domingo, 3 de outubro de 2010

PARA MUITOS, O INDECIFRÁVEL PROBLEMA DA MORTE



PARA MUITOS, O INDECIFRÁVEL PROBLEMA DA MORTE

“Para desassombrar a impenetrabilidade da morte, não há nada como a bondade.”
(Ruy Barbosa, discurso pronunciado na Academia Brasileira de Letras, em 1o de outubro de 1908.)

Num enfoque panorâmico apenas, diremos algo, tangenciando o problema da morte – tema da mais alta magnitude, pelo que representa para todas as criaturas humanas. Problema, aliás, que se constitui um tabu para muitos e um doloroso enigma para outros; problema, para a maioria, sombrio e angustioso, diante do qual até muitos espiritualistas não ousam olhar vis-à-vis, tal a educação manipuladora do medo irracional, abrigado nos desvãos do subconsciente.

Nós, os espiritualistas – queremos nos referir a todos os que adotam uma religião ou, simplesmente, intitulados como livres-pensadores, aceitam a sobrevivência do Espírito –, não podemos, às portas do Terceiro Milênio, em face das conquistas do pensamento contemporâneo, alimentar vacilações quanto à continuidade da vida, após nossa jornada pelos caminhos, por vezes, acidentados, da existência terrena. Quem se diz espiritualista ou se rotula como tal, e vacila quanto à realidade da sobrevivência do Espírito, é um incrédulo disfarçado com a roupagem cinzenta da dúvida. Esta é uma forma sofrível de espiritualidade vazia, que não enxerga na morte mais que um silêncio indecifrável, uma interrogação angustiante.

A morte, para nós espiritualistas de todos os matizes, “domiciliados na esfera física”, deve significar uma lei que se cumpre; um marco, entre duas fases, na eternidade de nossas vidas; uma simples mudança de estado; um eclipse momentâneo; uma transição da vida física para a vida espiritual; um indispensável episódio; o abandono necessário de um veículo em decadência – o nosso corpo; veste por vezes imprestável, que cumpriu o seu papel, nos labores evolutivo do nosso Espírito; fardo por demais pesado, sob os anos, para ser carregado, e que não mais corresponde às exigências da vida física, que deve ser devolvido ao laboratório da Natureza.

Para a maioria dos homens, voltamos a repetir, a morte continua a ser um pesadelo, uma indecifrável, enigmática e sombria interrogação, que não ousam olhar com olhos de ver, quando a maior parte das religiões literalistas da Crosta, que deveriam instruir seus adeptos, ficam apenas na periferia do problema, sem quase nada a oferecer aos seus profitentes.

Todavia, ao invés de repelirmos a ideia da morte dos nossos pensamentos, encaremo-la com tranquilidade, lembrando, com o grande vulto do pensamento científico da França, Charles Robert Richet, que “a morte é a porta da vida”, como escreveu em carta a Cairbar Schutel. Esforcemo-nos, sim, por desmistificála, por desembaraçá-la dos preconceitos que a envolvem, da roupagem angustiosa com que, em geral, é cercada por nossa incapacidade de entendê-la.

O medo da morte, a tanatofobia, gera verdadeira crise, verdadeiro tormento, chegando a tal demasia, a tal desespero para certas pessoas, “que morrem do medo de morrer”. (1) São criaturas, como afirmam nossos Benfeitores espirituais, que fazem da morte uma deusa sinistra, vendo no fenômeno natural da renovação as mais negras cores, transformando-o numa terrível noite de amarguroso e definitivo adeus.

As solenidades fúnebres, ritos ou cerimônias, engendrados por certos costumes ou por cultos religiosos, concorrem para dar à morte esse aspecto lúgubre, sombrio, chorado, sofrido, num verdadeiro culto a cadáveres, com esquecimento do culto devido ao Espírito.

É costume de mau gosto, que vem desde a nossa infância, apresentar-nos a morte, ainda que com fundo alegórico para o bom compreendedor, de forma esquelética, com a destra empunhando a foice inclemente, fatídica, inexorável. E de tal modo, que essa ideia excêntrica e esdrúxula provoca verdadeira afecção mental, desde a inexperiência de nossa infância. Cria tal psicose, vendo nela um asqueroso vampiro, buscando vítimas a imolar, sequiosa de lágrimas e desesperos; a todos ceifando sem hesitação e sem clemência; vulto hirto e frio como um “cipreste, que, ainda, mesmo florido, sombra da morte no ramal encerra”, no dizer de Castro Alves, poeta genial de “Espumas Flutuantes”. É preciso despir a morte desse aspecto mórbido, nascido de condicionamento milenar.(2)

Sabemos que não é fácil assistirmos impassíveis, quando o corpo de um ente querido baixa ao silêncio, para muitos indecifrável, do sepulcro, deixando nos mergulhados numa saudade infinita, amargurada em lágrimas sofridas, como se nos amputasse, dolorido, um pedaço de nossa alma. “Não permitamos, assim, que a saudade se converta em motivo de angústia e opressão.” (3)

Não é insensibilidade que as circunstâncias nos pedem, porém uma compreensão equilibrada, racional, ainda que banhada com pranto, certo que uma folha não se move no Universo senão pela vontade de Deus, sempre para o nosso bem, como tudo que nos vem do Criador; situação tão difícil de suportar e entender, em nossa visão limitada da vida e da morte.

Procuremos compreender, tanto quanto possível, a sabedoria Divina, sem dimensioná-la, ou tentar dimensioná-la com a bitola estreita da nossa visão limitadíssima das coisas e dos fatos, coerentes com a posição de meros aprendizes, que todos nós somos, das lições de imortalidade, que a escola da vida nos oferece, com vistas aos nossos esforços evolutivos; certo que Deus não nos criou, simplesmente, para ali, mais adiante, nos aniquilar, brincando com os nossos destinos. Deus não joga dados, como afirmava Einstein.

Para o materialista, que nada vê além da vida física; para o agnóstico, que declara o absoluto, o espiritual inacessíveis ao espírito humano; para o niilista, hóspede de profunda letargia espiritual – para todos eles, aferrados à dimensão física, refocilados nas transitoriedades do mundo –, a morte é o mergulho do ser no nada ou no mistério indecifrável, ainda que, no íntimo, procurem disfarçar suas dúvidas, seus pesadelos irrevelados. O materialista, principalmente, para efeito externo, para manifestação de fachada, se diz suficientemente esclarecido e inteligente para não aceitar crendice, como essa da sobrevivência do ser após a morte; colocando-se, assim, numa posição impertinente, vendo-se dono intransigente e irreverente da sua pseudoverdade, para si inquestionável; olhando de cima de um pedestal de soberba os que não lhe comungam das ideias, gesto que, por vez, toca à arrogância, num “flagrante delito de ignorância”. (4)

Todavia, para este ou para aquele, quer acreditem ou não acreditem na realidade da sobrevivência do ser – todos nós, na linguagem popular, na sua maneira de dizer e conceber –, chegado o momento decisivo, daremos de cara com nós mesmos. E, então, transferidos todos, pela morte, aos pórticos impassíveis do território cósmico da vida espiritual, que a nós todos espera, ali teremos, ante os olhos da alma, a inarredável e irrecorrível realidade. E vê-se cumprida, assim, a sentença inapelável, que nos diz que não há morte, senão para o corpo físico, certo que a individualidade permanece eterna, incorruptível, perfectível pelos caminhos inquestionáveis da sua destinação espiritual.

Na vida espiritual é que, a cada giro da Terra sobre si mesma, são despejadas multidões de criaturas; a grande maioria totalmente despreparada para o culminante evento, que a todos espera, porém, com perspectiva sombria para aqueles que acreditam apenas no império do NADA depois desta vida: os piores cegos, a exemplo dos que dizem que mesmo que vissem não acreditariam.

A indispensável preparação, que devemos diligenciar, enquanto por aqui nos encontrarmos, é tarefa de todos nós; o que não depende do rótulo religioso, do rótulo filosófico, ou mesmo não depende de rótulo nenhum, que daqui levarmos; depende, e muito, da compostura com que nos conduzirmos na vida de relação; da observância de uma linha de conduta, não apenas para efeito externo, porém da vivência de uma legítima dignidade moral, de uma nobreza de sentimentos, de uma ética indiscutível, de uma solidariedade efetiva, que venha espontânea de dentro dos nossos corações; certo que, na vida extrafísica, perante a Consciência Cósmica do Bem Eterno, da Justiça Infinita, responderemos, não apenas pelo mal que houvermos praticado, mas, também, pelo bem que deixamos de fazer. (5)

Este ensino serve a todos os matizes religiosos e a todas as filosofias positivas de vida.

Entre a alma, que conhece a Doutrina, mas não lhe vive a sua substancialidade no coração, e aquela que, desconhecendo-a, vive, porém, o Evangelho, espontaneamente, em sua vida de relação, é flagrante o contraste, transpostos os umbrais da eternidade. Enquanto esta desperta tranquila ao abrigo de paz indefectível, a primeira vê entorpecida, quando não frustrada a ascensão de quem “conhecendo a verdade, almejava a realização divina sem esforço humano, o trigo da verdade sem participar da semeadura, a tranquilidade sem dar-se ao trabalho das obras, a ciência sem a consciência, as facilidades sem as responsabilidades”, diremos inspirados na beleza estilística da linguagem luizínia.

Independentes dos fatores apontados, que dificultam o momento de regresso, e a vivência no plano espiritual, outros existem que o próprio homem cria, como duendes alucinados das confusões do seu mundo mental: são as inibições interiores, isto é, as vacilações, as deficiências de fé, o apego inútil e prejudicial às circunstâncias e aos circunstantes, o desespero sem razão e o pânico de quem, segundo dizem alhures, “faz da morte uma deusa sinistra, apresentando o fenômeno natural da renovação com as mais negras cores, e transformando a separação provisória numa terrível noite de amarguroso adeus”.

No século XX, às portas do Terceiro Milênio, é urgente que revisemos a nossa atitude mental diante da morte; que rejeitemos essa visão arcaica, paranoica até, de desespero em face do problema da morte, certo que morrer é tão importante quanto viver ou mais, pelas perspectivas que abre à nossa frente.

Aceitemos ou não aceitemos a lei das vidas sucessivas, todos nós já morremos e renascemos inúmeras vezes, na vivência desse projeto divino, impositivo cósmico da vida, no interesse de nossa ascensão espiritual, até que não precisemos mais envergar a libré da carne.

Há livros que ensinam como nascer ou como viver, poucos ensinam como morrer. A propósito escreve Emmanuel, ao prefaciar o livro “Obreiros da Vida Eterna”: “O homem moderno (...) esbarra, ante os pórticos do sepulcro, com a mesma aflição dos egípcios, dos gregos e dos romanos de épocas recuadas. Os séculos que varreram civilizações e refundiram povos, não transformaram a misteriosa fisionomia da sepultura. Milenário ponto de interrogação, a morte continua ferindo sentimentos e torturando inteligências.” Afirma, ainda, Emmanuel em outra oportunidade: “A morte já liberta de sua clássica significação macabra, é, precisamente, o ponto de partida do Espírito para a vida irradiante, infinita e luminosa, nos mundos ultraterrestres, vibrantes de Luz e Fraternidade, de Verdade e Amor.” Para quem fez por merecer, acrescentamos nós.

Quanto à duração de nossa vida na Terra, todos nós temos o nosso momento de regresso ao lar espiritual, marcado no relógio da eternidade, com certa flexibilidade; cada qual tem o seu relógio invisível, que toca no momento certo, convocando-o para a viagem de volta, assinalada por um Poder Maior, que supervisiona com sabedoria, justiça, misericórdia e amor os nossos destinos; evidente que não vivemos ao sabor do acaso. Todavia, existem aqueles que adulteram sua máquina física nos desatinos dos desregramentos de toda ordem, antecipando, irresponsavelmente, esse evento, com graves e dolorosas conseqüências.

Escrevendo sobre o problema da morte, no seu magnífico livro “Da Alma Humana”, o doutor Antônio Joaquim Freire, uma das culturas mais brilhantes do Espiritismo português, refere-se à morte como “a polarização máxima da ignorância da ciência contemporânea”. Entretanto, a Ciência caminha, ainda que com passos lentos e vacilantes para comprovar, definitivamente, a sobrevivência do ser.

Psiquiatras começam a fazer regressões às vidas passadas, para cura de certas moléstias com raízes nas vidas pretéritas, ainda que esse procedimento seja questionável para alguns profissionais da área, que se negam a examinar os fatos.

Essas conquistas liberam, para a parcela refratária da comunidade científica, uma nova e revolucionária visão da vida e da morte, queira ou não queira, comprovando, mais uma vez, a tese milenária da existência e sobrevivência do Espírito, após a morte do corpo somático.

Esses acontecimentos representam uma clarinada de alerta à ciência e às filosofias casuísticas e ortodoxas do nosso tempo, empedernidas na negação sistemática, pura e simples, quando não fogem pela evasiva estreita de não querer ver os fatos, temendo comprometer pseudoverdades, cristalizadas em velhos tabus. Ignoram que estamos sujeitos a uma lei de evolução, força cósmica, que se processa inquestionável e coercitiva, desde o microcosmo ao macrocosmo, na execução do pensamento Divino.

Diligenciamos por derrubar as bastilhas milenares dos preconceitos que envolvem o problema, oferecendo uma visão mais justa, mais consoladora, mais enobrecedora e mais racional do fenômeno da morte, quando o sabemos um determinismo irrevogável, sentença inapelável da sabedoria Divina; verdade incontestável, pela qual seguiremos “um a um no caminho de todos”, como disse Ruy Barbosa, sobre o túmulo, ainda aberto, de Joaquim Maria Machado de Assis.

Sócrates, uma das celebrações mais extraordinárias do pensamento filosófico da Humanidade, dizia aos seus amigos, que se entristeciam com os seus últimos momentos: “Mostrai-vos alegres, e dizei-vos que ides unicamente sepultar meu corpo.”

Goethe, uma das mais notáveis expressões da civilização ocidental, passeando com seu amigo Eckermann pelo bosque de Weimar, disse: “Quando se tem setenta e cinco anos, não há como fugir de pensar algumas vezes na morte. Esta idéia, porém, me deixa numa calma perfeita, porque nutro a firme convicção de que o nosso Espírito é uma essência de natureza absolutamente indestrutível, e continua ativo, de eternidade em eternidade.”

O eminente brasileiro José Bento Monteiro Lobato, em carta a Godofredo Rangel, afirma: “Eu não me desespero com mortes porque tenho a morte como um alvará de soltura.” (6)

Emmanuel, o eminente pensador do Cristianismo redivivo – o Espiritismo – advertia alhures: “Ao invés de temeres a morte, faze da existência a lavoura sublime de bondade e trabalho, auxílio e compreensão, em favor dos que te rodeiam; e para o homem que, a cada dia, transforma a solidariedade em fartura de bênçãos, o ocaso da vida chega sempre por sombra esmaltada de estrelas, acalentando-lhe o sono e garantindo-lhe o despertar, em novo e glorioso dia, dourado de sol.”




NEY DA SILVA PINHEIRO
REFORMADOR SET2000

Referências Bibliográficas:

1 KARDEC, Allan. Revista Espírita, 1869, março, p. 64., EDICEL, São Paulo-SP.
2 SIMONETTI, Richard. Quem tem medo da morte, p. 15 e 110. Editado por Gráfica São João Ltda., Bauru-SP, 1987.
3 Idem, ibidem.
4 KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Ed. FEB.
5 Idem. O Livro dos Espíritos, questão 636, 80. ed. FEB.
6 GRANJA, Pedro de Carvalho. Os Simples e os Sábios, p. 166, Edição Calvário, São Paulo, 1971.

Postado por SÉRGIO RIBEIRO no blog aprendizdeespirita.blogspot.com

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