Da
Maledicência
A Meada
Irmão X
- A conversação entre as duas
jovens senhoras se desenvolvia no ônibus.
- Você não pode imaginar o meu
amor por ele...
- Não posso concordar com você.
- Decerto que não me entende.
- Mas, Dulce, você chega a querer o Dionísio,
tanto quanto ao marido?
- Não tanto, mas não consigo passar sem os
dois.
- Meu Deus! Isso é coisa de casal sem
filhos!...
- É possível...
- Você não acha isso estranho,
inadmissível?
- Acho natural.
- Noto você demasiadamente
apegada, não é justo...
- Sei que você não me compreende...
- Simplesmente não concordo
. - Mas Dionísio...
- Isso é uma psicose...
Dona Dulce e a amiga, no entanto,
ignoravam que Dona Lequinha, vizinha de ambas, sentara-se perto e estava de
ouvido atento, sem perder palavra.
- De parada em parada. Cada uma volveu ao lar
suburbano, mas Dona Lequinha, ao chegar em casa, começou a fantasiar... Bem que
notara Dona Dulce acompanhada por um moço ao tomar o elétrico, aliás, pessoa de
cativante presença. Recordava-lhe as palavras derradeiras: “vá tranquila,
amanhã telefonarei...”
Cabeça quente, vasculhando
novidades no ar, aguardou o esposo, colega de serviço do marido de Dona Dulce,
e tão logo à mesa, a sós com ele para o jantar, surgiu novo diálogo:
- Você não imagina o que vi
hoje...
- Diga, mulher...
- Dona Dulce, calcule você!...
Dona Dulce, que sempre nos pareceu uma santa, está de aventuras...
- O quê?!...
- Vi com meus olhos...
Um rapagão a seguia mostrando
gestos de apaixonado e, por fim, no ônibus, ela própria se confessou a Dona
Cecília... Chegou a dizer que não consegue viver sem o marido e sem o outro...
Uma calamidade!...
- Ah! Mas isso não fica assim,
não! Júlio é meu colega e Júlio vai saber!...
A conversa transitou através de
comentários escusos e, no dia imediato, pela manhã, na oficina, o amigo ouve do
amigo o desabafo em tom sigiloso:
- Júlio, você me entende... Somos
companheiros e não posso enganá-lo... O que vou dizer representa um sacrifício
para mim, mas falo para seu bem... Seu nome é limpo demais para ser
desrespeitado, como estou vendo... Não posso ficar calado por mais tempo... Sua
mulher...
E o esposo escutou a denúncia,
longamente cochichada, qual se lhe enterrassem afiada lâmina no peito.
Agradeceu, pálido...
Em seguida, pediu licença ao
chefe para ir a casa, alegando um pretexto qualquer.
No fundo, porém, ansiava por um
entendimento com a esposa, aconselhá-la, saber o que havia de certo. Deixou o
serviço, no rumo do lar e, aí chegando, penetrou a sala, agoniado...
Estacou, de improviso.
A companheira falava,
despreocupadamente, ao telefone, no quarto de dormir:
“Ah! Sim!...”, “Não há problema”,
“Hoje mesmo”. “Às três horas”... “Meu marido não pode saber...”.
Júlio retrocedeu, à maneira de
cão espantado.
Sob enorme excitação, tornou à
rua.
Logo após, notificou na oficina
que se achava doente e pretendia medicar-se.
Retornou a casa e tentou o
almoço, em companhia da mulher que, em vão, procurou fazê-lo sorrir.
Acabrunhado, voltou a perambular
pelas vias públicas e, poucos minutos depois das três da tarde, entrou
sutilmente no lar...
Aflito, mentalmente
descontrolado, entreabriu devagarinho a porta do quarto e viu, agora
positivamente aterrado, um rapaz em mangas de camisa, a inclinar-se sobre o seu
próprio leito.
De imaginação envenenada,
concebeu a pior interpretação... O pobre operário recusou em delírio e, à
noite, foi encontrado morto num pequeno galpão dos fundos. Enforcara-se em
desespero...
Só então, ao choro de Dona Dulce,
o mexerico foi destrinçado.
Dionísio era apenas o belo gatinho angorá que
a desolada senhora criava com estimação imensa; o moço que a seguira até o
ônibus era o veterinário, a cujos cuidados profissionais confiara ela o animal
doente; o telefonema era baseado na encomenda que Dona Dulce fizera de um
colchão de molas, ao gosto moderno, para uma afetuosa surpresa ao marido, e o
rapaz que se achava no aposento íntimo do casal era, nem mais nem menos, o
empregado da casa de móveis que viera ajustar o colchão referido ao leito de
grandes proporções.
A tragédia, porém, estava
consumada e Dona Lequinha, diante do suicida exposto à visitação, comentou,
baixinho, para a amiga de lado:
- Que homem precipitado!...
Morrer por uma bobagem! A gente
fala certas coisas, só por falar!...
Do mal que se pensa e diz,
Cala as notícias que levas.
Conversação infeliz
É pasto à força das trevas.
Lulu Parola
Olhar de alguém, quando é bom,
Além da sombra se apruma,
Vê serviço em qualquer parte,
Não vê mal em parte alguma.
Augusto de Oliveira
Não basta que sua boca esteja
perfumada. É imprescindível que permaneça incapaz de ferir.
André Luiz
Idéias e Ilustrações Francisco
Cândido Xavier -