sexta-feira, 28 de agosto de 2015


CAPÍTULO 26 - DESENCARNAR NÃO ADIANTA
 
DOUTOR - disse-me Anastácia -, esta cartinha é de uma senhora que, segundo informa, foi desenganada pela Medicina...

— Por favor, leia-a! - solicitei, interessado.

— Dr. Inácio - começou Anastácia, com a dicção cada vez mais clara -, fui desenganada pelos médicos, que chegaram à conclusão de que o meu problema cardíaco é grave... Sinto que o meu coração bate descompassado, várias vezes durante o dia. Tomo muitos medicamentos. Eu sou médium de incorporação há muitos anos - trabalho em reunião de desobsessão! Não sei se devo me afastar agora - os meus filhos insistem para que eu fique em casa. Mas, se eu ficar em casa, a minha consciência não ficará tranquila. No ano pas¬sado, caí e quebrei uma perna... De lá para cá, o meu problema cardíaco piorou um pouco. Acho que posso desencarnara qualquer hora, mas não ligo, não... Sei que o espírito não morre e não tenho medo da morte. Não estou tão velha assim, mas... A verdade é que o fardo desta vida está me pesando muito! 0 senhor acha errado a gente desistir de lutar para viver? Eu estou quase entregando os pontos...

— Não entregue, não, minha irmã! - exclamei com veemência, na esperança de que as minhas palavras, ecoando de uma Vida a outra, lhe alcançassem os ouvidos diretamente. - Não entregue, não! Desencarnar não adianta!...

— Coitada dessa senhora!

— Anastácia - narrei -, eu não sei se você já ouviu falar num amigo de nome Jerônimo Mendonça, que atuava na cidade de Ituiutaba, Minas Gerais.

— Não, nunca ouvi qualquer referência a ele.

— Nosso Jerônimo, valoroso companheiro de Ideal Espírita, vivia em cima de uma cama - ele ficou tetraplégico! Dentro de uma perua Kombi, os amigos o transportavam para todos os lugares... Ele apenas falava e escutava - foi perdendo todos os movimentos e, por fim, não conseguia movimentar sequer um dedo!

— E, mesmo assim, viajava?...

— Aliás, ele pouco parava em Ituiutaba, onde desenvolvia um belo serviço assistencial. Era convidado para palestras...

— Ele fazia palestras, Doutor?! Doente como se encontrava?!...

— Sim e com muito bom humor. Suas palestras eram eloquentes! Ele contava histórias, brincava com a sua própria situação de paralítico, sorria sempre... Embora, certamente, o seu carma - do qual nenhum de nós consegue fugir -, foi um companheiro que nos deu muitos exemplos de perseverança e de autossuperação.

Fiz uma pausa e prossegui:

— Pois bem. Numa ocasião, o Jerônimo ficou muito mal - ele foi perdendo as forças, a voz soando cada vez mais baixa... Talvez tenha ficado deprimido. Devido à sua imobilidade, ele tinha constantes infecções urinárias e um simples resfriado costumava virar pneumonia...

— Que prova a dele, não ?!

— Sempre que podia, porém, conduzido pelos amigos, ele estava em Uberaba, visitando Chico Xavier, que, ao término das reuniões, conversava com ele. Nessa época, muito mais abatido, Jerônimo disse ao Chico que estava para desencarnar - ele sentia que estava para desencarnar! Depois de escutar o amigo, o médium, em pé rente ao seu leito, tomou a palavra e falou incisivo: — Jerônimo, você sabe o que está matando a você?!...

— Ah, Chico - respondeu ele -, o meu quadro geral está se complicando muito... 0 coração está fraco! Eu não tenho mais vontade de comer...

— Não tem nada disso - retrucou o nosso Benfeitor. - 0 que está matando a você é o "coitadinho"... Quase todos que o vêem nessa situação aproximam-se e dizem: — "Coitadinho do Jerônimo! Coitadinho!..." E você está acreditando!...

— Que visão, a do Chico!

— E ele, praticamente, enxergava de um olho só, pois, desde jovem, a visão de seu olho esquerdo ficara comprometida...

— Como Jerônimo reagiu?!

— Ficou em silêncio, e o Chico continuou: — "Não acredite nisso, não! Pois, se você acreditar, vai morrer mesmo, e desencarnar não adianta! 0 que está matando a você - repetiu - é o "coitadinho"! Reaja! Se cu for dar crédito ao que as pessoas me dizem, que estou ,.i usado e doente, eu vou parar em cima de uma cama ou no cemitério! Não, pois eu ainda preciso trabalhar muito, como você também precisa!...".

— Doutor, o Chico era enérgico!

— As vezes, Anastácia, ele trovejava, sim, mas, logo depois, deixava cair aquela chuva mansa de seus lábios...

A companheira sorriu e, então, uma vez mais, pude perceber quanta mudança, espontaneamente, estava acontecendo em sua fisionomia, demonstrando que, em verdade, somos reflexo de nosso mundo interior.

— Verdade! - confirmei. - O Jerônimo estava introjetando o "coitadinho"... Chico como que o despertou daquela auto-hipnose! Depois disto, ele melhorou muito e ainda pôde trabalhar por largo tempo em suas tarefas assistenciais e doutrinárias.

— Será, Doutor, que o Jerônimo, assimilando cada vez mais o "coitadinho", poderia vir a desencarnar ?

— Claro! É a nossa própria mente que nos desencarna - algumas vezes, o corpo nos expulsa, mas... Quantas pessoas, que não sabem de diagnóstico a respeito de sua condição de saúde, vivem doentes durante muito tempo?! Outras, assim que ficam sabendo da gravidade de sua situação orgânica, como que apressam o próprio desenlace?!...

— É verdade!
— Quando nosso Odilon Fernandes ficou doente, o Chico disse a alguns familiares dele: — Não contem para ele, não. O Dr. Odilon tem mente muito poderosa e, se ele souber, irá desencarnar mais depressa...
— Nossos pensamentos...

— Anastácia, permita-me perguntar: Você tem se olhado no espelho, ultimamente?!

— Mulher, mesmo morta, Doutor, se olha no espelho todos os dias! - sorriu a devotada irmã.

— E o que você tem percebido em si mesma?!

— Não sei... Ultimamente, eu não tenho me reconhecido - estou mais jovem, emagreci muito - até meus pés parecem ter diminuído de tamanho! - voltou a sorrir. - Dias atrás, uma amiga que há muito não me via não me reconheceu...

— Esse, Anastácia, é o processo de rejuvenescimento que a desencarnação enseja a muitos de nós - a renovação de nossos pensamentos promove a renovação de nosso corpo espiritual!

— Depois, então, que o senhor me convidou para trabalhar com as correspondências... Nossa! Como me têm feito bem estes nossos diálogos!...

— E também porque você está estudando, minha cara! Você está lendo, pensando mais... Creio que, por conta disso, eu vou acabar perdendo uma excelente cozinheira! - gracejei.

— De maneira alguma - retrucou.

— Sim, senhora! - respondi. - Em breve, você irá executar outra tarefa. Não - repeti - que cozinhar seja demérito, mas o espírito, em seu aprendizado, necessita se diversificar.

Entrementes, à passagem de Manoel pela sala, comentei com voz provocativa:

— Eu só não consigo isso com esse aí...

— Não consegue o quê, Doutor?!

— Você será o eterno Enfermeiro-Chefe do Sanatório! Estudar, ele até que está estudando, Anastácia, mas aprender...

— Não, isso não é verdade - defendeu a amiga.

— Não é, mas vai ficar sendo, porque eu não posso perder a piada...

— Que vulto do Evangelho o senhor vai arranjar para que eu seja agora? - inquiriu o prestimoso confrade. - Ao que me conste, no Evangelho não aparece ninguém assim a quem o senhor possa me comparar...

— Quem lho disse?! - respondi em português desafiador. - E o que você me diz dos "Pobres de Espírito"?! Você foi um deles - um anônimo "Pobre de Espírito", quiçá o mais pobre de todos!...
— Manoel, é melhor você desistir - disse Anastácia, sorrindo, complacente.

— Ah! Eu já desisti faz tempo!

— Voltemos à carta que nossa irmã nos escreveu - convidei. - "Desencarnar não adianta"\ - foi o que Chico disse a Jerônimo e é o que nós sabemos. Quanto mais tempo ela puder se demorar no corpo, melhor!

— Desencarnar para quê, não é, Doutor?!

— Um repórter - contei - vendo que Chico tomava muitos remédios, à semelhança de sagaz Doutor da Lei, fez a ele a seguinte pergunta: — Chico, se o senhor crê na imortalidade da alma, qual é o motivo de tomar tantos remédios?!... O médium, porém, muito mais sagaz, respondeu: — Ora, meu filho, desencarnar para quê?! Para voltar a entrar na fila por um novo corpo na Terra?! Se eu sei que vou ter que voltar, por que ir embora antes do tempo?! Eu quero aproveitar ao máximo, para ver se, quando chegar a hora de regressar, eu o faça em melhores condições!...

— Então, a estimada missivista não deve entregar os pontos?!...

— Absolutamente! - repliquei, - guando se trata do bem - ensinou Chico, noutra ocasião -, uma pessoa cansada ainda pode ir muito longel Nada de entregar os pontos?! Mesmo doente, que ela continue incorporando...

— Incorporando espíritos, Doutor?! - indagou a companheira.

— Por que não?! Se não mais se sentir em condições de incorporar como antes, incorpore menos... Se não puder continuar concedendo passividade a espíritos mais rebelados, conceda a espíritos mais calmos... Os espíritos, igualmente, têm que
se adaptar às condições de saúde do instrumento!


— Isso pode ser, Doutor?!

— Claro! Se o espírito encarnado é obrigado a se adaptar às limitações de seu corpo, por que o espírito comunicante é que não se adaptaria?! Aqui, o médium pode e deve impor mentalmente sua vontade: — Você quer se incorporar em mim, tudo bem, mas venha com calma, porque agora eu estou doente...

— E se ela, por exemplo, sofrer uma síncope en¬quanto incorpora e vier a desencarnar?!

— Então, Anastácia, será uma beleza, porque na incorporação ela já está semidesencarnada... Os laços que a prendem ao corpo, estando mais afrouxados, a libertarão com maior facilidade! O Chico dizia que desejava desencarnar no meio de um transe... Não foi bem assim, mas quase, porque, ao deixar o corpo, ele, praticamente, já nem tinha corpo mais - era um fiapo de gente!...

Efetuei nova pausa e concluí:

— Se nossa irmã não puder caminhar, que ela rasteje, mas rasteje para a frente, porque, rastejando, a gente também chega! Feliz daquele que desencarna no clima do trabalho, sem se deitar para ficar esperando a morte chegar! Conheço gente que se deitou antes da hora e ficou esperando pela desencarnação por mais de dez anos!...

INÁCIO FERREIRA

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