A CONDUTA CRISTÃ
Atendendo Ibraim ben Azor, o
cameleiro, entrou na residência acanhada de Simão e, à frente do Cristo, que o
fitava de olhos translúcidos, pediu instruções da Boa-Nova, ao que Jesus
respondeu com a doçura habitual, tecendo considerações preciosas e simples, em
torno do Reino de Deus no coração dos homens.
– Mestre – perguntou Ibraim, desejando
conhecer as normas evangélicas –, na hipótese de aceitar a nova revelação, como
me comportarei. perante as criaturas de má-fé?
– Perdoarás e trabalharás sempre,
fazendo quanto possível para que se coloquem no nível de tua compreensão,
desculpando-as e amparando-as, infinitamente.
– E se me cercarem todos os dias?
– Continuarás perdoando e
trabalhando a benefício delas.
– Mestre – invocou Ibraim,
admirado –, a calúnia é um braseiro a requeimar-nos o coração...
Admitamos que tais pessoas me
vergastem com frases cruéis e apontamentos injustos...
Como proceder quando me
enlamearem o caminho, atirando-me flechas incendiadas?
– Perdoarás e trabalharás sem
descanso, possibilitando a renovação do pensamento que a teu respeito fazem.
– E se me ferirem? Se a violência
sujeitar-me à poeira e a traição golpear-me pelas costas?
Se meu sangue correr, em louvor
da perversidade?
– Perdoarás e trabalharás,
curando as próprias chagas, com a disposição de servir, invariavelmente, na
certeza de que as leis do Justo Juiz se cumprirão sem prejuízo dum ceitil.
– Senhor – clamou o consulente
desapontado –, e se a pesada mão dos ignorantes ameaçar-me a casa? se a maldade
perseguir-me a família, dilacerando os meus nos interesses mais caros?
– Perdoarás e trabalharás a fim
de que a normalidade se reajuste sem ódios, compreendendo que há milhões de
seres na Terra fustigados por aflições maiores que a tua, cabendo-nos a
obrigação de auxiliar, não somente os que se fazem detentores do nosso
bem-querer, mas também a todos os irmãos em Humanidade que o Pai nos recomenda
amar e ajudar, incessantemente. Ibraim, assombrado, indagou, de novo:
– Senhor, e se me prenderem por
homicida e ladrão, sem que eu tenha culpa?
– Perdoarás e trabalharás, agindo
sempre segundo as sugestões do bem, convencido de que o homem pode encarcerar o
corpo, mas nunca algemará a ideia pura, nobre e livre.
– Mestre – prosseguiu o
cameleiro, intrigado –, e se me prostrarem no leito? Se me crivarem de úlceras,
impossibilitando-me qualquer ação? Como trabalhar de braços imobilizados,
quando nos resta apenas o direito de chorar?
– Perdoarás e trabalharás com o
sorriso da paciência fiel, cultivando a oração e o entendimento no espírito
edificado, confiando na Proteção do Pai Celestial que envia socorro e alimento
aos próprios vermes anônimos do mundo.
– Mestre, e se, por fim, me
matarem? se depois de todos os sacrifícios aparecer a morte por estrada
inevitável?
– Demandarás o túmulo, perdoando
e trabalhando na ação gloriosa, em benefício de todos, conservando a paz
sublime da consciência.
Entre estupefato e aflito, Ibraim
voltou a indagar depois de alguns instantes:
– Senhor, e se eu conseguir
tolerar os ignorantes e os maus, ajudandoos e recebendo-lhes os insultos como
benefícios, oferecendo a luz pela sombra e o bem pelo mal, se encarar, com
serenidade, os golpes arremessados contra os meus, se receber feridas e
sarcasmos sem reclamação e se aceitar a própria morte, guardando sincera
compaixão por meus algozes? Que lugar destacado me caberá, diante da grandeza
divina? que título honroso exibirei?
Jesus, sem alterar-se, considerou:
– Depois de todos os nossos
deveres integralmente cumpridos, não passamos de meros servidores, à face do
Pai, a quem pertence o Universo, desde o grão de areia às estrelas distantes.
Ibraim, conturbado, levantou-se,
chamou o dono da casa e perguntou a Pedro se aquele homem era realmente o
Messias. E quando o pescador de Cafarnaum confirmou a identidade do Mestre, o
cameleiro, carrancudo, qual se houvesse recebido grave ofensa, avançou para
fora e seguiu para diante, sem dizer adeus.
Contos e Apólogos – Irmão X /
Chico Xavier
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