segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A INTOLERÂNCIA

A INTOLERÂNCIA

 

“E João disse: Mestre, vimos um que em teu nome expulsava os demônios e lho proibimos, porque não te segue conosco. E Jesus lhe disse: Não o proibais, porque quem não é contra nós é por nós.” (Lucas, 9:49-50)

A intolerância sempre constituiu um dos grandes entraves na senda da evolução humana.



No campo da ciência ela foi a causa do retardamento de muitas descobertas, pois, no passado, tudo aquilo que ultrapassava o limite acanhado do conhecimento humano, era levado na conta de “engenho e arte do demônio”.



No setor do aculturamento ela foi responsável pelo marasmo e pelas trevas que prevaleceram entre os homens durante muitos séculos, evitando que eles, através do conhecimento da verdade, se libertassem do preconceito e da superstição.



No seio das religiões, a intolerância se fez sentir em todo o seu aspecto negativo, sendo responsável por grande número de perseguições, de torturas e de morte. Sempre que surgia na Terra um Espírito mais saliente querendo impulsionar o esclarecimento espiritual do homem, ele era catalogado como herege e como tal perseguido e até morto.



O próprio Jesus Cristo foi vítima da intolerância dos seus contemporâneos, por isso, para nos legar a sua mensagem de paz e de amor, ele teve que enfrentar a fúria sanguinolenta de muitos fanáticos, perecendo finalmente pendurado numa cruz, no alto do Calvário.



A passagem evangélica que estamos enfocando, nos elucida sobre o pensamento de Jesus Cristo sobre a intolerância: ele repreendeu severamente um dos seus apóstolos pelo fato de ter proibido a uma pessoa que não os acompanhava, de também expulsar maus Espíritos.



Enquanto no cenário terreno as religiões se digladiam e fecham as portas a qualquer gênero de entendimento, tudo por causa de ingênuas divergências doutrinárias, o Mestre, cujos atos devem servir de paradigma para o nosso proceder, declara enfaticamente a João: “Quem não é contra nós é por nós”.



Os discípulos de Jesus, empregadas dos prejuízos do arcaico sistema religioso prevalecente entre os judeus, não haviam ainda se despojado do tradicional e aberrante hábito de considerar heresia tudo aquilo que não fosse referendado pela religião imperante. Vendo aquele homem que expelia os maus Espíritos, João encheu-se de zelo e, após proibir o homem de praticar atos daquela natureza, procurou apressadamente o Mestre, a fim de denunciar aquilo que considerava um trabalho paralelo e autêntica usurpação de poderes. Agindo daquele modo o apóstolo julgava estar prestando inestimável serviço à Boa Nova e, certamente, esperava o beneplácito do Mestre para o seu ato de intolerância.



A réplica, no entanto, foi adversa: “Não o proibais, porque quem não é contra nós é por nós”.



O Meigo Rabi da Galiléia deu assim inequívoca demonstração de tolerância e é pena que o seu exemplo não tenha servido, no decorrer dos séculos, de esteio para uma mais íntima aproximação entre os vários agrupamentos cristãos, os quais, apesar de viverem sob o pálio de uma só doutrina, porfiam em se colocarem na mais acesa intolerância, refratários a quaisquer concessões ou gesto de aproximação.



No Velho Testamento encontramos uma passagem quase idêntica:



Devido ao abusivo costume reinante entre muitos médiuns e profetas judeus, de invocarem Espíritos para consultá-los sobre coisas fúteis, sem um objetivo mais sério, o médium-mor que era Moisés, vetou terminantemente que se continuasse esse intercâmbio, proibindo que se invocassem os chamados mortos.



Muitos médiuns sensatos existiam, no entanto, entre os judeus, e entre eles dois rapazes sinceros, cujos nomes eram Eldad e Medad. Esses jovens estavam no campo entrando em contato com Espíritos quando, passando por ali um homem, apressou-se em denunciar o fato a Moisés, julgando assim estar prestando valioso serviço ao Grande Legislador.



Conforme narra o livro de Números, Cap. 11, v. 26 a 29, esse homem chegou todo agitado perto do libertador dos hebreus e delatou:



“Senhor! Eldad e Medad estão no campo profetizando!”



Josué, o lugar-tenente de Moisés, que ali estava ao seu lado, asseverou:



“Senhor Meu Moisés, proíba-lhos”.



Mas Moisés não se importunou, pois conhecia o caráter da mediunidade de



Eldad e Medad e se limitou a responder a Josué:



“Tens tu ciúmes de mim? Oxalá que todo o povo do Senhor fosse profeta, que o Senhor lhe desse o seu Espírito.”





Assim como Jesus reconheceu que o homem que expelia os maus Espíritos em seu nome, estava trabalhando pela mesma causa, embora em caminho diverso, Moisés também suspirava pelo mediunismo sadio entre o seu povo, alegrando-se com o fato de dois de seus patrícios estarem entrando em sintonia com os Espíritos do Senhor, para fins edificantes.



Ambos deram vibrante demonstração de tolerância e compenetração dos reais objetivos que animam aqueles que desejam cooperar na tarefa comum de entrelaçamento entre os homens, com vistas a uma mais estreita aproximação com o Alto.



Afirmou João em seu Evangelho que “a luz resplandeceu nas trevas, e as trevas não a compreenderam” (João, 1:5).



Essa passagem deixa entrever claramente que Jesus Cristo veio como autêntica luz a iluminar o caminho dos homens, mas a intolerância destes fez com que a sua mensagem fosse incompreendida, e as forças das trevas conseguiram fazer com que largos anos de obscurantismo suplantassem a voz da verdade, retardando a implantação dos ideais cristãos, da forma como foram ensinados pelo Cristo, fundamentados sobre a pureza e a singeleza.



Nos Evangelhos encontramos uma narrativa bastante elucidativa: Jesus Cristo não foi recebido numa aldeia de Samaritanos. Os seus apóstolos, revoltados, perguntaram-lhe: “Queres que façamos descer fogo do céu e os consuma, assim como o fez Elias?” E a resposta do Mestre foi a seguinte: “Não sabeis de que espírito sois, porque o Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las”. E dirigiram-se para outra aldeia.



Preferindo dirigir-se para outra aldeia, em vez de concordar com a sugestão dos apóstolos Tiago e João, de procurarem consumir o povo que não os recebera, Jesus Cristo, mais uma vez, demonstrou que a tolerância deve sempre nortear os rumos daqueles que se arrogam ao título de cristãos verdadeiro.

 

Léon Denis
Extraído do livro Depois da Morte.






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