A LENDA DO PODER
A assembléia familiar comentava a
difícil situação dos Espíritos revoltados que se habituam ao azedume crônico
por vasta fieira de encarnações sucessivas, quando João de Kotchana,
experimentado instrutor de cristãos desencarnados, nas regiões da Bulgária,
contou-nos, entre sensato e otimista:
- Temos nós antiga lenda que
adaptarei ao nosso assunto para a devida meditação... Dizem que Deus, quando
começou a repartir os dons da vida, entre os primeiros homens dos primeiros
grandes agrupamentos humanos constituídos na Terra, decretou fôsse concedido
aos Bons o Poder Soberano.
Informados de que o Supremo
Senhor estava fazendo concessões, os Corajosos acudiram apressados à Divina
Presença, solicitando o quinhão que lhes seria adjudicado.
- Que desejais, filhos meus? –
indagou o Eterno.
- Senhor, queremos o Poder
Supremo.
- Essa atribuição – explicou o
Todo-Misericordioso – já concedi aos Bons; eles unicamente conseguirão governar
o reino dos corações, o território vivo do espírito, onde se exerce o poder
verdadeiro.
- Ah! Senhor, e nós? Que será de
nós, os que dispomos de suficiente ousadia para comandar os distritos da
existência e transformá-los?
- Não posso revogar uma ordem que
expedi – observou o Onipotente -, entretanto, se não vos posso confiar o Poder
Soberano, concedo-vos um encargo dos mais importantes, a Autoridade. Ide em
paz.
Espalhou-se a notícia e vieram os
Intelectuais ao Trono Excelso.
O Todo-Poderoso inquiriu quanto
ao propósito dos visitantes e a resposta não se fêz esperar:
- Senhor, aspiramos à posse do
Poder Soberano.
– Impossível. Essa prerrogativa foi
concedida ao Bons. Só eles lograrão renovar as outras criaturas em meu nome.
E porque os Intelectuais
perguntassem respeitosamente com que recurso lhes seria lícito operar. Deus
entregou-lhes o domínio da Ciência.
Veio, então, a vez dos
Habilidosos. Com vasta representação, surgiram diante do Pai e, como fôssem
questionados quanto ao que pretendiam, responderam veementemente:
- Senhor, suplicamos para nós o
Poder Soberano.
O Todo-Bondoso relacionou a
impossibilidade de atender, mas deu-lhes o Engenho.
Depois, acorreram os Imaginosos
ao Sagrado Recinto e esclareceram que contavam para eles com a mesma cobiçada
atribuição.
O Todo-Amoroso respondeu pela
negativa afetuosa; no entanto, brindou-os com a luz da Arte.
Logo após, os Devotados chegaram
ao Augusto Cenáculo e rogaram igualmente se lhes conferisse a faculdade do
mando, e recolheram a mesma recusa, em termos de extremado carinho; contudo, o
Todo-Misericordioso outorgou-lhes o talento bendito do Trabalho.
Em seguida, os Revoltados, que
não procuravam senão defeitos e problemas transitórios na obra da Vida – os
problemas e defeitos que Deus sanaria com o apoio do Tempo, de modo a não ferir
os interesses dos filhos mais ignorantes e mais fracos - compareceram perante o
Supremo Doador de Todas as Bênçãos e, em vista de se mostrarem com agressiva
atitude, a voz do Pai se fêz mais doce ao perguntar-lhes:
- Que desejais, filhos meus?
Os Revoltados retrucaram
duramente:
- Senhor, exigimos para nós o
Poder Soberano.
- Isso pertence aos Bons – disse
o Todo-Sábio -, pois somente aqueles que dispõem de suficiente abnegação para
esquecer os agravos que se lhes façam, prosseguindo infatigáveis no cultivo do
bem aos semelhantes, guardarão consigo o poder de governar os corações... No
entanto, meus filhos, tenho outros dons para conceder-vos...
Antes, porém, que o Supremo
Senhor terminasse, os ouvintes gritaram intempestivamente:
- Não aceitamos outra coisa que
não seja o Poder soberano. Queremos dominar, dominar... Fora do poder, o resto
é miséria...
O Onipotente fitou cada um dos
circunstantes, tomado de compaixão, e declarou, sem alterar-se:
- Então, meus filhos, em todo o
tempo que estiverdes na condição de Revoltados, tereis convosco a miséria...
E, desde essa ocasião, rematou
Kotchana, todo espírito, enquanto rebelado, não tem para si mesmo senão o
azedume da queixa e a penúria do coração.
***
Ouvi a lenda, retiro o
ensinamento que me toca e ofereço a peça aos companheiros reencarnados na
Terra, que porventura sejam ainda inutilmente revoltados quanto tenho sido e já
não quero mais ser.
IRMÃO X
Estante da Vida
Francisco Candido Xavier.
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