





Emerson Barros de Aguiar,
Doutorando em "Unión Europea" pela Universidad de Zaragoza, Espanha
Doutorando em "Filosofía, Escritura y Poder" pela Universidad de Zaragoza, Espanha
DEA em "Filosofía, Escritura y Poder" pela Universidad de Zaragoza







Um comentário:

  1. Magnifico comentário, faz pena ouvir de pessoas amigas que vivem na dependências destes "padrões de belezas", sofrendo " o pão que o diabo amassou", para terem pequenos minutos de satisfação.A vida é tão fácil de se viver feliz. basta querer SER FELIZ.

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