quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

LIDAR COM A MORTE



Frederico Menezes
 
LIDAR COM A MORTE

 

Naturalmente que o fato de se ter conhecimento sobre a imortalidade da alma não significa insensibilidade, ser desprovido de emoções. A Convivência física, o estar ao lado no dia-a-dia, a experimentação de momentos em conjunto, o “hábito” do outro ao lado, tudo isso faz brotar um sentimento de tristeza e saudade em qualquer criatura. Ainda que tenhamos a convicção do reencontro, essa sensação é natural. O que difere na postura de quem possui a visão espiritual daquele que é materialista ou possui idéias muito vagas à respeito da vida após a morte, é a forma de lidar com a situação. A serenidade que acalma, dulcifica, ameniza a própria dor da separação temporária da convivência física está de alguma forma, presente em quem estuda e alicerça o conhecimento espiritual da vida. O desespero, o medo da definitiva separação, a angústia da incerteza atormenta os que possuem superficiais reflexos sobre a morte e o morrer.

A morte, fenômeno inevitável da natureza, mereceria um melhor estudo do homem a fim de que, compreendendo sua realidade pudéssemos lidar melhor com ela. Como a morte é encarada, particularmente, na cultura ocidental, ela se assemelha a uma violência da vida contra a vida. Até mesmo o instinto de sobrevivência se identifica como uma forma de tortura que a natureza nos teria dotado. O pavor que se expressa nas diversas culturas do planeta nasce de alguns elementos que necessitam ser revistos.
 
a) O medo do desconhecido – este é um dos fatores mais contundentes que nos faz encarar a morte como uma terrível ameaça. Com raras exceções, as religiões impregnaram suas doutrinas com uma pouca visibilidade à respeito da vida após a morte. A idéia vaga que é passada pelas religiões mais populares deixa nas mentes um “que” de dúvida, insegurança, incerteza. O que virá depois? Qual a minha situação após a morte? 

O Espiritismo estrutura uma gama de conhecimento à respeito da experiência na vida espiritual, que atua sobre a razão e ainda sustenta sua revelação de vida imortal em depoimentos trazidos por aqueles que já vivenciaram essa experiência, por intermédio dos médiuns. A concepção espírita, bem estudada, nos concede a serenidade, o que é extremamente importante, afinal, o temor de se tornar algo “despersonalizado”, sem memória, é o “monstro” que acena com o mergulho no “nada”, no desaparecimento. A ótica apresentada pelo Espiritismo é aquela que reconforta exatamente por mostrar (e comprovar) que os vínculos afetivos e referencial dos valores que conhecemos, permanecem. A existência prossegue, após o desenlace físico, como uma sequência da vida física, numa edição melhorada.

Após a morte, não encontramos um mundo bizarro, completamente exótico ou abstrato. Encontramos objetos e formas de manifestações da vida bem semelhante ao que temos no mundo material. Nos identificamos conosco mesmos, embora com características no corpo espiritual, mais ou menos aperfeiçoados. Sim, temos um corpo após a morte em tudo semelhante a este. O ser após o túmulo não é algo vago, uma fumaça. Ele é (ou continua a ser) o que é, com razão, consciência, sentidos, vida. O fato de nos confrontarmos com casas, hospitais, parques, flores, vestimentas, permanecendo nós mesmos e ainda, em geral, cercados por outros espíritos que conhecemos na terra como parentes, amigos, irmãos, etc., bem representa a previdência divina, evitando maiores traumas ao recém-desencarnado, auxiliando no reajuste psicológico e emocional da criatura. Naturalmente, após o período da readaptação, em que nos reacostumamos a vida livre do espírito e reaprendemos a pensar despojados da maior cota das referencias da vida física podemos atingir aspectos da vida espiritual que diferencia-se da existência na terra. Conhecemos outros elementos desconhecidos no mundo, mas aí já estaremos perfeitamente integrados à realidade espiritual. A luz, por exemplo, é um elemento que proporciona, na vida imortal, diversas variações, com belíssimos efeitos não apenas estéticos bem como práticos para a vida do espírito. A luz a tudo interpenetra e é perfeitamente compreensível a presença de luz, que na verdade são ondas energéticas e o espírito como todo o universo, é campo de energia. Bom, mas isso remontaria a um outro livro. Voltemos ao nosso singelo estudo sobre as causas do terrível medo da morte e a visão espírita sobre a grande passagem.

Conforme, ainda, os espíritos revelam, na vida após a sepultura, continuamos com vida social, vida de relação. A comunicação é elemento universal em qualquer dimensão. Por mais estranho possa parecer às pessoas afeitas a imaginar a vida pós morte como algo vago, amorfo, insípido e abstrato, os espíritos, prosseguindo no além a compartilhar, sentir, amar, conversar e se divertir é perfeitamente lógico. Não há rupturas na vida. A natureza é pródiga e o elemento base das almas que é o sentimento de relação, resultante da busca do amor permanece, com muito mais intensidade, na existência extra-física.

b) Medo de Sofrer – muitos temem a morte por conta de traumas de consciência. A própria cultura religiosa, durante milênios, têm estimulado uma visão punitiva da vida e a presença de um Deus punidor. E durante o triste período medieval com resquícios ainda na atualidade o temor do inferno junto a cultura do pecado enfronharam-se na intimidade dos seres, estabelecendo a vivência do pavor pela autocondenação.

O amor, a suavidade do orvalho divino que tudo permeia, ficou esquecido. Deus não possui defeitos humanos e sua solicitude atende-nos em múltiplas necessidades sempre. Claro que a lei de causa e efeito existe e a noção de responsabilidade não nos deixa eximir de nossos atos, porém devemos estar atentos que Deus é misericórdia e podemos, ainda, bem como devemos, trabalhar para uma correção de caminhos, não nos esquecendo da frase luminosa “o amor cobre a multidão de pecados”.

c) Medo Cultural – Os ritos que revestem os velórios e todo o aparato que se cultua nesses momentos até o chamado “campo santo” gera uma visão pavorosa. Desde pequeno, nos acostumamos a ver o corpo cadaverizado estirado, inerte, coberto de flores, com velas postadas estrategicamente ao derredor do caixão, o choro muitas vezes de desespero, particularmente, quando se encerra o velório e fecha-se o caixão, tudo isso compõe um quadro duro, nada piedoso e, o que é pior, nada esperançoso.

d) Identificação com a matéria – Ora, quando vemos o cadáver no velório, a pele esbranquiçada, com algodão nas narinas, sem o viço da vida, a imagem choca exatamente porque, em geral, os seres na terra se identificam profundamente com o corpo. É como se fôssemos o corpo. Quando este morre, somos imantados a idéia de que a morte significa que ficaremos frios, sem vida, seremos cadáver. Pior, colocarão as flores sobre nós, fecharão a tampa da esquife mortuária e a colocarão, enterrada, no cemitério. É uma idéia sofredora e que não corresponde à verdade.

Precisamos, desde já, nos desidentificar com o corpo. Ele é um instrumento e quando se cadaveriza não somos nós que estamos ali. Na verdade, ali, o ritual, é a simbologia. Não somos enterrados. Não estamos no caixão. Esta concepção é importante para auxiliar a entender melhor o processo do que chamamos morte. É verdade que existem situações muito específicas, em que o espírito após a morte, possa permanecer atado ao corpo cadaverizado, mas isso é algo muito específico como em situações extremas tais como suicídio, como mencionamos (vide o nosso livro: A outra vez em que morri – DPL) ou situações em que os vínculos físicos são potentes junto a alma extremamente sensual, vulgar, niilista, materialista. Ainda para esses casos, não falta a misericórdia Divina. Se buscarmos os valores que transcendem à matéria, desde já, então, tudo será facilitado. Estaremos voltando para casa. É o retorno ao grande lar. Sei que pode parecer estranho esta expressão mas creio ser esta uma grande definição à respeito da morte.

Frederico Menezes
Texto extraído do livro A Luz da Morte – Ed. DPL

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