terça-feira, 15 de maio de 2012




PALPITES
Em modesta residência, na periferia, uma mulher, médium em transe, transmite a manifestação de um “guia” que atende a aflita jovem:
— Vim pedir-lhe ajuda. Sou casada há cinco anos. Tenho dois filhos. Vivíamos relativa­mente bem, mas ultimamente nosso relaciona­mento é péssimo. Meu esposo anda muito nervoso. Brigamos com freqüência. Noutro dia afirmou que se arrepende de ter constituído família. Creio que se envolveu com alguma aventureira...
Minha filha — diz a Entidade —, seu lar está ameaçado. Vejo muitas vibrações de pessoas que não querem sua felicidade e há uma mulher seduzindo seu marido...
Seguem-se orientações relacionadas com defumações, velas, banhos de defesa, rezas...
A jovem retira-se confiante. Suas suspeitas estavam confirmadas e receberia ajuda espiritual.
A médium prossegue no atendimento: um homem com crônica conjuntivite; o vendedor com dificuldade para colocar seus produtos; a mulher dominada pela depressão; a adolescente que brigou com o namorado...
Embora sejam a tribulações diversificadas, aparentemente, segundo a palavra do Espírito, parecem originar-se de fontes comuns: inveja, perseguição, influência negativa, vingança...
“Especialistas” em atividades dessa natureza multiplicam-se. Alguns chegam a fazer propaganda de seu trabalho, em folhetos e anúncios classificados nos jornais, prometendo prodígios.
Assim como muita gente comparece ao Centro Espírita como se fora um hospital, há os que freqüentam assiduamente esses “consultórios”, em prática tão antiga quanto o Mundo. No tempo de Moisés era tão comum, e ocorriam tantos abusos, que o eminente patriarca judeu decidiu proibir a evocação dos mortos.
Oportuno ressaltar que essas atividades nada têm a ver com o Espiritismo, nem são espíritas aqueles que as desenvolvem. Quando muito, se não mistificam, são médiuns, cumprindo fazer-se uma distinção entre mediunismo e a doutrina codificada por Allan Kardec:
Mediunismo é o intercâmbio com o Além. Pode ser exercitado por qualquer pessoa dotada de sensibilidade psíquica, independente de sua condição social ou religiosa. Há médiuns no seio de todas as classes sociais e religiões.
O Espiritismo é uma filosofia existencial com bases científicas e conseqüências religiosas. O simples enunciado desse tríplice aspecto impõe uma atitude séria na sua apreciação e a disposição para o estudo e a análise de seus postulados, acima dos interesses imediatistas, para que possamos entender sua grandiosa mensagem.
Destaque-se o empenho a que somos convocados em favor de nossa própria renovação, sem o qual jamais seremos espíritas autênticos, como deixa bem claro Kardec, em “O Evangelho segundo o Espiritismo”, ao afirmar: “Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações mas”.
Importante frisar sempre, embora possa parecer repetitivo, que não devemos procurar os Espíritos para a solução de problemas que de­correm de nossas próprias mazelas. Sempre que comparecermos aos “consultórios do Além”, estejamos conscientes de que dificilmente seremos atendidos por mentores autênticos. Eles têm assuntos mais importantes a tratar. Normalmente, os Espíritos que se dedicam a essa atividade, principalmente quando o médium cobra pelos seus favores, são “orientadores sem orientação”, que nada sabem das necessidades reais dos consulentes e que, para ganhar sua confiança, limitam-se a dizer o que eles querem ouvir:
A mulher desconfiada da fidelidade do ma­rido será alertada de que há uma sedutora; quem não gosta dos vizinhos ouvirá que são invejosos e lhe desejam o mal; aquele que não se ajusta a empregos será informado de que sofre perseguições...
Sem a mínima condição para definir caminhos mais acertados, atuam como palpiteiros, sugerindo providências e tratamentos que até podem dar certo, como todo palpite, mas jamais resolvem em definitivo os problemas de seus “protegidos”, tornando-os, não raro, mais complexos.
A propósito, vale lembrar a história daquele homem viciado em pedir favores a um “guia”, em “consultório” nas imediações de sua residência, na mais estreita dependência. Não dava um passo sem a ajuda do protetor, que estava mais para palpiteiro, orientando-o precariamente. Certo dia o protegido pediu am­paro mais efetivo:
-O senhor precisa dar um jeito na minha situação. Cansei de ser pobre...
-O que quer que eu faça, meu filho?
-Quero ganhar uma bolada no jogo do bicho.
-É difícil...
-Mas sei que pode conseguir. Por favor... Preciso muito!...
-O Espírito silenciou por alguns momentos. Depois recomendou:
-Está bem. Amanhã jogue no número 23.492.
O protegido, todo animado, reuniu seus haveres, vendeu o televisor e um jogo de sofá; tomou de empréstimo bom dinheiro de amigos, apropriou-se do salário da filha mais velha e fez o jogo recomendado, considerando, em feliz expectativa, que jamais voltaria a passar por aperturas econômicas.
Á tarde acompanhou, trêmulo, o sorteio pelo rádio. O locutor anunciava pausadamente os números sorteados. Quando chegou a vez do primeiro prêmio, onde repousavam suas esperanças, a tensão era enorme:
-Vinte e três mil...
-Meu Deus! Vai dar! Vai dar!...
-Quatrocentos e noventa e...
-Estou rico! Já ganhei!.... três.
-Três? Está errado! É dois!
O locutor repetiu:
-Vinte e três mil, quatrocentos e noventa e três.
Pateticamente ele sacudia o rádio:
-Não é três, idiota! É dois! Dois!... Houve engano!...
Telefonou para a emissora. Não havia erro. Perdera por um algarismo, enterrando-se em dívidas e aperturas.
Correu ao “guia”.
-Uma desgraça! Joguei o que não possuía e perdi! O que houve? O senhor recomendou 23.492. Deu 23.493.
O Espírito respondeu, cheio de animação.
-Ah! Meu filho! Fico feliz. Quase acertamos! Talvez dê certo na próxima!
Fora apenas um palpite...
Nossa existência não pode ser orientada por palpites. É preciso ter certezas. E a certeza fundamental foi enunciada por Jesus:
“O Reino de Deus está dentro de vós!” (Lucas, 17:21.)
O estado íntimo de serenidade, alegria e bom-ânimo, alicerces de uma felicidade legítima e duradoura, é uma construção pessoal, que devemos realizar com o esforço por entender o que a Vida espera de nós.
Nesse particular a Doutrina Espírita tem muito a nos oferecer, se nos dispusermos a estudá-la buscando sua orientação objetiva e segura, sem recorrer a palpiteiros.
SUGESTÕES
Afaste-se de médiuns que atendem em regime de “consultas particulares”. Sem disciplina e sem conhecimento, com o agravante de estimarem receber recompensas, são facilmente envolvidos por obsessores interessados em se­mear a perturbação.
Em qualquer contacto com os Espíritos, mesmo em reuniões mediúnicas no Centro Espírita, é preciso passar pelo crivo da razão o que dizem. Allan Kardec destacava que os Espíritos são apenas homens desencarnados e, como tais, sujeitos a erros de apreciação, além dos problemas de filtragem mediúnica.
Mesmo nas condições mais favoráveis, diante de mentores comprovadamente esclarecidos e sábios, evite constrangê-los com petitórios relacionados com interesses pessoais. Afinal, tudo de que precisamos, em se tratando de orientação de vida, é seguir os ditames da própria consciência, iluminando-a com as lições de Jesus.
Richard Simonetti
Fonte: Reformador – agosto, 1989

 
 









 

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