sexta-feira, 27 de maio de 2011

O Espírito Batedor de Bergzabern

 Batedor de Bergzabern
No dia 1º de janeiro deste ano (1852), na casa em que habitava e num quarto vizinho ao em que comumente ficava, a família Pierre Sanger, de Bergzabern, ouviu um ruído como se fora um martelamento, iniciando-se por golpes surdos que pareciam vir de longe e que se tornavam progressivamente mais fortes e distintos.

Esses golpes davam a impressão de ser desferidos contra a parede, perto da qual se achava o leito onde dormia seu filho, de onze anos de idade. Habitualmente era entre nove horas e meia e dez e meia que o ruído se fazia ouvir. A princípio o casal Sanger não lhe deu maior importância; porém, como tal singularidade se repetisse a cada noite, pensaram que poderia vir da casa vizinha, onde, à guisa de passatempo, um enfermo se distraísse em tamborilar contra a parede. Contudo, logo o casal se convenceu de que o doente não era nem poderia ser a causa do ruído. O chão do quarto foi revolvido, a parede derrubada, mas sem qualquer resultado. O leito foi removido para o lado oposto do quarto; e então – coisa admirável! – o ruído passou a ser ouvido desse lado, tão logo o menino dormia.

Estava muito claro que de alguma forma a criança tomava parte na manifestação daquele ruído; como as pesquisas da polícia nada descobriram, começou-se a pensar que o fenômeno pudesse ser atribuído a uma doença do garoto ou a uma particularidade de sua conformação. Contudo, nada até agora veio confirmar essa hipótese.

É ainda um enigma para os médicos.

Com o passar do tempo, a coisa não fez senão desenvolver-se; o ruído se prolongou além de uma hora, e as batidas tinham mais força. A criança foi trocada de quarto e de leito, mas o batedor se manifestou nesse outro quarto, sob a cama, na cama e na parede. As batidas não eram idênticas; ora eram fortes, ora fracas e isoladas, ora, enfim, sucedendo-se rapidamente e seguindo o ritmo das marchas militares e dos bailados.

O garoto ocupava, desde alguns dias, o quarto acima mencionado quando notaram, durante o sono, que ele emitia palavras curtas e incoerentes. Logo se tornaram mais distintas e mais inteligíveis; dir-se-ia que a criança conversava com outra pessoa, sobre a qual tinha autoridade. Entre os fatos que diariamente se produziam, o autor desta brochura narrará um, do qual foi testemunha: Achava-se a criança no leito, deitada sobre o lado esquerdo. Tão logo pegou no sono, os golpes começaram, pondo-se ela a falar assim: “Tu, tu, bate uma marcha.” E o batedor batia uma marcha que se assemelhava bastante a uma marcha da Bavária. À ordem de “Alto!” dada pela criança, o batedor parou. Então a criança ordenou: “Bate três, seis, nove vezes”, e o batedor executou a ordem.

A uma nova ordem de bater 19 golpes, 20 pancadas fizeram-se ouvir; completamente adormecida, a criança disse: “Não está certo, são 20 golpes”, e logo 19 golpes foram contados. Em seguida, o menino ordenou 30 golpes: ouviram-se 30 batidas. “100 golpes”. Não se pôde contar senão até 40, tão rapidamente se sucediam as pancadas.

Ao último golpe, disse o garoto: “Muito bem; agora 110”. Aqui só se pôde contar cerca de 50 pancadas. Quando soou o último golpe, o dorminhoco disse: “Não é isso, foram apenas 106” e logo mais quatro pancadas fizeram-se ouvir para completar o número 110.

Depois ele pediu: “Mil!”; somente 15 golpes foram dados. “Vamos, diga lá!” Houve ainda 5 pancadas e o batedor parou. Então os assistentes tiveram a idéia de ordenar diretamente ao batedor, executando este as ordens que lhe eram dadas. Ele se calou à ordem de “Alto! Silêncio! Paz!”. Depois, por si mesmo e sem comando, recomeçou a bater. Num canto do quarto, em voz baixa, um dos assistentes disse que queria ordenar, apenas pelo pensamento, 6 batidas. O experimentador postou-se diante do leito e não disse sequer uma palavra: foram ouvidas as 6 pancadas. Ainda por pensamento foram comandados 4 golpes e os 4 golpes foram batidos.

A mesma experiência foi tentada por outras pessoas, nem sempre com sucesso. Logo a criança distendeu os membros, afastou o cobertor e se levantou.

 
Quando lhe perguntaram o que havia acontecido, respondeu que tinha visto um homem grande e mal-encarado, que se mantinha diante de seu leito a apertar-lhe os joelhos. Acrescentou que sentia dor nos joelhos quando o homem batia. A criança dormiu novamente e as mesmas manifestações se reproduziram até que o relógio do quarto bateu onze horas. De repente o batedor parou, o menino entrou em sono tranqüilo, o que foi reconhecido pela regularidade da respiração, e nada mais foi ouvido naquela noite.

 
Observamos que o batedor obedecia ao comando de bater marchas militares. Várias pessoas afirmaram que quando se lhe pedia uma marcha russa, austríaca ou francesa, ela era batida com muita exatidão.

No dia 25 de fevereiro, estando adormecido, disse o menino: “Não queres mais bater agora, queres arranhar; pois bem! quero ver como o farás”. Com efeito, no dia seguinte, 26, em lugar das pancadas, ouviu-se um arranhar que parecia vir do leito e que se tem manifestado até hoje. Os golpes se misturavam à raspadela, ora alternadamente, ora simultaneamente, de tal sorte que nas árias de marcha ou de dança a raspadura marcava a primeira parte e os golpes a segunda. Conforme o pedido, a hora do dia e a idade das pessoas presentes eram indicadas por raspagem ou por golpes secos.

Em relação à idade das pessoas, às vezes havia erros, logo corrigidos na 2a ou 3a tentativas, quando se dizia que o número de pancadas não era exato. Amiúde, em vez de dar a idade pedida, o batedor executava uma marcha.

A linguagem da criança, durante o sono, tornava-se cada dia mais perfeita. Aquilo que a princípio não passava de simples palavras ou ordens muito breves ao batedor, com o tempo se transformou numa conversa ordenada com os pais. Assim, um dia ele se entreteve com a irmã mais velha sobre assuntos religiosos e, em tom de exortação e de instrução, disse-lhe que devia ir à missa, orar todos os dias e mostrar submissão e obediência aos pais. À noite, retomou o mesmo assunto de conversa; em seus ensinamentos nada havia de teológico, mas apenas algumas noções que se aprende na escola.

Antes dessas palestras, pelo menos durante uma hora ouviam-se pancadas e arranhões, não somente durante o sono do garoto, mas, até mesmo, no estado de vigília. Vimo-lo beber e comer enquanto as batidas e raspadelas se manifestavam, e o vimos também, acordado, a dar ordens ao batedor, que foram todas executadas.

 
Na noite de sábado, 6 de março, havendo o menino predito a seu pai, durante o dia e completamente desperto, que o batedor apareceria às nove horas, várias pessoas se reuniram na casa dos Sanger. Às nove horas em ponto, quatro golpes foram batidos na parede com tanta violência que os assistentes se assustaram. Logo, e pela primeira vez, as batidas foram dadas na madeira da cama e exteriormente; o leito abalou-se todo. Esses golpes manifestaram-se de todos os lados da cama, ora num lugar, ora noutro. As pancadas e as arranhaduras alternavam-se no leito.
 
A uma ordem do menino e das pessoas presentes, ora os golpes se faziam ouvir no interior do leito, ora no exterior. De repente, a cama levantou-se em sentidos diferentes, enquanto os golpes eram batidos com força. Mais de cinco pessoas tentaram, sem sucesso, fazê-la voltar ao chão; tendo sido abandonada, ela se balançou ainda por alguns instantes, retomando depois a sua posição natural. Esse fato já havia ocorrido uma vez, antes dessa manifestação pública.

Toda noite, também, a criança fazia uma espécie de discurso. Falaremos disso muito sucintamente.

Antes de tudo é preciso notar que o garoto, assim que baixava a cabeça, logo dormia, e as pancadas e os arranhões começavam. Com os golpes, ele gemia, agitava as pernas e parecia sentir-se mal. O mesmo não ocorria com as raspadelas. Chegado o momento de falar, deitava sobre o dorso e sua face tornava-se pálida, assim como suas mãos e braços. Com a mão direita fazia sinal, dizendo: “Vamos! vem para perto do meu leito e junta as mãos: vou te falar do Salvador do mundo.” Então cessavam os golpes e os arranhões, e todos os assistentes ouviam com respeitosa atenção o discurso do adormecido.

A criança falava lentamente e de modo muito inteligível em puro alemão, o que surpreendia bastante, tanto mais quanto se sabia que era menos adiantada do que seus colegas de escola, sobretudo em virtude de uma moléstia dos olhos que a impedia de estudar. Suas palestras versavam sobre a vida e as ações de Jesus, desde os doze anos, de sua presença no templo com os escribas, de seus benefícios à Humanidade e de seus milagres; em seguida, estendia-se sobre o relato de seus sofrimentos, censurando severamente os judeus por o haverem crucificado, apesar de seus numerosos atos de bondade e de suas bênçãos. Terminando, o garoto dirigia a Deus uma prece fervorosa, rogando que “lhe concedesse a graça de suportar, com resignação, os sofrimentos que lhe enviara, pois que o havia escolhido para entrar em comunicação com o Espírito.” Pedia a Deus não o deixasse morrer ainda, pois era apenas uma criança e não queria baixar à tumba escura. Terminados seus discursos, recitava em voz solene o Pater noster, após o que dizia:
“Agora podes vir”; imediatamente as batidas e as arranhaduras recomeçavam. Ainda falou duas vezes ao Espírito e, a cada uma delas, o Espírito batedor parava. Dizia ainda algumas palavras e terminava assim: “Agora podes ir embora, em nome de Deus”. E despertava.

Durante essas conversas os olhos do menino ficavam bem fechados; os lábios, porém, se mexiam; as pessoas que estavam mais próximas do leito podiam observar-lhe os movimentos. A voz era pura e harmoniosa.

Ao despertar, perguntavam-lhe o que havia visto e o que se tinha passado. Respondia: “O homem que vem me ver” – “Onde está ele?” – “Perto de meu leito, com as outras pessoas” – “Vistes as outras pessoas?” – “Vi todas que estavam perto de meu leito”.

Compreende-se facilmente que tais manifestações encontraram muitos incrédulos e que se supôs mesmo que essa história toda não passasse de mistificação; mas o pai era incapaz de charlatanice, sobretudo de um charlatanismo que teria exigido toda a habilidade de um prestidigitador profissional. Ele gozava da reputação de um homem honrado e honesto.

Para responder a essas suspeitas e fazê-las cessar, o garoto foi levado para uma casa estranha. Mal lá chegou e as batidas e arranhaduras fizeram-se ouvir. Além disso, alguns dias antes tinha ido com sua mãe a um pequeno vilarejo chamado Capelle, a cerca de meia légua de distância, à casa da viúva Klein; ele se disse fatigado; deitaram-no sobre um canapé e logo o mesmo fenômeno se produziu. Várias testemunhas podem confirmar o fato. Embora a criança demonstrasse estar bem de saúde, devia, apesar disso, ser afetada por uma doença que, se não fosse provada pelas manifestações acima relatadas, pelo menos o seria pelos movimentos involuntários dos músculos e dos sobressaltos nervosos.

Para terminar, destacamos que há algumas semanas a criança foi conduzida à casa do Dr. Beutner, onde deveria permanecer, a fim de que o sábio pudesse estudar de mais perto os fenômenos em questão. Desde então cessou todo o barulho na casa dos Sanger, passando, todavia, a produzir-se na casa do Dr. Beutner.

Tais são, em toda a sua autenticidade, os fatos que se passaram. Nós os entregamos ao público sem emitir juízo de valor.

Oxalá possam os mais entendidos dar-lhes uma explicação satisfatória.

Blanck



M A I O de 1 8 5 8
R E V I S T A E S P Í R I T A
ALLAN KARDEC
Páginas 201 a 206




Sociedade Espírita A Casa do Caminho - Cabo de Santo Agostinho-PE.
 O Espírito

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