quinta-feira, 19 de junho de 2014

 
Amável de Menezes Sá, estudiosa e
admiradora do trabalho incansável do
apóstolo Paulo de Tarso.
 
 
 

Ama, Trabalha, Espera e Perdoa


Abigail, por sua vez, apertava-lhe as mãos com imensa ternura. O ex-rabino desejaria prolongar a deli­ciosa visão para o resto da vida, manter-se junto dela para sempre; contudo, a entidade querida esboçava um gesto de amoroso adeus. Esforçou-se, então, por catalo­gar apressadamente suas necessidades espirituais, dese­joso de ouvi-la relativamente aos problemas que o de­frontavam. Ansioso de aproveitar as mínimas parcelas daquele glorioso, fugaz minuto, Saulo alinhava mental­mente grande número de perguntas. Que fazer para adquirir a compreensão perfeita dos desígnios do Cristo?


— Ama! — respondeu Abigail espontaneamente.
 

Mas, como proceder de modo a enriquecermos na virtude divina? Jesus aconselha o amor aos próprios inimigos. Entretanto, considerava quão difícil devia ser semelhante realização. Penoso testemunhar dedicação, sem o real entendimento dos outros. Como fazer para que a alma alcançasse tão elevada expressão de esforço com Jesus-Cristo?

— Trabalha! — esclareceu a noiva amada, sorrindo bondosamente.

Abigail tinha razão. Era necessário realizar a obra de aperfeiçoamento interior. Desejava ardentemente fa­zê-lo. Para isso insulara-se no deserto, por mais de mil dias consecutivos.
Todavia, voltando ao ambiente do esforço coletivo, em cooperação com antigos companhei­ros, acalentava sadias esperanças que se converteram em dolorosas perplexidades.

Que providências adotar contra o desânimo destruidor?

— Espera! — disse ela ainda, num gesto de terna solicitude, como quem desejava esclarecer que a alma deve estar pronta a atender ao programa divino, em qualquer circunstância, extreme de caprichos pessoais.

Ouvindo-a, Saulo considerou que a esperança fora sempre a companheira dos seus dias mais ásperos. Sa­beria aguardar o porvir com as bênçãos do Altíssimo. Confiaria na sua misericórdia. Não desdenharia as opor­tunidades do serviço redentor. Mas... os homens? Em toda parte medrava a confusão nos espíritos. Reconhecia que, de fato, a concordância geral em torno dos ensina­mentos do Mestre Divino representava uma das realiza­ções mais difíceis, no desdobramento do Evangelho; mas, além disso, as criaturas pareciam igualmente desinteressadas da verdade e da luz. Os israelitas agarravam-se à Lei de Moisés, intensificando o regime das hipocrisias farisaicas; os seguidores do “Caminho” aproximavam-se novamente das sinagogas, fugiam dos gentios, subme­tiam-se, rigorosamente, aos processos da circuncisão. Onde a liberdade do Cristo? Onde as vastas esperanças que o seu amor trouxera à Humanidade inteira, sem exclusão dos filhos de outras raças? Concordavam em que se fazia indispensável a mar, trabalhar, esperar; entre­tanto, como agir no âmbito de forças tão heterogêneas? Como conciliar as grandiosas lições do Evangelho com a indiferença dos homens?

Abigail apertou-lhe as mãos com mais ternura, a indicar as despedidas, e acentuou docemente:

— Perdoa!...

Em seguida, seu vulto luminoso pareceu diluir-se como se fosse feito de fragmentos de aurora.

Empolgado pela maravilhosa revelação, Saulo viu-se só, sem saber como coordenar as expressões do próprio deslumbramento. Na região, que se coroava de claridades infinitas, sentiam-se vibrações de misteriosa beleza. Aos seus ouvidos continuavam chegando ecos longínquos de sublimes harmonias siderais, que pareciam traduzir men­sagens de amor, oriundas de sóis distantes... Ajoe­lhou-se e orou! Agradeceu ao Senhor a maravilha das suas bênçãos. Daí a instantes, como se energias impon­deráveis o reconduzissem ao ambiente da Terra, sentiu-se no leito rústico, improvisado entre as pedras. Incapaz de esclarecer o prodigioso fenômeno, Saulo de Tarso contemplou os céus, embevecido.

O infinito azul do firmamento não era um abismo em cujo fundo brilhavam estrelas... A seus olhos, o espaço adquiria nova significação; devia estar cheio de expressões de vida, que ao homem comum não era dado compreender. Haveria corpos celestes, como os havia terrestres. A criatura não estava abandonada, em par­ticular, pelos poderes supremos da Criação. A bondade de Deus excedia a toda a inteligência humana. Os que se haviam libertado da carne voltavam do plano espiritual por confortar os que permaneciam a distância. Para Estevão, ele fora verdugo cruel; para Abigail, noivo ingrato. Entretanto, permitia o Senhor que ambos regressassem à paisagem caliginosa do mundo, reani­mando-lhe o coração. A existência planetária alcançava novo sentido nas suas elucubrações profundas. Ninguém estaria abandonado, Os homens mais miseráveis teriam no céu quem os acompanhasse com desvelada dedicação. Por mais duras que fossem as experiências humanas, a vida, agora, assumia nova feição de harmonia e beleza eternas.


A Natureza estava calma. O luar esplendia no alto em vibrações de encanto indefinível. De quando em quan­do, o vento sussurrava de leve, espalhando mensagens misteriosas. Lufadas cariciosas acalmavam a fronte do pensador, que se embevecia na recordação imediata de suas maravilhosas visões do mundo invisível.


Experimentando uma paz até então desconhecida, acreditou que renascia naquele momento para uma exis­tência muito diversa. Singular serenidade tocava-lhe o espírito. Uma compreensão diferente felicitava-o para o reinício da jornada no mundo. Guardaria o lema de Abigail, para sempre. O amor, o trabalho, a esperança e o perdão seriam seus companheiros inseparáveis. Cheio de dedicação por todos os seres, aguardaria as oportu­nidades que Jesus lhe concedesse, abstendo-se de pro­vocar situações, e, nesse passo, saberia tolerar a ignorân­cia ou a fraquezas alheias, ciente de que também ele carregava um passado condenável, que, nada obstante, merecera a compaixão do Cristo.
Emmanuel, extraído do livro Paulo e Estevão, psicografia de Chico Xavier.


 


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