O
Irmão Lobo
Na
floresta de Gubbio, um lobo se fizera
Uma
espécie de monstro aterrador,
Mais
astuto e mais hábil que uma fera
Parecia
um terrível salteador,
Matando
qualquer homem desarmado,
Espalhando
pavor e aniquilando o gado...
Mas,
Francisco de Assis foi procurá-lo, um dia,
E,
em plena solidão,
Ao
encontrá-lo, em vasta ramaria,
Começou
a chamá-lo por irmão...
Em
seguida, falou-lhe da bondade,
Da
paz, da caridade, do carinho...
Pediu-lhe,
por Jesus, alterar o caminho
Em
que o pobre animal
Vivera
até então
E
terminou, rogando ao lobo atento
Fosse
morar com ele no convento
E a
fera obedeceu,
Sem
demonstrar qualquer hesitação.
Seguindo
o Irmão Francisco, achou-se em novo lar,
E,
ao mudar de atitude, entregou-se, feliz,
No
trabalho do bem, nas tarefas de Assis.
Era
um guarda-noturno dos melhores
E,
carregando um cesto aos dentes,
Buscava
pães nos arredores.
Mas
o chefe ocupado, muitas vezes,
Por
semanas ou meses,
Ausentava-se
em serviço,
Quase
sempre reunido a Frei Leão,
Saía
em sacrifício e peregrinação,
A
fim de semear o ensino do Senhor,
Atento
a inolvidável compromisso.
Nessas
ocasiões,
O
Irmão Lobo sentia
A
carência de amor
E
a fome de alegria.
Longe
do Irmão Francisco, em todas as estradas
Era
seguido a insultos e pedradas...
Mesmo
entre os servidores do convento
Sofria
ele o impacto violento
De
varadas cruéis...
Chamavam-no
"covarde", "lobo vil",
"Carniceiro
feroz..."
E de
tanto agüentar o tratamento hostil,
Vendo-se,
um dia, a sós,
O
Irmão Lobo voltou para a vida selvagem,
Na
antiga sede de carnagem;
Tornando
à condição a que dantes se dera
Nos
instintos de fera...
Voltando
o Irmão Francisco
À
morada de amor que presidia,
Depois
de longa ausência,
Teve
noticia da ocorrência
Mas,
embora cansado
E
prematuramente envelhecido,
A
lastimar o acontecido,
Ante
as muitas saudades do animal,
Embrenhou-se
no verde da floresta...
E
reencontrou o Irmão Lobo, como em festa
Na
vastidão da natureza,
Perseguindo,
sem pausa, uma lebre indefesa.
-
"Irmão lobo, o que é isto?"
Disse
o recém-chegado.
-
"Já não te lembras mais dos ensinos de Cristo?"
O
lobo veio a ele, abatido e humilhado,
E
respondeu, tristonho:
"Santo
amigo, não pude suportar
As
dores que sofria em vossa ausência,
Acreditei
que o vosso sonho
Fosse
uma realidade na existência,
Mas
tenho ainda as marcas doloridas
De
profundas feridas
Que
os homens me fizeram...
Toda
vez que deixáveis nossa casa
Tratavam-me
com vara, pedra e brasa...
Não
vi qualquer pessoa a não ser vós
Nos
ensinos sagrados
Que
trazeis a nós...
Deixai-me,
santo amigo,
Sou
lobo, apenas lobo no serrado,
Fera
solta nas trilhas em que sigo ".
Francisco,
então, enfermo e fatigado,
Replicou-lhe,
porém:
-
"Irmão lobo, recorda!... O caminho do bem
É
aquele de Jesus...
Devemos
aceitar a própria cruz...
Recorda
as instruções que estudaste comigo,
Sentença
por sentença!
Deixe
que eu te interprete:
A
lei é perdoar setenta vezes sete
Qualquer
ofensa recebida...
A
presença de Cristo é o sol de nossa vida...
Volta,
comigo, irmão,
Eu
também, já sofri calunia, provação...
Sinto-me
fatigado,
Mas
a fé no Senhor é uma luz em meu peito,
Continua,
Irmão Lobo, de meu lado,
Resguarda-me,
com Deus, na pedra
Em
que me deito...
Necessito
de ti na casa de onde venho,
As
tuas grandes cicatrizes
Dos
momentos que julgas infelizes
São
feridas irmãs das ulceras que eu tenho!..."
O
lobo cabisbaixo acompanhou o amigo,
Fez-se-lhe
guardião na aspereza do abrigo,
Onde
Francisco, dantes forte,
Pôs-se
em chaga e oração
Para
aguardar a morte...
Finda
aquela existência engrandecida e bela,
O
Irmão Lobo fugiu para um bosque vizinho,
Algo
desatinado,
Como
alguém que se vê desamparado
Sem
rumo e sem caminho,
Em
súbita carreira...
Ouvido
no convento
Notou-se
que ele uivava a noite inteira;
E
porque se calara, de repente,
Quando
o Sol regressou, resplandecente,
Um
irmão de Francisco foi à mata,
Decidido
a trazê-lo,
No
máximo de zelo,
Para
a vida de paz, de serviço e conforto...
Mas,
surpreso, encontrou nas pedras do serrado
Um
corpo de animal abandonado:
O
lobo de Francisco estava morto.
Maria
Dolores
Nenhum comentário:
Postar um comentário