domingo, 31 de maio de 2020


ESPIRITISMO E DIVULGAÇÃO

O excelente advogado Joaquim Mota, espírita de convicção desde a primeira mocidade, possuía ideais muito próprias acerca de pensamento religioso. Extremamente sensível, julgava um erro expor qualquer definição pessoal, em matéria de fé. “Religião – costumava dizer – é assunto exclusivo de consciência”. E fechava-se. Na biblioteca franqueada aos amigos, descansavam tomos em percalina e dourados, reunindo escritores clássicos e modernos, em ciência e literatura. Conservava, porém, os livros espíritas isolados em velha cômoda do espaçoso quarto de dormir. Não agia assim, contudo, por maldade. Era, na essência, um homem sincero e respeitável, conquanto espírita à moda dele, sem a menor preocupação de militança. Espécie de ilha amena, cercada pelas correntes do comodismo. Encasquetara na cabeça o ponto de vista de que ninguém devia, a título algum, falar a outrem de princípios religiosos que abraçasse, e prosseguiu, vida a fora, repelindo qualquer palpite que o induzisse à renovação.

Era justamente a esse homem que fôramos confortar, dentro da noite.

Mota vinha de perder a companhia de Licínio Fonseca, recentemente desencarnado, o amigo que lhe partilhara vinte e seis anos de serviço no foro. Ambos amadurecidos na existência e na profissão, após os sessenta de idade, eram associados invariáveis de trabalho e de luta. Juntos sempre nos atos jurídicos, negócios, interesses, férias e excursões.

Sem o colega ideal, baqueara Mota em terrível angústia. Trancava-se em lágrimas, no aposento íntimo, ansiando vê-lo em espírito... E tanto rogou a concessão, em preces ocultas, que ali nos achávamos, em comissão de quatro cooperadores, com instruções para levá-lo ao companheiro.

Desligado cautelosamente do corpo, que se acomodara sob a influência do sono, embora não nos percebesse o apoio direto, foi Joaquim transportado à presença do amigo que a morte arrebatara.

No leito de recuperação do grande instituto beneficente a que fora recolhido, no Mundo Espiritual, Licínio chorou de alegria ao revê-lo, e nós, enternecidos, seguimos, frase a frase, o diálogo empolgante que se articulou, após o júbilo extrovertido das saudações.

- Mota, meu caro Mota – soluçou o desencarnado, com impressionante inflexão -, a morte é apenas mudança... Cuidado, meu amigo! Muito cuidado!... Quanto tempo perdi, em razão de minha ignorância espiritual!!... Saiba você que a vida continua!...

 - Mas eu sei disso, meu amigo – ajuntou o visitante, no intuito de consolá-lo -, desde muito cedo entrei no conhecimento da imortalidade da alma. O sepulcro nada mais é que a passagem de um plano para outro... Ninguém morre, ninguém... 

- Ah! você sabe então que o homem na Terra é um Espírito habitando provisoriamente um engenho constituído de carne? Que somos no mundo inquilinos do corpo? – indagou Licínio, positivamente aterrado.

 - Sei, sim...

- E você já foi informado de que quando nascemos, entre os homens, conduzimos ao berço as dívidas do passado, com determinadas obrigações a cumprir?

 - De modo perfeito. Muito jovem ainda, aceitei o ensinamento e a lógica da reencarnação...

 - Mota!... Mota!... – gritou o outro visivelmente alterado – você já consegue admitir que nossas esposas e filhos, parentes e amigos, quase sempre são pessoas que conviveram conosco em outras existências terrestres? Que estamos enleados a eles, frequentemente, para o resgate de antigos débitos?

 - Sim, sim, meu caro, não apenas creio... Sei que tudo isso é a verdade inconteste...

- E você crê nas ligações entre os que voltam para cá e os que ficam? Você já percebe que uma pessoa na Terra vive e respira com criaturas encarnadas de obsessão, entre os chamados vivos e mortos, raiando na loucura e no crime?!...

- Claramente, sei disso...

O interlocutor agarrou-lhe a destra e continuou, espantado:

- Mota! Mota! Ouça!... Você está certo de que a vida aqui é a continuação do que deixamos e fazemos? já se convenceu de que todos os recursos do plano físico são empréstimos do Senhor, para que venhamos a fazer todo o bem possível e que ninguém, depois da morte, consegue fugir de si mesmo?...

 - Sim, sim...

Nesse instante, porém, Licínio desvairou-se. Passeou pelo recinto o olhar repentinamente esgazeado, fêz instintivo movimento de recuo e bradou:

 - Fora daqui, embusteiro, fora daqui!...

O visitante, dolorosamente surpreendido, tentou apaziguá-lo:

- Licínio, meu amigo, que vem a ser isso? acalme-se, acalme-se... – Sou eu, Joaquim Mota, seu companheiro do dia-a-dia...

 - Nunca! Embusteiro, mistificador!... Se ele conhecesse as realidades que você confirma, jamais me teria deixado no suplício da ignorância... Meu amigo Joaquim Mota é como eu, enganado nas sombras do mundo... Ele foi sempre o meu melhor irmão!... Nunca, nunca permitiria que eu chegasse aqui, mergulhado em trevas!...

Mota, em pranto, intentava redarguir, mas interferimos, a fim de sustar o desequilíbrio e, para isso, era preciso afastá-lo de imediato.

Mais alguns minutos e o advogado reapossou-se do corpo físico. Nada de insegurança que o impelisse à idéia de sonho ou pesadelo. Guardava a certeza absoluta do reencontro espiritual. Estremunhado, ergueu-se em lágrimas e, sequioso de ar puro que lhe refrigerasse o cérebro em fogo, abriu uma das janelas do alto apartamento que lhe configurava o ninho doméstico.

Mota contemplou o casario compacto, onde, talvez, naquela hora, dezenas de pessoas estivessem partindo da experiência passageira do mundo para as experiências superiores da Vida Maior e, naquele mesmo instante da madrugada, começou a pensar, de modo diferente, em torno do Espiritismo e da sua divulgação.

Cartas e Crônicas
Irmão X
Francisco CÂNDIDO Xavier


Vida e Posse


Do câmbio da vida transparece a verdade incontroversa.


Nada possuis daquilo que reclamas.


E possuirás, ainda que não queiras, tudo o que cedes de ti, sem qualquer intenção de recompensa.


O egoísmo grita e perde na medida em que a abnegação prende e atrai.


Emmanuel

sábado, 30 de maio de 2020


Benefícios Imediatos


Entre o Aprendiz e o Orientador se estabeleceu precioso diálogo:

- Instrutor, qual é a força que domina a vida?

- Sem dúvida, é o amor.

- Esse poder tudo resolve de pronto?

- Entre as criaturas humanas, de modo geral, ainda existem problemas, alusivos ao amor que demandam muito tempo a fim de que se atinja a solução no campo do entendimento.

- E qual o recurso máximo que nos garante segurança entre as desarmonias do mundo? A fé.

- Pode a fé ser obtida, do momento para outro?

- Não é assim. A confiança raciocinada reclama edificação vagarosa no curso dos dias.

- A que fator nos cabe recorrer, para que se nos conservem o ânimo de servir entre os conflitos da existência? - A paz.

- E a paz surge espontânea?

- Também não. Ninguém conhece a verdadeira paz sem trabalho e todo trabalho pede luta.

- Então, Instrutor, não existe elemento algum no mundo que nos assegure benefícios imediatos?

- Existe.

- Onde está esse prodígio, se vejo atritos por toda parte, na Terra?

O Mentor fez expressivo gesto de compreensão e rematou:

- Filho, a única força capaz de proporcionar-nos triunfos imediatos, em quaisquer setores da vida, é a força da paciência.

Emmanuel

Do livro Pronto Socorro - Francisco Cândido Xavier.

sexta-feira, 29 de maio de 2020


AJUDA, PERDOA E PASSA


Se alguém te fere e apedreja,
Lançando-te fel à taça,
Não te detenhas na queixa,
Ajuda, perdoa e passa.

Escárnio? Provocação?
Disputa, sombra e arruaça?
Não te canses de servir...
Ajuda, perdoa e passa.

Se o ridículo te expõe
À aleivosia da praça,
Cultiva o bem com fervor,
Ajuda, perdoa e passa.

Quando a aflição te visite
Na injúria que te ameaça,
Trabalha e espera o futuro,
Ajuda, perdoa e passa.

Ante as fogueiras que surgem,
Quando o ódio sai à caça,
No silêncio da oração,
Ajuda, perdoa e passa.

Se a calúnia te persegue,
Na lama com que te enlaça,
Desculpa incessantemente,
Ajuda, perdoa e passa.

O culto da caridade
É a nossa eterna couraça.
Vencendo perturbações,
Ajuda, perdoa e passa.

Aos obreiros do Evangelho
A treva nunca embaraça.
Quem segue com Jesus-Cristo
Ajuda, perdoa e passa.

Casimiro Cunha Fonte: Xavier, Francisco Cândido. Correio Fraterno. 5 ed., Rio de Janeiro: FEB, 1998, cap. 10, p. 31-32.

quinta-feira, 28 de maio de 2020


A MAIOR DÁDIVA

Na assembleia luzida do Templo de Jerusalém, os descendentes do povo escolhido exibiam generosidade invulgar à frente da preciosa arca de contribuições públicas.

Todos traziam algum tributo de consideração ao Santo dos Santos, cada qual mostrando a liberalidade da fé.

Vestes de linho e valiosas peles, enfeites dourados e aromas indefiníveis impunham, ali, deliciosas impressões aos sentidos.

Os fariseus, sobretudo, demonstravam apurado zelo no culto externo, destacando-se pela beleza das túnicas e pelos ricos presentes ao santuário.

Jesus e alguns discípulos, de passagem, acompanhavam as manifestações populares, com justificado interesse. E Judas, entre eles, empolgado pelo volume das oferendas, abeirava-se do cofre aberto, seguindo os menores movimentos dos doadores, com a cobiça flamejante no olhar.

A certa altura, aproximou-se do Messias e informou-o:

– Mestre: Jeroboão, o negociante de tapetes, entregou vinte peças de ouro!...

– Abençoado seja Jeroboão – acentuou Jesus, sereno –, porque conseguiu renunciar a excesso apreciável, evitando talvez pesados desgostos. O dinheiro demasiado, quando não se escora no serviço aos semelhantes, é perigoso tirano da alma.

O discípulo voltou ao posto de observação, com indisfarçável desapontamento, mas, decorridos alguns instantes, reapareceu, notificando:

– Zacarias, o velho perfumista, sentindo-se enfermo e no fim dos seus dias, trouxe cem peças!...

– Bem-aventurado seja ele – disse o Cristo, em tom significativo –, mais vale confiar a fortuna aos movimentos da fé que legá-la a parentes ambiciosos e ingratos... Zacarias prestou incalculável benefício a ele mesmo.

Judas tornou, de moto próprio, à fiscalização para comunicar, logo após, ao grupo galileu:

– A viúva de Cam, o mercador de cavalos que faleceu recentemente, acaba de entregar todo o dinheiro que recebeu dos romanos pela venda de grande partida de animais.

E, baixando o tom de voz, completava, cauteloso, o apontamento: – Dizem por aí que alguns centuriões planejavam roubar-lhe os bens... Jesus sorriu e considerou:

– Muitos recursos amontoados sem proveito provocam as sugestões do mal. Feliz dela que soube preservar-se contra os malfeitores.

O aprendiz curioso regressou à posição e retornou, loquaz:

– Mestre: Efraim, o levita de Cesaréia, entregou duzentas moedas! Duzentas!... 

– Bem-aventurado seja Efraim – falou o Amigo Divino, sem afetação –, é grande virtude saber dar o que sobra, em meio de tantos avarentos que se rejubilam à mesa, olvidando os infelizes que não dispõem de uma côdea de pão!...

Nesse instante, penetrou o Templo uma viúva paupérrima, a julgar pela simplicidade com que se apresentava.

Diante do sorriso sarcástico de Judas, o Senhor acompanhou-a, de perto, no que foi seguido pelos demais companheiros.

A mulher humilde orou e apresentou duas moedinhas ao fausto religioso do santuário célebre.

Muitos circunstantes riram-se, irônicos, mas Jesus apressou-se a esclarecer:

– Em verdade, esta pobre viúva deu mais que todos os poderosos aqui reunidos, porquanto não vacilou em confiar ao Templo quanto possuía para o sustento próprio.

A observação caridosa e bela congelou a crítica reinante.

Pouco a pouco, o recinto enorme tornou à calma.

Israelitas nobres e sem nome abandonaram, rumorosamente, o domicílio da fé.

Jesus e os apóstolos foram os derradeiros na retirada.

Quando se dispunham a deixar a enorme sala vazia, eis que uma escrava de rosto avelhentado e passos vacilantes surgiu no limiar para atender à limpeza.

Movimenta-se em minutos rápidos.

Aqui, recolhe flores esmagadas, além, absorve em panos úmidos os detritos deixados por enfermos descuidados.

Tem um sorriso nos lábios e a paciência no olhar, brunindo o piso em silêncio, para que o ar se purificasse na sublime residência da Lei.

Pedro, agora a sós com o Messias, ainda impressionado com as lições recebidas, ousou interrogar:

– Senhor, foi então a viúva pobre a maior doadora no Templo de nosso Pai?

– Realmente – elucidou Jesus, em tom fraterno –, a viúva deu muitíssimo, porque, enquanto os grandes senhores aqui testemunharam a própria vaidade, com inteligência, desfazendo-se de bens que só lhes constituíam embaraço à tranquilidade futura, ela entregou ao Todo-Poderoso aquilo que significava alimento para o próprio corpo...

Em seguida a leve pausa, apontou com o indicador a serva anônima que se incumbia da limpeza sacrificial e concluiu:

– A maior benfeitora para Deus, aqui, no entanto, ainda não é a viúva humilde que se desfez do pão de um momento... É aquela mulher dobrada de trabalho, frágil e macilenta, que está fornecendo à grandeza do Templo o seu próprio suor...

Do livro Pontos e Contos – Irmão X / Chico Xavier

quarta-feira, 27 de maio de 2020


EM HONRA DO IDEAL

 Joana de Ângelis

Estás convocado para a construção de um mundo melhor. Desse modo, penetrarás no mundo a que realmente aspiras. Exulta, entusiasmado, e não te detenhas.

Afasta o verbo da crítica destruidora e defende a concha dos teus ouvidos contra as acusações injustas. Não te deixes atingir pela perseguição gratuita. Só os desocupados dispõem de tempo para a inutilidade das defesas inoperantes.

Observa a vida dos heróis e dos desbravadores. Todos passaram incompreendidos e desrespeitados. O riso de uns poucos arraigados ao cepticismo e a ignorância de muitos parvos explodiram, muitas vezes, em gargalhadas com que procuravam humilhá-los. A mordacidade, porém, foi vencida pelo vero ideal que eles defenderam, e as gerações futuras o confirmaram.

Cinco séculos antes de Jesus Cristo, Aristarco de Samos já pregava o Sistema Heliocêntrico. No entanto, não faz muito, Galileu foi constrangido a negar tal verdade. Quando Eratóstenes, com instrumentos rudimentares e primitivos, calculou a circunferência da Terra em 39.690 quilômetros, foi considerado louco. A Ciência contemporânea, dispondo dos mais perfeitos aparelhos, mediu essa mesma circunferência, que é de 40.075 quilômetros...
Hiparco afirmou que o ano solar era de 365 dias e 1/4, menos 4 minutos e 48 segundos. Foi ridicularizado. Comprovou-se recentemente um engano... mas de apenas seis minutos.

Pregando a doutrina do amor universal, Jesus, a sós, foi crucificado e relegado ao escárnio dos séculos. Todavia, a Humanidade do futuro se encarregaria de recuperá-lO para a felicidade dos tempos.

Sai a campo. Respeita o tempo, usando-o com propriedade. Valoriza as pequenas coisas positivas. Desenvolve as qualidades de serviço pessoal. E não estaciones ante o pessimismo dos derrotistas ou a falsa superioridade dos triunfadores da ilusão.

A tua fé te fala da excelência do dever cristão. Não podes temer. Sempre surgirão acusadores pelo caminho e dificuldades repontarão frequentes pela estrada. Integra-te no objetivo a conquistar e não pares. Vozes aparentemente credenciadas te acusarão. Zombarão do teu caráter. Zurzirão sobre a tua conduta. Não lhes dês caso.

Embora adereçados e guardados em tecidos custosos, com tênue verniz social, são o que são.  Muitos cães usam coleiras preciosas engastadas de gemas caras, mas continuam cães. Incitato, embora dormisse num palácio e comesse em salvas de prata, não foi além de cavalo. Artifícios não modificam realidades. Calçados de salto alto não adicionam altura real ao corpo reduzido. Uma baia de cristal e ouro não altera a qualidade da ração para os animais.
Em razão disso, liga-te ao bem legítimo, mesmo que vertas lágrimas de sangue... Difunde a verdade, estimula a ordem, elabora o serviço nobre, conclama ao dever, desculpa a ignorância, ama sempre e insiste nos postulados do Cristianismo puro.

Há muito solo a desbravar e muito trabalho a desenvolver em favor do futuro. Sorri e desculpa, fazendo o melhor dos teus melhores esforços, e prossegue sempre.

E, se porventura não atingires o clímax dos teus desejos em forma de contemplação dos triunfos almejados, por tombares nas refregas rudes e necessárias, outros continuarão o teu trabalho, permitindo-te contemplar da Esfera Melhor, aureolado de bençãos, as tarefas ontem interrompidas a se desdobrarem abençoadas por outros corações que seguem resolutos e gratos ao teu heroísmo anônimo.

Psicografia de DIVALDO P. FRANCO, do livro MESSE DE AMOR.

terça-feira, 26 de maio de 2020


Mensagem

Pandemia está no ar,
São tantas as reflexões...
Tudo chega a parar,
Naufragar de emoções...

Mensagens da espiritualidade,
Momentos de união.
Há expressões de bondade,
Famílias em aproximação.

Tantas provas no caminho,
Perdas, desemprego, dor...
Porém fica o carinho
De Jesus, Nosso Senhor!

Uma nova humanidade,
Aquela Nova Jerusalém...
Qual seja a finalidade,
A vitória é do bem!

Falanges de Bezerra,
Eurípedes e tantos mais.
Tenhamos sempre a certeza:
Somos seres imortais!

Tudo passa, fica a flor,
Poesia da esperança.
É a mensagem do amor:
Que venha a bonança!

Herlen Lima

segunda-feira, 25 de maio de 2020

Quando o Filho se torna Pai de seu Pai


Há uma quebra na história familiar onde as idades se acumulam e se sobrepõem e a ordem natural não tem sentido: é quando o filho se torna pai de seu pai.

É quando o pai envelhece e começa a trotear como se estivesse dentro de uma névoa. Lento, devagar, impreciso.

É quando aquele pai que segurava com força nossa mão já não tem como se levantar sozinho. É quando aquele pai, outrora firme e instransponível, enfraquece de vez e demora o dobro da respiração para sair de seu lugar.

É quando aquele pai, que antigamente mandava e ordenava, hoje só suspira, só geme, só procura onde é a porta e onde é a janela – tudo é corredor, tudo é longe.

É quando aquele pai, antes disposto e trabalhador, fracassa ao tirar sua própria roupa e não lembrará de seus remédios.

E nós, como filhos, não faremos outra coisa senão trocar de papel e aceitar que somos responsáveis por aquela vida. Aquela vida que nos gerou depende de nossa vida para morrer em paz.

Todo filho é pai da morte de seu pai.

Ou, quem sabe, a velhice do pai e da mãe seja curiosamente nossa última gravidez. Nosso último ensinamento. Fase para devolver os cuidados que nos foram confiados ao longo de décadas, de retribuir o amor com a amizade da escolta.

E assim como mudamos a casa para atender nossos bebês, tapando tomadas e colocando cercadinhos, vamos alterar a rotina dos móveis para criar os nossos pais.

Uma das primeiras transformações acontece no banheiro.

Seremos pais de nossos pais na hora de pôr uma barra no box do chuveiro.

A barra é emblemática. A barra é simbólica. A barra é inaugurar um cotovelo das águas.

Porque o chuveiro, simples e refrescante, agora é um temporal para os pés idosos de nossos protetores. Não podemos abandoná-los em nenhum momento, inventaremos nossos braços nas paredes.

A casa de quem cuida dos pais tem braços dos filhos pelas paredes. Nossos braços estarão espalhados, sob a forma de corrimões.

Pois envelhecer é andar de mãos dadas com os objetos, envelhecer é subir escada mesmo sem degraus.

Seremos estranhos em nossa residência. Observaremos cada detalhe com pavor e desconhecimento, com dúvida e preocupação. Seremos arquitetos, decoradores, engenheiros frustrados. Como não previmos que os pais adoecem e precisariam da gente?

Nos arrependeremos dos sofás, das estátuas e do acesso caracol, nos arrependeremos de cada obstáculo e tapete.

E feliz do filho que é pai de seu pai antes da morte, e triste do filho que aparece somente no enterro e não se despede um pouco por dia.

Meu amigo José Klein acompanhou o pai até seus derradeiros minutos.

No hospital, a enfermeira fazia a manobra da cama para a maca, buscando repor os lençóis, quando Zé gritou de sua cadeira:

 - Deixa que eu ajudo.

Reuniu suas forças e pegou pela primeira vez seu pai no colo.

Colocou o rosto de seu pai contra seu peito.

Ajeitou em seus ombros o pai consumido pelo câncer: pequeno, enrugado, frágil, tremendo.

Ficou segurando um bom tempo, um tempo equivalente à sua infância, um tempo equivalente à sua adolescência, um bom tempo, um tempo interminável.

Embalou o pai de um lado para o outro.

Aninhou o pai.

Acalmou o pai.

E apenas dizia, sussurrado:

- Estou aqui, estou aqui, pai!

O que um pai quer apenas ouvir no fim de sua vida é que seu filho está ali.

"Feliz do filho que é pai de seu pai antes da morte, e triste do filho que aparece somente no enterro e não se despede um pouco por dia."

Fabrício Carpinejar

domingo, 24 de maio de 2020


O INSTRUMENTO.

Onde estiveres agradece ao Senhor o instrumento da purificação.

Ninguém vive sem ele.

Aqui, é o esposo de trato difícil.

Além, é a companheira de presença desagradável.

Acolá, é o filho rebelde.

Mais além é a filha inconsequente.

Hoje, é o amigo que se confiou à incompreensão.

Amanhã, será o chefe áspero.

Depois, será o subalterno distraído.

Agora, é o companheiro que desertou.

Mais tarde será o adversário, compelindo-te à aflição.

Silencia, aproveita e segue adiante.

A pedra recebe do martelo que a estilhaça, a dignidade com que se faz útil à construção.

O metal deve a pureza que lhe é próprio ao cadinho esfogueante que o martiriza.

Não olvides que o corpo é o santuário de possibilidades divinas em que temporariamente te refugias para recolher a lição do progresso.

Cada caminho cede lugar a outro caminho.

Cada experiência conduz a experiência maior.

Toda luta é pão espiritual e toda dor é impulso a sublime ascensão.

Aprendamos, pois, a entesourar os dons da vida, respeitando os ensinamentos que o mundo nos impõe, na certeza de que, entre a humildade e o trabalho, alcançaremos um dia, os cimos da glória eterna.

SCHEILLA.

sábado, 23 de maio de 2020


PRONTO SOCORRO.


Quem se refere a influência perniciosas é compelido a reconhecer os mais estranhos acidentes morais em toda parte, através da ingestão de corrosivos do pensamento.

Provindas de encarnados ou desencarnados vagueiam culturas corruptoras, aqui e acolá, desenvolvendo nos ambientes mais luzidos, a atmosfera pestilencial que fecunda os germes do crime ou prepara a intromissão da enfermidade e da morte.

Agora, é o vírus sutil da maledicência recolhendo as almas desprevenidas, na rede das trevas, de que escorre a lama da calúnia destruidora...

Depois, é o veneno do juízo precipitado, em torno das atitudes alheias, inflamando a cólera que se arma de violência para estender a injustiça...

Aqui, é o mordo do desalento, achacando corações simples e bem formados, por intermédio de queixas infindáveis e deprimentes, instalando a vitória da preguiça em prejuízo das boas obras...

Ali, é o fel da discórdia, a verter da boca insensata, projetando lodo na senda se companheiros esperançosos e amigos, para que todos os planos do bem desçam da claridade em que se esboçam para a sombra do mal que os asfixia no nascedouro...

Lembra-te, pois, de semelhantes perigos que surgem a cada passo e constrói na própria alma o pronto socorro, capaz de atender a necessidade dos outros preservando a ti mesmo, contra o desequilíbrio calamitoso.

Neste refúgio assistencial de emergência, disporás do silêncio e do perdão, da frase benevolente e do entendimento conciliador, do consolo e da prece, como digna medicação a aplicar em regime de urgência justa.

Conserva, assim, essa farmácia de compreensão e fraternidade no imo do próprio ser e arrancarás muita gente do trauma letal da crueldade e do ódio, da miséria e da ignorância, como servidor genuíno do Mestre Inolvidável que elegeu no amor puro o grande roteiro de nossa libertação do passado para a conquista do celeste porvir, em perenidade de luz.

EMMANUEL.

sexta-feira, 22 de maio de 2020


BARRAGEM.


Quanto mais se adianta a civilização, mais extensos se fazem os processos de controle em todos os distritos da atividade humana.

O trânsito obedece a sinais previamente estudados.

Comutadores alteram a direção da corrente elétrica.

Automóveis usam freios altamente sensíveis.

Locomotivas correm sobre linhas condicionadas.

Simples engenhos de utilidade doméstica funcionam guardados por implementos protetores.

Em toda parte, surgem sistemas de cautela e defesa evitando perturbações e desastres.

Semelhantes apontamentos induzem-nos a aceitar o imperativo de governo à força mental, cujo destempero não somente inutiliza as melhores oportunidades daqueles que a transfiguraram em rebenque magnético da revolta, mas também azeda os ânimos, em torno, urtigando-lhes o caminho.
Cólera é sempre porta aberta ao domínio da obsessão.

Consultemos as penitenciárias, onde jazem segregados milhares de companheiros que lhe caíram sob as marteladas destruidoras: entrevistemos os suicidas, degredados em regiões de arrependimento e regeneração além-túmulo; ouçamos muitos daqueles que largaram inesperadamente o corpo físico ou foram colhidos pela morte obscura e escutemos grande parte dos alienados mentais que vagueiam em casas de tratamento e repouso, quais mutilados do espírito, relegados à periferia da vida e encontraremos a explosão arrasadora da cólera na gênese de todos os suplícios que lhe garroteiam a alma...

Consideramos tudo isso e toda vez que a irritação nos acene de longe, ofereçamos de pronto à inundação dos pensamentos de agressividade e revide, violência e desespero, um anteparo silencioso com a barragem da prece.

EMMANUEL.

quinta-feira, 21 de maio de 2020


JUSTOS E INJUSTOS.

Cada manifestação da criatura atende a objetivo determinado conforme as necessidades da experiência.

Todo gesto traz significação particular.

Toda intenção é potencial de procedimento.

Quem ostente conhecimento nobre ou paz interior, já surpreende em si mesmo, força e razão para engrandecer a própria estrada. Todavia, o espírito que se entregou às tendências infelizes, baldo de estímulos que aniquilem a rotina da angústia, carece de mão amiga e recurso salvador para empreender a grande libertação.

Assim, Jesus, envergando a condição de santificante sabedoria, demandou os corações imersos nos cipoais da perturbação entretecida por eles próprios, repontando nos caminhos humanos qual facho de claridade imarcescível, retificando roteiros, dulcificando sentimentos, burilando instintos e incentivando renovações.

E, após o patíbulo da cruz, permanece conosco em toda circunstância, sorrindo ou sofrendo com os nossos atos.

Estende socorro ao caído sob o jugo de hábitos viciosos...

Reacende o lume da confiança na consciência ergastulada no desespero, tanto na Terra quanto no mundo Espiritual.

Fortalece os ideais superiores que bruxuleiam nas almas, estendendo a luz a quem tropeça em sombras...

Compreende os fortes, mas solidariza-se com os oprimidos de todas as procedências...

Não só ergue a misericórdia, mas exalta igualmente a justiça, transfundindo a loucura em bom senso.

Distribui a côdea de pão e cartilha do ensinamento, na sustentação do clima do amor e da verdade...

Eis porque, disse-nos o Mestre: - “Eu não vim chamar os justos, mas sim os pecadores”.

Quando a dor e a ansiedade surgirem violentando-nos o ser, saibamos contrapor a pureza de nossa fé e a chama de nosso ideal às condições exíguas e superficiais dos testemunhos terrestres, convictos de que o ensinamento do Mestre é esclarecimento para as mentes ensombrecidas e ensejo Benedito de passarmos da condição de injustos e transviados para entendedores das Leis Divinas e cooperadores leais da Obra da Criação.

AUGUSTO SILVA.

quarta-feira, 20 de maio de 2020


REENCONTRO COM DEUS

ADÉLIO NEVES

Deus, passei tanto tempo te procurando, não sabia onde estavas.
Olhava para o infinito, não te via, e pensava comigo mesmo:
“Será que tu existes?”
Não me contentava na busca e prosseguia.
Tentava te encontrar nas religiões e nos templos,
Tu também não estavas.
Te busquei através dos sacerdotes e pastores,
Também não te encontrei.
Senti-me só, vazio, desesperado e descri.
E na descrença, tropecei.
E no tropeço caí.
E na queda, senti-me fraco.
Fraco, procurei socorro.
No socorro encontrei amigos;
Nos amigos encontrei carinho;
No carinho, vi nascer o amor.
Com amor, vi um mundo novo.
E no mundo novo resolvi viver.
O que recebi, resolvi doar.
Doando alguma coisa, muito recebi.
E recebendo, senti-me feliz.
E ao ser feliz encontrei a paz.
E tendo paz foi que enxerguei
Que dentro de mim é que tu estavas,
Foi em mim que, sem procurar,
Eu te encontrei.

(Retirado do Epílogo do livro ‘QUE É DEUS? – Eliseu F.Mota Júnior – Ed. Casa Editora O Clarim – 3ª edição – maio/2007)

terça-feira, 19 de maio de 2020



VIVER COM SERENIDADE

No tumulto, que ruge desenfreado, precata-te na serenidade.

Ante o clamor das mil vozes da anarquia, que engrossa as fileiras da alucinação, mantém-te em serenidade.
Sob as tempestades da dor generalizada ou a coerção de aflições que pressionam, preserva a serenidade.
No meio do vozerio, que reclama e blasfema sob falso fundamento de justiça ou não, vive com serenidade.
Na conjuntura de expectativas malsãs, ante o desalinho que se faz lugar comum, insiste na serenidade.
Porque todos se descontrolem, ameaçando a harmonia geral, não percas a serenidade.
Serenidade em qualquer situação. Serenidade com Deus.
Certamente não é fácil uma atitude pacifista quando se enfrenta a agressão asselvajada.
Sem dúvida é um desafio sustentar o equilíbrio sob o açodar da violência primitiva.
Ninguém nega a dificuldade em permanecer com nobreza em meio às viciações que grassam, dominadores.
Quem, no entanto, conhece Jesus, tem um compromisso com a serenidade de que Ele deu mostras em todos os transes da Sua vida.
A identificação com o Mestre impõe a consciência do discernimento em meio à malversação dos valores que se desatinam, em desconcerto.
A afinidade com o Cristo reveste o indivíduo de fortaleza moral para permanecer no posto fiel da paz.
Ninguém se justifique em face das armadilhas em que tomba.
Ninguém se escuse do esforço que deve envidar, preservando a integridade.
Ninguém procure desculpas para tombar no redemoinho das paixões dissolventes.
Os mecanismos de evasão fazem-se uma atitude cômoda, amolentada, diante das dissonantes composturas morais que se estabelecem na Terra com o beneplácito dos cristãos...
A serenidade em tudo, caracteriza o amadurecimento do Espírito na forja dos testemunhos, disposto, realmente, a atingir o ponto final da sua difícil trajetória.
Só uma decisão finalista e argamassada no desejo honesto de não cair, de não desistir, de não asselvajar-se, leva o homem ao planalto da serenidade, em que o Mestre aguarda todos quantos se candidatam ao Reino.
Considerando a gravidade do momento que se vive no planeta angustiado, a serenidade é uma eficiente medicação de emergência para evitar o contágio dos males que predominam nos corações.
Com ela, todos teremos forças para os cometimentos elevados que a vida nos propõe em forma de testes para o nosso aprimoramento íntimo. E quando esta serenidade parecer desequilibrar-se, busca a oração que imana o homem ao Senhor numa sublime osmose, e absorverás o fluido pacificador que verte do Pai, recompondo-te, para prosseguir.

Joanna de Ângelis, psicografia de Divaldo P. Franco.