JESUS E SIMÃO
Retirava-se Jesus do lar de
Jeroboão, filho de Acaz, em Corazim, para atender a um pedido de socorro em
casa próxima, quando quatro velhos publicanos apareceram, de chofre,
buscando-lhe o verbo reconfortante.
Haviam recebido as notícias do
Evangelho do Reino, tinham fome de esclarecimento e tranquilidade, suplicavam
palavras que os auxiliassem na aquisição de paz e esperança.
O Mestre contemplou-lhes a veste
distinta e os rostos vincados de funda inquietação, e compadeceu-se.
Instado, porém, por mensageiros
que lhe requisitavam a presença à Excelso Benfeitor chamou Simão Pedro e
pediu-lhe, ante os consulentes amigos:
- Pedro, nossos irmãos chegam à procura de
renovação e de afeto... Rogo sejas, junto deles, o portador do Bem Eterno!...
Ampara-os com a verdade, prossigamos em nossa tarefa de amor...
O apóstolo relanceou o olhar
pelos circunstantes e, tão logo se viu a sós com eles, fêz-se arredio e
casmurro, esperando-lhes a manifestação.
Foi Eliúde, o joalheiro e mais
velho dos quatro, que se ergueu e solicitou com modéstia:
-Discípulo do Senhor, ouvimos a
Nova Revelação e temos o espírito repleto de júbilo!... Compreendemos que o
Messias Nazareno vem da parte do Todo-Poderoso arrancar-nos da sombra para a
luz, da morte para a vida... Que instruções e bênçãos nos dás, oh! dileto
companheiro das Boa Novas? Temos sede do reino de Deus que o Mestre anuncia!
Aclara-nos a inteligência, guia-nos o coração para os caminhos que devemos
trilhar!...
Simão, contudo, de olhar
coruscante, qual se fora austero zelador de consciências alheias, brandiu
violentamente o punho fechado sobre a mesa, e falou, ríspido:
- Conheço-vos a todos, oh!
víboras de Coramim!...
E, apontando o dedo em riste para
Eliúde, aquele mesmo que tomara a iniciativa do entendimento, acusou-o,
severamente:
- Que pretendes aqui, ladrão das
viúvas e dos órfãos? Sei que ajuntaste imensa fortuna à custa de aflições
alheias. Tuas pedras, teus colares, teus anéis!... que são eles senão as
lágrimas cristalizadas de tuas vítimas? Como consegues pronunciar o nome de
Deus?...
Voltando-se para o segundo, na
escala das idades, esbravejou:
- Tu, Moabe? A que viestes?
Ignoras, porventura, que não te desconheço a miséria moral? Como te encorajaste
a vir até aqui, após extorquir os dois irmãos, de quem furtaste os bens
deixados por teu pai? Esqueces de que um deles morreu consumido de 49 penúria e
de que o outro enlouqueceu por tua causa, sem qualquer recurso para a própria
manutenção?
Em seguida, dirigiu-se ao
terceiro dos circunstantes:
- Que buscas, Zacarias? Não te
envergonhas de haver provocado a morte de Zorobatel, o sapateiro, comprando-lhe
as dívidas e atormentando-o, através de execráveis cobranças, no só intuito de
roubar-lhe a mulher? Já tens o fruto de tua caça. Aniquilaste um homem e
tomaste-lhe a viúva... Que mais queres, infeliz?
E, virando-se para o último,
gritou:
- Que te posso dizer, Ananias? Há
muitos anos, sei que fazes o comércio da fome, exigindo que a hortaliça e o
leite subam constantemente de preço, em louvor de tua cupidez... Jamais te
incomodaste com as desventuradas crianças de teu bairro, que falecem na
indigência, à espera de tua caridade, que nunca apareceu!...
Simão alçou os braços para o
teto, como quem se propunha irradiar a própria indignação, e rugiu:
- Súcia de ladrões, bando de malfeitores!... O
Reino de Deus não é para vós!...
Nesse justo momento, Jesus
reentrou na sala, acompanhado de alguns amigos, e, entendendo o que se passava,
contemplou, enternecidamente, os quatro publicanos arrasados de lágrimas, ao
mesmo tempo que se abeirou do pescador amigo, indagando:
- Pedro, que fizeste?
Simão, desapontado à frente daqueles olhos
cuja linguagem muda tão bem conhecia, tentou justificar-se:
- Senhor, tu disseste que eu deveria amparar
estes homens com a verdade... - Sim, eu falei “amparar”, nunca te recomendaria
aniquilar alguém com ela...
Assim dizendo, Jesus aceitou o
convite que Jeroboão lhe fazia para sentar-se à mesa e, sorrindo, insistiu com
Eliúde, Moabe, Zacarias e Ananias para que lhe partilhassem a ceia.
Organizou-se, para logo, bela
reunião, na qual o verbo se mostrou reconfortante e enobrecido.
Conversando, o Mestre exaltou a
Divina Providência de tal modo e se referiu ao Reino de Deus com tanta beleza,
que todos os comensais guardavam a impressão de viver no futuro, em prodigiosa
comunhão de interesse e ideais.
Quando os quatro publicanos se
despediram, sentiam-se diferentes, transformados, felizes...
Jesus e Simão retiraram-se
igualmente e, quando se acharam sozinhos, passo a passo, ante as estrelas da
noite calma, o rude pescador exprobrou o comportamento do Divino Amigo,
formulando perguntas, através de longos arrazoados.
Se era necessário demonstrar
tanto carinho para com os maus, como estender auxílio aos bons? Se os homens
errados mereciam tanto amor, que lhes competia fazer, a benefício dos homens
retos?
O Cristo escutou as objurgações
em silêncio e, quando o aprendiz calou as derradeiras reclamações, respondeu
numa frase breve:
- Pedro, eu não vim à Terra para curar os
sãos.
Irmão X
Estante da Vida.
Francisco Candido Xavier
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