As Três Recompensas
Era em Mossul, na terceira lua do mês de Rajeb-aul do ano 403 da Héjira.
A grande caravana de mercadores, que seguia anualmente para Baçorá, com estofos e sedas, terminará os últimos preparativos para a longa jornada pelo deserto.
Ao cair da noite, o jovem Abul Firaz ibn Kharsian — o mercador — chamou seus guias, servos e escravos e disse-lhes:
— Amanhã, ao nascer do dia — se Allah quiser! Partiremos com a nossa caravana para Baçorá, acompanhado a estrada de Erbil e Kerkuk. Quero, à hora da partida, que todos os homens estejam prontos, os camelos carregados e as tendas arrumadas! Mahissalemá! Podem ir! Que Allah os proteja!
— Saíram todos, Abul Firab ficou a sós em meio de sua tenda a meditar. Sobre seus ombros pesavam as responsabilidades de chefe da caravana! Seria bem sucedido? Seria infeliz? Só Allah — o Altíssimo — conhece o futuro dos homens; tudo o que ocorre na terra está escrito — Maktub! Que adianta, pois pensar no dia de amanhã?
Assim meditava o jovem Abul Firaz, quando ouviu alguém de fora chamava repetidas vezes pelo seu nome.
Uallah! Quem chama por mim que entre! — exclamou.
Surgiu então, diante dele, um homem alto, forte, vestido com apurado gosto. Fazia-se acompanhar por um escravo hindu que empunhava grande lanterna de duas luzes.
— Por Allah sobre ti! — exclamou Abul Firaz — Que desejas de mim? Qual o motivo de tão inesperada visita? Não sabes, ó muçulmano! Que devo partir amanhã para Baçorá?
— Perdoai-me, ó jovem! — respondeu — se em tão má hora venho procurar-vos! O meu amo e senhor, o cheique Chihab-Eddin El-Ghazzaru El-Kahyyat, deseja falar-vos com a máxima urgência!
— Abul Firaz conhecia, desde muitos anos, o cheique El-Kahyyat — o homem mais rico e generoso de Mossul. Aquele chamado estranho e inesperado causou-lhe porém, indizível surpresa.
— Irei dentro de alguns minutos ao palácio do cheique — respondeu sem hesitar — Sei que ele é justo e honrado. Queira Allah, porém, que não me venha a suceder, por sua causa dessa viagem desgraça!
Momentos depois chegava Abul Firaz ao grande palácio de El-Kahyyat. O ancião, que se achava no leito, gravemente enfermo, pediu ao mercador que se sentasse perto dele e, depois de fazer com que todas as outras pessoas deixassem o aposento, disse-lhe, em tom confidencial:
— Só hoje, ó jovem, fui avisado da tua partida para Baçorá como chefe da grande caravana de mercadores. Sei que és honesto e valente. Julgo-te o único homem capaz de levar até Baçorá uma vultosa quantia em dinheiro.
— E para quem é esse dinheiro? — perguntou Abul Firaz.
Respondeu o cheique:
— Escuta, meu filho. Estou velho e sinto-me doente; bem sei que poucos dias me restam de vida. Não quero, entretanto, morrer sem ter enviado uma boa recompensa e melhor auxílio a três homens de Baçorá.
— Samaan wua taatam! Escuto-vos o obedeço-vos! — respondeu Abul Firaz. — Juro pelo profeta e pelo Livro Sagrado que farei exatamente o que por vós me for determinado!
O rico cheique depois de agradecer, comovido, a dedicação de Abul Firaz, apontou para três caixas que estavam no chão e disse-lhe:
— Aquelas caixas encerram o dinheiro que desejo enviar. Na primeira que é menor de todas — há mil dinares de ouro; a segunda contém dois mil dinares; a terceira — que é das três a maior — encerra cinco mil! Em Baçorá, quando lá chegares, deverás entregar a primeira caixa a um velho joalheiro chamado Walid BenHamid que mora junto ao mercado; a segunda entregarás ao famoso escriba, Ali Mahomed Selam, El-Batal; a terceira, finalmente a mais valiosa — deverá ser entregue a um dos ulemás de Baçorá o judicioso Hamed Abdallah El-hasein, que mora no quarteirão de Ech-Chunha!
— Cheique dos cheiques! — exclamou Abul Firaz. — Perdoai-me a curiosidade! Que fizeram, porém, esses homens para receber tão grandes recompensas?
— Prestaram-me inestimáveis serviços! O primeiro, a quem mando a caixa de cinco mil dinares arriscou, certa vez, a vida para salvar todos os meus haveres! A esse homem generoso devo a riqueza que possuo!
— Por Allah! — contraveio Abul Firaz. — Creio bem que a esse corajoso muçulmano é que devia caber a maior recompensa! Por que recebem os outros dois quantia muito maior?
— O motivo é simples — explicou o ancião. — Se na verdade o primeiro, livrou-me da miséria salvando os meus bens, o segundo, a quem mando dois mil dinares, salvando-me certa vez a vida, livrou-me da morte! E bem sabes, ó jovem, que acima das maiores riquezas da terra devemos colocar a nossa vida!
— Cheique generoso! — retorquiu o jovem. — Se, pela vontade do Onipotente, Ali Mohamed vos arrancou das garras da morte, por que não cabe então a esse vosso abnegado salvador a dádiva mais preciosa? Não há, penso eu, para o homem, bem mais precioso que a vida! Não vejo, pois motivo algum para que o sábio Hamed receba a recompensa maior!
— Em teu julgamento escasseia a ponderação — advertiu o cheique. — Garanto-te, porém, que dando ao ulemá a maior recompensa, procedo com lealdade e justiça. E a razão é simples. O generoso Hamed Abdallah conseguiu, certa vez, desfazer uma grande intriga que contra mim preparavam os homens perversos e invejosos. Não fora o valioso auxílio desse grande amigo eu seria acusado injustamente e preso como ladrão! Ao sábio Hámed Abdallah eu devo, portanto, o nome puro e honrado que hoje tenho!
E o ancião concluiu com voz pausada e clara:
— Bem sabes, ó jovem! Que acima das riquezas e da própria vida deve o homem colocar, bem alto, a sua honra!
Ao cair da noite, o jovem Abul Firaz ibn Kharsian — o mercador — chamou seus guias, servos e escravos e disse-lhes:
— Amanhã, ao nascer do dia — se Allah quiser! Partiremos com a nossa caravana para Baçorá, acompanhado a estrada de Erbil e Kerkuk. Quero, à hora da partida, que todos os homens estejam prontos, os camelos carregados e as tendas arrumadas! Mahissalemá! Podem ir! Que Allah os proteja!
— Saíram todos, Abul Firab ficou a sós em meio de sua tenda a meditar. Sobre seus ombros pesavam as responsabilidades de chefe da caravana! Seria bem sucedido? Seria infeliz? Só Allah — o Altíssimo — conhece o futuro dos homens; tudo o que ocorre na terra está escrito — Maktub! Que adianta, pois pensar no dia de amanhã?
Assim meditava o jovem Abul Firaz, quando ouviu alguém de fora chamava repetidas vezes pelo seu nome.
Uallah! Quem chama por mim que entre! — exclamou.
Surgiu então, diante dele, um homem alto, forte, vestido com apurado gosto. Fazia-se acompanhar por um escravo hindu que empunhava grande lanterna de duas luzes.
— Por Allah sobre ti! — exclamou Abul Firaz — Que desejas de mim? Qual o motivo de tão inesperada visita? Não sabes, ó muçulmano! Que devo partir amanhã para Baçorá?
— Perdoai-me, ó jovem! — respondeu — se em tão má hora venho procurar-vos! O meu amo e senhor, o cheique Chihab-Eddin El-Ghazzaru El-Kahyyat, deseja falar-vos com a máxima urgência!
— Abul Firaz conhecia, desde muitos anos, o cheique El-Kahyyat — o homem mais rico e generoso de Mossul. Aquele chamado estranho e inesperado causou-lhe porém, indizível surpresa.
— Irei dentro de alguns minutos ao palácio do cheique — respondeu sem hesitar — Sei que ele é justo e honrado. Queira Allah, porém, que não me venha a suceder, por sua causa dessa viagem desgraça!
Momentos depois chegava Abul Firaz ao grande palácio de El-Kahyyat. O ancião, que se achava no leito, gravemente enfermo, pediu ao mercador que se sentasse perto dele e, depois de fazer com que todas as outras pessoas deixassem o aposento, disse-lhe, em tom confidencial:
— Só hoje, ó jovem, fui avisado da tua partida para Baçorá como chefe da grande caravana de mercadores. Sei que és honesto e valente. Julgo-te o único homem capaz de levar até Baçorá uma vultosa quantia em dinheiro.
— E para quem é esse dinheiro? — perguntou Abul Firaz.
Respondeu o cheique:
— Escuta, meu filho. Estou velho e sinto-me doente; bem sei que poucos dias me restam de vida. Não quero, entretanto, morrer sem ter enviado uma boa recompensa e melhor auxílio a três homens de Baçorá.
— Samaan wua taatam! Escuto-vos o obedeço-vos! — respondeu Abul Firaz. — Juro pelo profeta e pelo Livro Sagrado que farei exatamente o que por vós me for determinado!
O rico cheique depois de agradecer, comovido, a dedicação de Abul Firaz, apontou para três caixas que estavam no chão e disse-lhe:
— Aquelas caixas encerram o dinheiro que desejo enviar. Na primeira que é menor de todas — há mil dinares de ouro; a segunda contém dois mil dinares; a terceira — que é das três a maior — encerra cinco mil! Em Baçorá, quando lá chegares, deverás entregar a primeira caixa a um velho joalheiro chamado Walid BenHamid que mora junto ao mercado; a segunda entregarás ao famoso escriba, Ali Mahomed Selam, El-Batal; a terceira, finalmente a mais valiosa — deverá ser entregue a um dos ulemás de Baçorá o judicioso Hamed Abdallah El-hasein, que mora no quarteirão de Ech-Chunha!
— Cheique dos cheiques! — exclamou Abul Firaz. — Perdoai-me a curiosidade! Que fizeram, porém, esses homens para receber tão grandes recompensas?
— Prestaram-me inestimáveis serviços! O primeiro, a quem mando a caixa de cinco mil dinares arriscou, certa vez, a vida para salvar todos os meus haveres! A esse homem generoso devo a riqueza que possuo!
— Por Allah! — contraveio Abul Firaz. — Creio bem que a esse corajoso muçulmano é que devia caber a maior recompensa! Por que recebem os outros dois quantia muito maior?
— O motivo é simples — explicou o ancião. — Se na verdade o primeiro, livrou-me da miséria salvando os meus bens, o segundo, a quem mando dois mil dinares, salvando-me certa vez a vida, livrou-me da morte! E bem sabes, ó jovem, que acima das maiores riquezas da terra devemos colocar a nossa vida!
— Cheique generoso! — retorquiu o jovem. — Se, pela vontade do Onipotente, Ali Mohamed vos arrancou das garras da morte, por que não cabe então a esse vosso abnegado salvador a dádiva mais preciosa? Não há, penso eu, para o homem, bem mais precioso que a vida! Não vejo, pois motivo algum para que o sábio Hamed receba a recompensa maior!
— Em teu julgamento escasseia a ponderação — advertiu o cheique. — Garanto-te, porém, que dando ao ulemá a maior recompensa, procedo com lealdade e justiça. E a razão é simples. O generoso Hamed Abdallah conseguiu, certa vez, desfazer uma grande intriga que contra mim preparavam os homens perversos e invejosos. Não fora o valioso auxílio desse grande amigo eu seria acusado injustamente e preso como ladrão! Ao sábio Hámed Abdallah eu devo, portanto, o nome puro e honrado que hoje tenho!
E o ancião concluiu com voz pausada e clara:
— Bem sabes, ó jovem! Que acima das riquezas e da própria vida deve o homem colocar, bem alto, a sua honra!
Malba Tahan
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