sexta-feira, 12 de abril de 2013

Louvores Recusados



Conta-se no plano espiritual que Vicente de Paulo oficiava num templo aristocrático da França, em cerimônia de grande gala, à frente de ricos senhores coloniais, capitães do mar, guerreiros condecorados, políticos ociosos e avarentos sórdidos, quando, a certa altura da solenidade, se verificou à frente do altar inesperado louvor público.



Velho corsário abeirou-se da sagrada mesa eucarística e bradou, contrito:



– Senhor, agradeço-te os navios preciosos que colocaste em meu roteiro. Meus negócios estão prósperos, graças a ti, que me designaste boa presa. Não permitas, ó Senhor, que teu servo fiel se perca de miséria. Dar-te-ei valiosos dízimos. Erguerei uma nova igreja em tua honra e tomo os presentes por testemunhas de meu voto espontâneo.


Outro devoto adiantou-se e falou em voz alta:



– Senhor, minhalma freme de júbilo pela herança que enviaste à minha casa pela morte de meu avô que, em outro tempo, te serviu gloriosamente no campo de batalha. Agora podemos, enfim, descansar sob a tua proteção, olvidando o trabalho e a fadiga.


Seja louvado o teu nome para sempre.



Um cavalheiro maduro, exibindo o rosto caprichosamente enrugado, agradeceu:

– Mestre Divino, trago-te a minha gratidão ardente pela vitória na demanda provincial. Eu sabia que a tua bondade não me desprezaria. Graças ao teu poder, minhas terras foram dilatadas. Construirei por isso um santuário em tua memória bendita, para comemorar o triunfo que me conferiste por justiça.



Adornada senhora tomou posição e exclamou:



– Divino Salvador, meus campos da colônia distante, com o teu auxílio, estão agora produzindo satisfatoriamente. Agradeço os negros sadios e submissos que me mandaste e, em sinal de minha sincera contrição, cederei à tua igreja boa parte dos meus rendimentos.



Um homem antigo, de uniforme agaloado, acercou-se do altar e clamou estentórico:

– A ti, Mestre da Infinita Bondade, o meu regozijo pelas gratificações com que fui quinhoado. Os meus latifúndios procedem de tua bênção. É verdade que para preservá-los sustentei a luta e alguns miseráveis foram mortos, mas quem senão tu mesmo colocaria a força em minhas mãos para a defesa indispensável? Doravante, não precisarei cogitar do futuro... De minha poltrona calma, farei orações fervorosas, fugindo ao imundo intercâmbio com os pecadores. Para retribuir-te, ó Eterno Redentor, farei edificar, no burgo onde a minha fortuna domina, um templo digno de tua invocação, recordando-te os sacrifícios na cruz!


Os agradecimentos continuavam, quando Vicente de Paulo, assombrado, reparou que a imagem do Nazareno adquiria vida e movimento...



Extático, viu-se à frente do próprio Senhor, que desceu do altar florido, em pranto.



O abnegado sacerdote observou que Jesus se afastava a passo rápido; contudo, em se sentindo junto dele, perguntou-lhe, igualmente em lágrimas: – Senhor, por que te afastas de nós?



O Celeste Amigo ergueu para o clérigo a face melancólica e explicou:



– Vicente, sinto-me envergonhado de receber o louvor dos poderosos que desprezam os fracos dos homens válidos que não trabalham, dos felizes que abandonam os infortunados...



O interlocutor sensível nada mais ouviu. Cérebro em turbilhão desmaiou, ali mesmo, diante da assembléia intrigada, sendo imediatamente substituído, e, febril, delirou alguns dias, prisioneiro de visões que ninguém entendeu.

Quando se levantou da incompreendida enfermidade vestiu-se com a túnica da pobreza, trabalhando incessantemente na caridade, até ao fim de seus dias.



Os adoradores do templo, entretanto, continuaram agradecendo os troféus de sangue, ouro e mentira, diante do mesmo altar e afirmaram que Vicente de Paulo havia enlouquecido.



Irmão X

Do livro Contos e Apólogos, psicografia de Francisco Cândido Xavier


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