Sebastião (foto) cuida de Natercio como se fosse seu verdadeiro filho. |
Dona Raimunda em suas preces ora por todos. |
O Espiritismo na Bélgica
Cedendo às insistentes solicitações de nossos irmãos espíritas de Bruxelas e de Antuérpia, fizemos-lhes uma rápida visita este ano e temos a satisfação de dizer que trouxemos a mais favorável impressão do desenvolvimento da doutrina naquele país.
Ali encontramos maior número de adeptos do que esperávamos, devotados e esclarecidos. A acolhida simpática que nos foi feita naquelas duas cidades deixou-nos uma lembrança que jamais se apagará, e contamos os momentos ali passados no número dos mais agradáveis para nós. Não podendo enviar nossos agradecimentos a cada um em particular, gostaríamos que os recebessem aqui coletivamente.
Retornando a Paris, encontramos uma mensagem dos membros da Sociedade Espírita de Bruxelas, a qual nos tocou profundamente. Conservamo-la preciosamente como um testemunho de sua simpatia, mas eles compreenderão facilmente os motivos que nos impedem de publicá-la em nossa
Revista.Entretanto, há uma passagem que nos impõe o dever de levar ao conhecimento de nossos leitores, porque o fato revelado diz mais que longas frases sobre a maneira pela qual certas pessoas compreendem o objetivo do Espiritismo. Está assim concebida:
“Comemorando vossa viagem à Bélgica, nosso grupo decidiu fundar um leito de criança na creche de Saint Josse Tennoode.”
Para nós, nada podia ser mais lisonjeiro do que semelhante testemunho. A fundação de uma obra de beneficência, em memória de nossa visita, é uma prova de grande estima, que nos honra muito mais do que as mais brilhantes recepções que pudessem lisonjear o amor-próprio de quem lhe é objeto, mas a
ninguém aproveitam e não deixam qualquer traço útil.
Antuérpia se distingue por um maior número de adeptos e de grupos. Mas lá, como em Bruxelas e, aliás, em toda parte, os que participam de reuniões de certo modo oficiais e regularmente constituídas, estão em minoria. As relações sociais e as opiniões emitidas nas conversas provam que as simpatias pela doutrina se estendem muito além dos grupos propriamente ditos.
Se nem todos os habitantes são espíritas, ali a idéia não encontra oposição sistemática; dela se fala como de uma coisa natural e não riem. Como os adeptos, em geral, pertencem ao alto comércio, nossa chegada foi novidade na bolsa e monopolizou a conversação, sem mais importância do que se se tratasse da chegada de uma carga de mercadorias.
Vários grupos são compostos de número limitado de membros e se designam por um título especial e característico; é assim que um se intitula:
A Fraternidade, outro Amor e Caridade, etc.
Acrescentemos que esses títulos não são para eles insígnias banais, mas divisas que se esforçam por justificar.
O grupo
Amor e Caridade, por exemplo, tem por objetivo especial a caridade material, sem prejuízo das instruções dos Espíritos, que, de certo modo, constituem a parte acessória.Sua organização é muito simples e dá excelentes resultados. Um dos membros tem o título de
esmoler, nome que corresponde perfeitamente às suas funções de distribuir socorros a domicílio; por diversas vezes os Espíritos já indicaram nomes e endereços de pessoas necessitadas. O nome esmoler voltou, assim à sua significação primitiva, da qual se havia singularmente desviado.Esse grupo possui um médium tiptólogo excepcional e dele faremos objeto de um artigo especial.
Aqui só fazemos constatar os bons elementos, que fazem bem augurar do Espiritismo nesse país, onde só há pouco criou raízes, o que não quer dizer que certos grupos dali não tenham tido, como em outros lugares, desavenças e decepções inevitáveis, quando se trata do estabelecimento de uma idéia nova.
No começo de uma doutrina, sobretudo tão importante quanto o Espiritismo, é impossível que todos os que se declaram seus partidários lhe compreendam o alcance, a gravidade e as conseqüências. Deve-se, pois, esperar desvios da rota em pessoas que só lhe vêem a superfície, ambições pessoais, aquelas para quem o Espiritismo é mais um meio que uma sincera convicção, sem falar de gente que toma todas as máscaras para se insinuar, visando a servir os interesses dos adversários; porque, assim como o hábito
não faz o monge, o nome de espírita não faz o verdadeiro espírita.
Mais cedo ou mais tarde esses espíritas fracassados, cujo orgulho ficou vivaz, causam nos grupos atritos penosos e suscitam entraves, dos quais sempre se triunfa com perseverança e firmeza. São provações para a fé dos espíritas sinceros.
A homogeneidade e a comunhão de pensamentos e sentimentos são, para os grupos espíritas, como para quaisquer outras reuniões, a condição
sine qua non de estabilidade e de vitalidade. É para tal objetivo que devem tender todos os esforços,
e compreende-se que é tanto mais fácil atingi-lo quanto menos numerosas as reuniões. Nas grandes reuniões é quase impossível evitar a intromissão de elementos heterogêneos que, mais cedo ou mais tarde, aí semeiam a cizânia. Nas pequenas reuniões, onde todos se conhecem e se estimam, onde se está como em família, o recolhimento é maior, a intrusão dos mal-intencionados mais difícil. A diversidade dos elementos de que se compõem as grandes reuniões torna-as, por isso mesmo, mais vulneráveis à surda intriga dos adversários.
É preferível, pois, que haja numa cidade cem grupos de dez a vinte adeptos, dos quais nenhum se arroga a supremacia sobre os outros, a uma sociedade única, que reunisse todos os partidários. Esse fracionamento em nada prejudicará a unidade dos princípios, desde que a bandeira seja única e todos marchem para o
mesmo objetivo. É o que parece ter sido perfeitamente compreendido por nossos irmãos de Antuérpia e de Bruxelas.
Em síntese, nossa viagem à Bélgica foi fértil em ensinamentos no interesse do Espiritismo, pelos documentos que recolhemos e que serão, oportunamente, postos em proveito de
todos.
Não esquecemos uma das mais honrosas menções ao grupo espírita de Douai, que visitamos de passagem, e um particular testemunho de gratidão pela acolhida que ali nos dispensaram. É um grupo familiar, onde a doutrina espírita evangélica é praticada em toda a sua pureza. Ali reinam a mais perfeita harmonia, a benevolência recíproca, a caridade em pensamentos, palavras e ações; ali se respira uma atmosfera de
fraternidade patriarcal, isenta de eflúvios malfazejos, onde os Espíritos bons devem comprazer-se tanto quanto os homens; por isso, as comunicações retratam a influência desse meio simpático. Deve-se à sua homogeneidade e aos escrupulosos cuidados nas admissões, jamais haver sido perturbado por dissensões e desavenças por que os outros sofreram; é que todos os que dele fazem parte são espíritas de coração e nenhum procura fazer prevalecer a sua personalidade. Os médiuns aí são relativamente muito numerosos; todos se consideram como simples instrumentos da Providência, isentos de orgulho, sem pretensões pessoais, e se submetem humildemente e sem melindres ao julgamento sobre as comunicações que recebem, prontos a destruí-las se forem consideradas más.
Um poema encantador foi obtido em nossa intenção e após a nossa partida. Agradecemos ao Espírito que o ditou e ao seu
intérprete; conservamo-lo como preciosa lembrança. São desses documentos que não podemos publicar e que só aceitamos a título de incentivo.
Temos a satisfação de dizer que esse grupo não é o único nestas condições favoráveis e de ter podido constatar que as reuniões verdadeiramente sérias, aquelas em que cada um procura melhorar-se, de onde a curiosidade foi banida, as únicas que merecem a qualificação de
espíritas, multiplicam-se diariamente.
Oferecem em pequena escala o que poderá vir a ser a sociedade, quando o Espiritismo, bem compreendido e universalizado, formar a base das relações mútuas. Então os homens nada mais terão a
temer uns dos outros; a caridade fará reinar entre eles a paz e a justiça. Tal será o resultado da transformação que se opera, cujos efeitos a geração futura começará a sentir.
Allan Kardec
REVISTA ESPÍRITA
OUTUBRO DE 1864
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