Allan Kardec |
Curta resposta aos detratores do Espiritismo
O direito de exame e de crítica é um direito imprescritível, ao qual o Espiritismo não tem a pretensão de se subtrair, como não tem a de satisfazer todo o mundo. Cada um, pois, está livre para aprová-lo ou rejeitá-lo; mas ainda seria necessário discuti-lo com conhecimento de causa; ora, a crítica não tem senão, muito freqüentemente, provado a sua ignorância de seus princípios mais elementares, fazendo-lhe dizer
precisamente ao contrário do que ele diz, atribuindo-lhe o que nega, confundindo-o com as imitações grosseiras e burlescas do charlatanismo, dando, enfim, como a regra de todos, as excentricidades de alguns indivíduos. Muito freqüentemente, também, a malevolência quis torná-lo responsável por atos repreensíveis ou ridículos, onde seu nome foi misturado incidentemente, e disso faz uma arma contra ele.
Antes de imputar a uma doutrina a incitação a um ato repreensível qualquer, a razão e a eqüidade querem que se examine se essa doutrina contém as máximas próprias para justificarem esse ato.
Para conhecer a parte de responsabilidade que incumbe ao Espiritismo numa dada circunstância, há um meio muito simples, que é o de inquirir
de boa fé, não entre os adversários, mas na própria fonte, o que ele aprova e o que ele condena. A coisa é tanto mais fácil que nada tem de secreto; seus ensinos são públicos, e cada um pode controlá-los.
Se, pois, os livros da Doutrina Espírita condenam de maneira explícita e formal um ato justamente reprovado; se não encerram, ao contrário, senão instruções de natureza a levar ao bem, é que o indivíduo culpado da má ação nele não hauriu suas inspirações, tivesse mesmo esses livros em seu poder.
O Espiritismo não é mais solidário com aqueles que se comprazem em dizer-se espíritas, do que a medicina não o é com os charlatães que a exploram, nem a sã religião com os abusos, ou mesmo crimes, cometidos em seu nome. Não reconhece por seus adeptos senão aqueles que colocam em prática os seus ensinos, quer dizer, que trabalham para o seu próprio adiantamento moral, esforçando-se por vencer as suas más inclinações, serem menos egoístas e menos
orgulhosos, mais dóceis, mais humildes, mais pacientes, mais
benevolentes, mais caridosos para com o próximo, mais moderados em todas as coisas, porque são os sinais característicos do verdadeiro espírita.
O objeto desta curta notícia não é o de refutar todas as falsas alegações dirigidas contra o Espiritismo, nem de desenvolvê-lo ou provar-lhe todos os princípios, e ainda menos procurar converter, às suas idéias, aqueles que professam opiniões contrárias, mas de dizer, em algumas palavras, o que é e o que não é, o que admite e o que reprova.
Suas crenças, suas tendências e seu objetivo se resumem nas proposições seguintes:
1º
O elemento espiritual e o elemento material são os dois princípios, as duas forças vivas da Natureza se completando uma pela outra, e reagindo incessantemente uma sobre a outra, ambas indispensáveis ao funcionamento do mecanismo do Universo.
Da ação recíproca desses dois princípios nascem fenômenos que, cada um deles, isoladamente é incapaz de se explicar.
A ciência, propriamente dita, tem por missão especial o estudo das leis da matéria.
O Espiritismo tem por objeto o estudo
elemento espiritual em suas relações com o elemento material, e encontra, na união desses dois princípios, a razão de uma multidão de
fatos até então inexplicados.
O Espiritismo caminha de acordo com a ciência no terreno da matéria: admite todas as verdades que ela constata; mas onde se detêm as investigações desta, prossegue as suas no terreno da espiritualidade.
2º
Sendo o elemento espiritual um estado ativo da Natureza, os fenômenos que se ligam a ele estão submetido a leis, e, por isso mesmo, tão naturais quanto aqueles que têm sua fonte na matéria neutra.
Certos fenômenos foram reputados
sobrenaturais pela ignorância das leis que os regem. Em conseqüência desse princípio, o Espiritismo não admite o caráter maravilhoso atribuído a certos fatos, de tudo constatando a realidade ou a
possibilidade. Para ele não há
milagre, enquanto derrogação das leis naturais; de onde se segue que os espíritas não fazem, milagres, e que a qualificação de taumaturgos, que alguns lhe dão, é imprópria.
O conhecimento das leis que regem o princípio espiritual, se liga, de maneira direta, à questão do passado e do futuro do homem. Sua vida é limitada à existência atual? Entrando neste mundo, saiu do nada, e em que se torna deixando-o? Já viveu e viverá ainda?
Como viverá e em que condições? Em uma palavra, de onde vem e para onde vai? Por que está sobre a Terra e por que nela sofre? Tais são as perguntas que cada um se coloca, porque são para todos de um interesse capital, e que nenhuma doutrina não lhe deu ainda solução
racional. A que o Espiritismo lhe dá, se apóia sobre fatos, satisfazendo às exigências da lógica e da justiça mais rigorosa, é uma das principais causas da rapidez de sua propagação.
O Espiritismo não é nem uma concepção pessoal, nem o resultado de um sistema preconcebido. É a resultante de milhares de observações feitas em todos os pontos do globo, e que convergiram para o centro que as coligiu e coordenou.
Todos esses princípios constituintes, sem exceção, são
deduzidos da experiência. A experiência sempre precedeu a
teoria.
O Espiritismo encontrou, assim, desde o início, raízes por toda a parte; a história não oferece nenhum exemplo de uma doutrina filosófica ou religiosa que haja, em dez anos, reunido um tão grande número de adeptos; entretanto não empregou, para se fazer conhecer, nenhum dos meios vulgarmente em uso; propaga-se por si mesmo, pelas simpatias que encontrou.
Um fato não menos constante é que, em nenhum país, a Doutrina não nasceu na camada baixa da sociedade; por toda a parte, ela se propagou de alto a baixo da escala social; é nas classes esclarecidas que está ainda quase exclusivamente difundida, e as pessoas iletradas nela estão em ínfima minoria.
Está ainda averiguado que a propagação do Espiritismo seguiu, desde a origem, uma marcha constantemente ascendente, apesar de tudo o que se fez para entravá-la e desnaturar-lhe o caráter, tendo em vista desacreditá-lo na opinião pública. Há mesmo a se anotar que, tudo o que se fez com esse objetivo, favoreceu-lhe a difusão; o ruído que se fez a seu propósito levou-o ao conhecimento de pessoas que dele jamais ouviram falar; quanto mais o difamaram ou ridicularizaram, mais as invectivas foram violentas, mais estimulou a curiosidade; e como não pode senão ganhar ao exame, disso resultou que os seus adversários dele se fizeram, sem o querer, os ardentes propagadores; se as diatribes não lhe trouxeram nenhum prejuízo, foi porque estudando-o em sua fonte verdadeira, o encontraram diferente do que havia sido representado.
Nas lutas que teve de sustentar, as pessoas imparciais se deram conta de sua moderação; jamais usou de represálias contra os seus adversários, nem restituiu injúria por injúria.
O Espiritismo é uma doutrina filosófica que tem conseqüências religiosas, como toda doutrina espiritualista; por isso mesmo toca forçosamente às bases fundamentais de
todas as religiões: Deus, a alma e a vida futura; mas não é,
uma religião constituída, tendo em vista que não tem nem culto, nem rito, nem templo, e que, entre os seus adeptos, nenhum tomou ou recebeu o título de sacerdote ou de sumosacerdote.
Essas qualificações são pura invenção da crítica.
É-se espírita somente porque se simpatiza com os princípios da doutrina, e que com ela se conforma a sua conduta. É uma opinião como uma outra, que cada um deve ter o direito de professar, como se tem o de ser judeu, católico, protestante, fourieísta, sansimonista, voltairiano, cartesiano, deísta e mesmo materialista.
O Espiritismo proclama a liberdade de consciência como um direito natural: reclama-a para os seus, como para todo o mundo. Respeita todas as convicções sinceras, e pede para si a reciprocidade.
Da liberdade de consciência decorre o direito de
livre exame em matéria de fé. O Espiritismo combate o princípio da fé
cega, como impondo ao homem a abdicação de seu próprio julgamento; diz que toda fé imposta é sem fundamento. Por isso inscreveu, entre as suas máximas: "
Não há fé inabalável senão aquela que pode encarar a razão face a face em todas as épocas da Humanidade."
Conseqüente com os seus princípios, o Espiritismo não se impõe a ninguém; quer ser aceito livremente e por convicção.
Expõe suas doutrinas e recebe aqueles que vêm a ele voluntariamente.
Não procura desviar ninguém de suas convicções religiosas; não se dirige àqueles que têm uma fé, e a quem essa fé basta, mas àqueles que, não estando satisfeitos com aquilo que se lhe deu, procuram alguma coisa melhor.
Obras Póstumas
Allan Kardec
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