O MENSAGEIRO DA ESTRADA
Mediunidade a serviço dos
semelhantes!
Diz você que isso custa caro, e
fala em renúncia e problemas pessoais. Mas, esquecer-se-á você dos benefícios
que os dotes medianímicos trazem a todos aqueles que os mobilizam na extensão
das boas obras? Olvidará quantas vezes a empresa do bem lhe arrebatou o coração
às garras do mal? Pense nisso, meu caro missivista, e não atire fora as suas
vantagens que superam de muito os obstáculos que, porventura, lhe estorvem a
vida.
A esse respeito, conto a você, em
versão nova, uma lenda antiga que corre o mundo cristão, desde longo tempo.
***
Certo homem, que se reencarnara a
fim de educar-se em duras provas, quais sejam enfermidades, abandono e solidão,
montou a choupana que lhe serviria de casa à beira de estrada deserta e
poeirenta, a cavaleiro de fundo vale, onde uma fonte permanente mantinha no
chão seco larga faixa de verdura.
Viajores iam e vinham e, fôssem
eles ocupantes de carruagens, ou simplesmente pobres romeiros a pé, ei-los que
paravam junto ao casebre, contentes e agradecidos por encontrarem, ali, com o
homem solitário, uma bênção muito rara na região: a água pura.
O ermitão, em demonstrações de
bondade incessante, várias vezes, diariamente, descia a encosta agressiva até o
manancial e enchia o cântaro, regressando vereda acima, tão só no intuito de
oferecer água cristalina aos viajantes diversos.
Na faina de auxiliar, entrou em
contato com um Espírito angélico a quem o Senhor incumbira de velar por todos
os que transitassem pela extensa rodovia, e o eremita, profundamente emocionado
e feliz, passou a chamar-lhe Anjo da Estrada.
Estabeleceu-se para logo, entre
os dois, suave convívio. Nenhum dos passantes lhe via o celestial companheiro;
entretanto, para o solitário, aquele benfeitor espiritual se transformara em
presença sublime. Se cansado, eis que o Anjo lhe restaurava as energias; se
doente, recebia dele o remédio salutar. Se triste, recolhia-lhe as exortações
confortativas e, quando em dúvida sobre doenças e dificuldades naturais do
cotidiano, tomava-lhe as sugestões tocadas de amor. O Amigo do Céu descia com
ele até à fonte, tantas vezes quantas fôssem necessárias, ajudava-o a
transportar o grande vaso cheio, narrava-lhe histórias das Mansões Divinas,
recobria-lhe a alma de tranquilidade e júbilo sereno.
O tempo rolou e trinta anos
dobraram sobre aquela amizade entre duas criaturas domiciliadas em mundos
diferentes.
A estrada era sempre uma
estalagem da Natureza, albergando viajores que se renovavam constantemente, mas
o ermitão, conquanto satisfeito, mostrava agora a cabeleira branca e os ombros
caídos.
Certa feita, um homem prático, de
passagem pelo lugar, em lhe enxergando a cabeça vergada ao peso do cântaro
bojudo, observou-lhe, conselheiral:
- Amigo, porque um sacrifício
assim tão grande? Não seria melhor e mais justo transferir a casa para a fonte,
ao invés de buscar a fonte para casa?
O doador de água estremeceu de
alegria. Como não pensara nisso antes? Da idéia à realização mediaram poucos
dias... No entanto, em carregando o velho material da velha choca para a reentrância
do vale, ei-lo que vê o amigo angélico em lágrimas copiosas...
- Anjo bom, porque choras?
E a resposta veio célere:
- Pois, então, não percebes?
Concedeu-me o Senhor a tarefa de proteger as vidas de quantos se arriscaram na
estrada... Enquanto lá te achavas, oferecendo água límpida aos que viajam com
sede, tinha eu a permissão de trocar contigo as bênçãos da amizade.
Mas
agora... Se preferes o menor esforço, é forçoso que eu me resigne a distância
de ti, esperando que alguém se decida a cooperar comigo, junto dos viajores que
me cabe amparar na condição de zelador do caminho!...
O eremita não hesitou. Suspendeu
a mudança, tornou ao lugar primitivo, retomou a sua venturosa paz de espírito
ao pé da multidão anônima a que prestava serviço, e preferia trabalhar e ser
feliz, em companhia do mensageiro celeste. Com quem partiu para o Mais Além, no
dia em que lhe surgiu a morte do corpo.
***
Como é fácil de ajuizar e de ver,
meu caro amigo, abençoe a sua possibilidade de dessedentar os peregrinos da
romagem terrestre com as águas puras de fé viva, esclarecimento, pacificação e
consolo, sem se fixar nos eventuais sacrifícios que isso lhe custe. Você
compreenderá, um dia, que vale muito mais livrar-se alguém de aflições e
tentações, junto dos Espíritos Benevolentes e Amigos, que viver à conta de
nossas próprias imperfeições das existências passadas, e que é muito melhor
desencarnar sofrendo, mas servindo ao próximo, em favor da própria libertação
espiritual, que ter de acompanhar o desgaste repelente do corpo, a pouco e
pouco, em facilidade e descanso, para afundar, de novo, no momento da morte, na
corrente profunda de nossas paixões e desequilíbrios.
IRMÃO X
Estante da Vida
Francisco Candido Xavier
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