quinta-feira, 26 de maio de 2016


Mensagem

 

 Querida mãezinha Ony e querido papai Antônio.

Compreendemos o desejo de ambos que ficou igualmente sendo nosso.  Notícias.  Os amados que permanecem no mundo estão habitualmente interessados, quando não ansiosos, pela obtenção de informes e particularidades, quanto a nós que voltamos para o Lar de Origem.

Pais queridos, se pudéssemos desdobraríamos a própria alma, através da correspondência, esmiuçando pormenores a fim de tranquilizá-los.  A criatura se despede do corpo físico, pressionada pelas imposições da morte, e depois?  Esse propósito de penetração no Mais Além e essa aflição por saber o que se faz depois de transporta a barreira da Grande Transformação, afinal de contas, são intuitos compreensíveis e naturais.

Não creiam que se possa escrever sem o conselho daqueles que nos orientam, se nem tudo, da própria Terra, não pode a criatura que escreve, expor numa carta, através da distância, é justo saibam que também nós, por aqui, não estamos numa sociedade sem regras e convenções respeitáveis.

Explicam mentores dignos que, se todos os nossos entes queridos estão destinados a conhecer os caminhos da experiência que atravessamos, não é necessário anteceder-nos, em sugestões e relatórios francamente desaconselháveis, de vez que as estradas de trânsito entre as duas vidas – a do Mundo Físico e a do Mundo Espiritual – diferem muito entre si.

Posso, no entanto, adiantar-lhes que se ainda sou eu quem se encarrega deste correio, é que a Rose prossegue muito preocupada em apoiar o Sidnei e auxiliá-lo, quanto possível, nas renovações que um marido jovem reclama na área dos homens, porque a vida deve ser vivida e não seria a Rosemary quem criaria qualquer entrave aos ideais e às necessidades do companheiro.  Em vista disso, a querida irmã, confiando em mim, deixa-me, por enquanto, o encargo de fazer-se lembrada pelos pais queridos e pela vovó Maria Goulart especialmente. Quanto à nossa Soninha está fazendo exercícios para se largar da timidez.  E, por tudo isso, me desinibo e vou garatujando o que posso.

Depois da mensagem na qual lhes expus as nossas notícias primeiras, fomos transferidas de residência. Não me peçam nomes que valeriam por antecipações inconvenientes. Estamos num parque-cidade-jardim, se posso definir com estas três palavras o grande centro de recuperação e cultura em que presentemente nos achamos.  O vovô Engelberto e o vovô Eugênio (pois já entramos em relacionamento com o nosso avô Eugênio, igualmente) entabolaram entendimentos para que fôssemos admitidas num grande instituto de reformulação espiritual, e tivemos permissão para desfrutar a companhia e a proteção da mãezinha Custódia, que nos serve de governanta maternal.

Penso que ficarão satisfeitos se lhes contar que fomos acolhidas pela Diretora, a Irmã Frida, da lista de amizades do vovô Engelberto, com a maior distinção. O vovô dirigiu-se a ela, em alemão, e ambos conversaram animadamente. Voltando-se cortesmente para nós, se bem me lembro, a Irmã Frida nos disse sorrindo; “BRECH GUT.  ES WIRD MICH SCHER FREUEN IHNEN NUTZLICH ZUN SEIN.” Compreendo que não guardei de cor  a antepenúltima expressão dela,  mas o vovô solicitou-lhe a troca de idéias em português e a nossa Diretora, sem pestanejar – se exprimiu em português-brasileiro com tal mestria que nos sentimos à vontade para a instalação em perspectiva.

 

A cidade é grande e especializada. Muitas atividades lhe caracterizam o ambiente e não há tempo para meditações ociosas, para quem deseja valer-se da meditação como norma de preparação para o serviço a fazer e para as realizações por atingir.

Ninguém é obrigado a trabalhar, porque a violência onde estamos é vocábulo desconhecido, mas quantos se empenham a agir e servir adiantam-se com facilidade, na marcha para adiante, com aquisições valiosas para a organização do presente e do futuro. Quem prefere a inércia recebe uma cota simples de recursos para a própria sustentação, mas não consegue meios para renovar-se, de vez que a fixação de companheiros dedicados à imobilidade e à lamentação não lhes permite maiores incursões no progresso ambiente.  E isso ocorre até que se decidam a sair espiritualmente de si próprios, buscando, por iniciativa deles mesmos, o trabalho que lhes melhorará as condições.

As religiões são praticadas segundo as tendências dos que se agregam no sítio que tento descrever, todos, porém, com a marca da responsabilidade e da fé em que se inspiram, sem que haja antagonismos entre umas e outras. A criatura evolui por si mesma, desde que assim o deseje.  Por essa razão, a transferência de muitos irmãos, de cultos para cultos outros mais propensos à solidariedade e às edificações liberais, é incessante.

E o que é de se admirar é que ninguém onde estamos é obrigado a crer que passou pelo fenômeno da desencarnação.  E como somos ainda poucos os que nos achamos conscientes disso, não mencionamos nossas idéias diante de pessoas desconhecidas ou que conservam absoluta negação quanto à morte, pela qual já passaram. 

Ainda na semana finda, em conversação  com uma senhora amiga, ela se lamentava de haver perdido uma filha num acidente de aviação, quando a minha interlocutora é que vive aqui desencarnada e a filha saiu ilesa do desastre havido, continuando a residir em grande cidade brasileira.

A maior parte dos que vivem no parque onde temos transitória moradia, se queixam de perdas de memória, de abatimentos e doenças inexplicáveis,  quando não lutam contra  processos de angústia que eles mesmos confessam desconhecer nas origens. Há muita gente na enfermagem e no magistério, agindo com respeitosa prudência para não suscetilizar pessoa alguma. Os médicos analistas são muitos, e os religiosos esclarecidos, ou ainda não totalmente esclarecidos, trabalham com intensidade no reconforto e no reerguimento espiritual de muitos de seus clientes, interessados na própria melhoria.

E a vida continua. Quem quiser receber luzes que as distribua e quem se proponha a encontrar alegria, deve doá-la aos outros.  As tarefas são múltiplas, mas a noite é curta, e a mãezinha Custódia me recomenda terminar.

Escrevi o que pude e como pude, mas creiam a mãezinha Ony e o papai Antônio que, ao beijá-los com o meu enternecimento e carinho de todos os dias, continuo sendo a  filha que lhes consagra todo o amor que possa trazer no próprio coração, sempre a filha agradecida,

                                                                                     Jane

Jane Furtado Koerich

 
Do livro Porto de Alegria, psicografia de Chico Xavier                                                                         

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