FIDELIDADE
A DEUS
Irmão X - Humberto de Campos
Depois das primeiras prédicas de
Jesus, respeito aos trabalhos ingentes que a edificação do Deus existia dos
seus discípulos, esboçou-se na fraterna comunidade um leve movimento e
incompreensão. Que? Pois a Boa Nova reclamaria tamanhos sacrifícios? Então o
Senhor, que sondava o íntimo de seus companheiros diletos, os reuniu, uma
noite, quando a turba os deixara a sós e já algumas horas haviam passado sobre
o por do sol.
Interrogando-os vivamente,
provocou a manifestação dos seus pensamentos e dúvidas mais íntimas. Após
escutar-lhes as confidencias simples e sinceras, o Mestre ponderou:
– Na causa de Deus, a fidelidade
deve ser uma das primeiras virtudes. Onde o filho e o pai que não desejem
estabelecer, como ideal de união, a confiança integral e recíproca? Nós não
podemos duvidar da fidelidade do Nosso Pai para conosco. Sua dedicação nos
cerca os espíritos, desde o primeiro dia. Ainda não o conhecíamos e já ele nos
amava. E, acaso, poderemos desdenhar a possibilidade da retribuição? Não seria
repudiarmos o título de filhos amorosos, o fato de nos deixarmos absorver no
afastamento, favorecendo a negação?
Como os discípulos o escutassem
atentos, bebendo-lhe os ensinos, o Mestre acrescentou:
– Tudo na vida tem o preço que
lhe corresponde. Se vacilais receosos ante as bênçãos o sacrifício e as
alegrias do trabalho, meditai nos tributos que a fidelidade ao mundo exige. O
prazer não costuma cobrar do homem um imposto alto e doloroso? Quanto pagarão,
em flagelações íntimas, o vaidoso e o avarento? Qual o preço que o mundo
reclama ao gozador e ao mentiroso?
Ao clarão alvacento da Lua, como
pai bondoso rodeado de seus filhinhos, Jesus "reconheceu que os
discípulos, diante das suas cariciosas perguntas, haviam transformado a atitude
mental, como que iluminadas por súbito clarão”.
Tímidamente, Tiago, filho de
Alceu, contou a história de um amigo que arruinara a saúde, por excessos nos
prazeres condenáveis.
Tadeu falou de um conhecido que,
depois de ganhar grande fortuna, se havia tornado avarento e mesquinho a ponto
de privar-se do necessário, para multiplicar o número de suas moedas, acabando
assassinado pelos ladrões.
Pedro recordou o caso de um
pescador de sua intimidade, que sucumbira trágicamente, por efeito de sua desmedida
ambição.
Jesus, depois de ouvi-los,
satisfeito, perguntou:
– Não achais enorme o tributo que
o mundo exige dos que se apegam aos seus gozos e riquezas? Se o mundo pede
tanto, porque não poderia Deus pedir-nos lealdade ao coração? Trabalhamos agora
pela instituição divina do seu reino na Terra; mas, desde quando estará o Pai
trabalhando por nós? As interrogativas pairavam no espaço sem resposta dos
discípulos, porque, acima de tudo, eles ouviam a que lhes dava o próprio
coração. Do firmamento infinito os reflexos do luar se projetavam no lençol
tranquilo do lago, dando a impressão de encantador caminho para o horizonte,
aberto sobre as águas, por entre deslumbramentos de luz.
Enquanto os companheiros
meditavam no que dissera Jesus, Tiago se lhe dirigiu, nestes termos:
– Mestre, tenho um amigo, de
Corazin que vos ouviu a palavra santificante e desejava seguir-vos; porém,
asseverou-me que o reino pregado pela vossa bondade está cheio de numerosos
obstáculos, acrescentando que Deus deve mostrar-se a nós outros somente na
Vitória e na ventura. Devo confessar que hesitei ante as suas observações, mas,
agora, esclarecido pelos vossos ensinamentos, melhor vos compreendo e
afirmo-vos que nunca esquecerei minha fidelidade ao reino!...
A voz do apóstolo, na sua
confissão espontânea, se revelava tocada de entusiasmo doce e amigo e o Senhor,
aproveitando a hora para a semeadura divina, exclamou bondoso:
– Tiago, nem todos podem
compreender a verdade de uma só vez. Devemos considerar que o mundo está cheio
de crentes que não entendem a proteção às céu, senão nos dias de tranquilidade
e de triunfo. Nós, porém, que conhecemos a vontade suprema, temos que lhe
seguir o roteiro. Não devemos pensar no Deus que concede, mas no Pai que educa;
não no Deus que recompensa, sim no Pai que aperfeiçoa. Daí se segue que a nossa
batalha pela redenção tem de ser perseverante e sem tréguas...
Nesse ínterim, todos os
companheiros de apostolado, manifestando o interesse que os esclarecimentos da
noite lhes causavam, se puseram a perguntar, com respeito e carinho.
– Mestre – exclamou um deles –
não seria melhor fugirmos do mundo para, viver na incessante contemplação do
reino?...
– Que diríamos do filho que se
conservasse em perpétuo repouso, junto de seu pai que trabalha sem cessar, no
labor da grande família? Respondeu Jesus.
– Mas, de que modo se há de viver
como homem e como apóstolo do reino de Deus na face deste mundo”. – inquiriu
Tadeu.
– Em verdade – esclareceu o
Messias – ninguém pode servir, simultaneamente, a dois senhores. Fora absurdo
viver ao mesmo tempo para os prazeres condenáveis da Terra e para as virtudes
sublimes do céu. O discípulo da Boa Nova tem de servir a Deus, servindo à sua
obra neste mundo. Ele sabe que se acha a laborar com muito esforço num grande
campo, propriedade de seu Pai, que o observa com carinho e atenta com amor nos
seus trabalhos. Imaginemos que êsse campo estivesse cheio de inimigos: por toda
parte, vermes asquerosos, víboras peçonhentas, tratos de terra improdutiva. É
certo que as farsas destruidoras reclamarão a indiferença e a submissão do
filho de Deus; mas, o filho de coração fiel a seu Pai se lança ao trabalho com
perseverança e boa vontade. Entrará em luta silenciosa com o meio, sofrer-lhe-á
os tormentos com heroísmo espiritual, por amor do reino que traz no coração,
plantará uma flor onde haja um espinho, abrirá uma senda, embora estreita, onde
estejam em confusão os parasitos da Terra, cavará pacientemente, buscando as
entranhas do solo para que surja uma gota dágua onde queime um deserto. Do
íntimo desse trabalhador brotará sempre um cântico de alegria, porque Deus o
ama e segue com atenção.
– Qual a primeira qualidade a
cultivar no coração – perguntou um dos filhos de Zebedeu – para que nos
sintamos plenamente identificados com a grandeza espiritual da tarefa?
– Acima de todas as coisas –
respondeu o Mestre – é preciso ser fiel a Deus.
A pequena assembléia parecia
altamente enlevada e satisfeita; mas, André inquiriu:
– Mestre, estes últimos dias,
tenho-me sentido doente e receio não poder trabalhar como os demais
companheiros. Como poderei ser fiel a Deus, estando enfermo?
– Ouvi. – Replicou o Senhor com
certa ênfase.
– Nos dias de calma, é fácil
provar-se fidelidade e confiança. Não se prova, porém, dedicação,
verdadeiramente, senão nas horas tormentosas, em que tudo parece contrariar e
perecer. O enfermo tem consigo diversas possibilidades de trabalhar para Nosso
Pai, com mais altas probabilidades de êxito no serviço. Tateando ou rastejando,
busquemos servir ao Pai que está nos céus, porque nas suas mãos divinas vive o
Universo inteiro!...
“André, se algum dia teus olhos
se fecharem para a luz da Terra, serve a Deus com a tua palavra e com os
ouvidos; se ficares mudo, toma, assim mesmo, a charrua, valendo-te das tuas
mãos. Ainda que ficasses privado dos olhos e da palavra, das mãos e dos pés,
poderias servir a Deus com a paciência e a coragem, porque a virtude é o verbo
dessa fidelidade que nos conduzirá ao amor dos amores!”
O grupo dos apóstolos calara-se,
impressionado, ante aquelas recomendações. O luar esplendia sobre as águas
silenciosas. O mais leve ruído não traía o silêncio augusto da hora.
André chorava de emoção, enquanto
os outros observavam a figura do Cristo, iluminada pelos clarões da Lua,
deixando entrever um amoroso sorriso. Então, todos, impulsionados por soberana
força interior, disseram, quase a um só tempo:
– Senhor, seremos fiéis!...
***
Jesus continuou a sorrir, como
quem sabia a intensidade da luta a ser travada e conhecia a fragilidade das
promessas humanas. Entretanto, do coração dos apóstolos jamais se apagou a
lembrança daquela noite luminosa de Cafarnaum, aureolada pelo sentimento
divino. Humilhados e perseguidos, crucificados na dor e esfolados vivos,
souberam ser fiéis, através de todas as vicissitudes da Natureza, e,
transformando suas angústias e seus trabalhos num cântico de glorificação, sob
a eterna inspiração do Mestre renovaram a face do mundo.
Do livro “Boa Nova”. Psicografia
de Francisco Cândido Xavier.
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