sexta-feira, 29 de abril de 2016


 
 
 
 
O Martírio de São Diniz
 
 
 
 
 
Pois quê? – considerei intimamente. Não seria aquela senhora, de lindo semblante, a esposa dele? Não viveriam ali juntos, como na Terra? Antes, porém, que pudesse chegar a qualquer conclusão, Alfredo conduzia-nos ao interior doméstico. As escadas de substância idêntica ao mármore, impressionavam-me pela transparente beleza.
 
De varanda extensa e nobre, onde as colunatas se enfeitavam de hera florida, muito diferente, porém, da que conhecemos na Terra, penetramos em vasto salão mobiliado ao gosto mais antigo.
Os móveis delicadamente esculturados formavam conjunto encantador.
Admirado, fixei as paredes, de onde pendiam quadros maravilhosos. Um deles, contudo, impunha-me especial atenção.
Era uma tela enorme, representando o martírio de São Dinis, o Apóstolo das Gálias rudemente supliciado nos primeiros tempos do Cristianismo, segundo meus humildes conhecimentos de História. Intrigado, recordei que vira, na Terra, um quadro absolutamente igual àquele. Não se tratava de um famoso trabalho de Bonnat, célebre pintor francês dos últimos tempos? A cópia do Posto de Socorro, todavia, era muito mais bela. A lenda popular estava lindamente expressa nos mínimos detalhes. O glorioso Apóstolo, seminu, com a cabeça decepada, tronco aureolado de intensa luz, fazia um esforço supremo por levantar o próprio crânio que lhe rolara aos pés, enquanto os assassinos o contemplavam, tomados de intenso horror; do alto, via-se descer um
emissário divino, trazendo ao Servo do Senhor a coroa e a palma da vitória. Havia, porém, naquela cópia, profunda luminosidade, como se cada pincelada contivesse movimento e vida.
Observando-me a admiração, Alfredo falou, sorrindo:
– Quantos nos visitam, pela primeira vez, estimam a contemplação desta cópia soberba.
– Ah! sim – retruquei –, o original, segundo estou informado, pode ser visto no Panteão de Paris.
– Engana-se – elucidou o meu gentil interlocutor –, nem todos os quadros, como nem todas as grandes composições artísticas, são originariamente da Terra. É certo que devemos muitas criações sublimes à cerebração humana; mas, neste caso, o assunto é mais transcendente. Temos aqui a história real dessa tela magnífica. Foi idealizada e executada por nobre artista cristão, numa cidade espiritual muito ligada à França. Em fins do século passado, embora estivesse retido no círculo carnal, o grande pintor de Bayonne visitou essa colônia em noite de excelsa inspiração, que ele, humanamente, poderia classificar de maravilhoso sonho. Desde o minuto em que viu a tela, Florentino Bonnat não descansou enquanto não a reproduziu, palidamente, em desenho que ficou célebre no mundo inteiro. As cópias terrestres, todavia, não têm essa pureza de linhas e luzes, e nem mesmo a reprodução sob nossos olhos tem a beleza imponente do original, que já tive a felicidade de contemplar de perto, quando organizávamos, aqui no Posto, homenagens singelas para a honrosa visita que nos fez o grande servo do Cristo. Para movimentar as providências necessárias, visitei pessoalmente a cidade espiritual a que me referi.
Grande espanto apossara-se-me do coração. Via, agora, explicada a tortura santa dos grandes artistas, divinamente inspirados na criação de obras imortais; agora, reconhecia que toda arte elevada é sublime na Terra, porque traduz visões gloriosas do homem na luz dos planos superiores.
Parecendo interessado em completar meus pensamentos, Alfredo considerou:
– O gênio construtivo expressa superioridade espiritual com sem ver, ouvir ou sentir, e os artistas de superior mentalidade costumam ver, ouvir e sentir as realizações mais altas do caminho para Deus.

Francisco Cândido Xavier - Os Mensageiros - pelo Espírito André Luiz

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