Nunca esteve tão cheio de homens o círculo imenso do Coliseu...
Diocleciano sorri, satisfeito, em seu trono excelso de ouro e marfim...
Entra na vasta arena uma jovem patrícia romana — mais menina que moça...
Flutua às carícias das auras matutinas a alvejante leveza da graciosa túnica...
E, lá do alto das galerias, milhares de olhos contemplam a gentil criança...
Ao longo, no escuro subterrâneo do anfiteatro, rugem leões da Núbia e panteras da Mesopotâmia...
Resoluta, dirige-se a graciosa menina ao centro da vasta arena...
Há, no passo firme da jovem romana, algo da energia férrea das legiões dos Césares que conquistaram o mundo...
E ela se dispõe a conquistar mundos ainda mais belos que aqueles...
Arde-lhe nas negras pupilas fulgor estranho — que lembra invisíveis clarões da eternidade...
O Império Romano contempla uma criança...
Por instantes, procuram os olhos da gentil heroína, nas imensas bancadas, as suas companheiras de adolescência...
Com um sorriso se despede de todos, e envia com as mãos carinhosas beijos — de eterno adeus...
De súbito — duas feras irrompem do subsolo da arena imensa...
A jovem, com a alvejante túnica feita um campo de rosas sanguíneas, arranca das veias abertas um punhado de sangue e, erguendo ao céu matutino as mãos ruborizadas, “Ave Christe, moritura te saluto!...” (*)
E desapareceu, qual pétala de rosa arrebatada por insano vendaval...
E quando nas galerias amainou a grita da plebe sanguinária, cantaram nas alturas vozes divinas:
“Aleluia! potências eternas...
Aleluia! espírito imortal!...
Que valem algemas, ó homens,
Se a alma é sopro de Deus?...
Que valem fogueiras e feras,
Que valem suplício e cruzes,
Que valem martírios e morte.
Se imortal é o Evangelho do Cristo?
Se onipotente é o amor de Jesus...
Se a morte perde os horrores
Em face da ressurreição e da vida?
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(*) Isto é: “Salve, ó Cristo, morrendo te saúdo”. Costumavam os gladiadores pagãos, agonizantes, lançar ao ar um punhado de sangue e saudar o imperador, bradando: “Ave, Caesar, moriturus te saluta!” (Salve, César, quem está a morrer te saúda!). Refere a história, ou a lenda, que alguns mártires cristãos saudavam a Jesus Cristo com palavras idênticas quando por ele morriam.
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(De “De alma para alma”, de Huberto Rohden)
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