O
Amigo Leal
Falávamos de
afeto e ligações humanas,
Destacando
uniões formosas e ideais,
Tanto quanto
anotando atitudes insanas
Que, muita
vez, transpiram
De casos
passionais,
Quando um
amigo afável e sizudo,
Que nos seguia
o estudo,
Exclamou para
nós, de modo convincente:
- Tudo quanto
dizes é verdade inconteste
Sobre os entes
queridos que lembrais,
Entretanto,
igualmente,
Se falamos de
amor, é preciso se ateste
O amor dos
animais.
E como se
tivesse ali, de lado,
O passado
recente,
Contou,
emocionado:
- Em minhas
lides de engenheiro,
Fui, certa
vez, designado
Para serviços
na fronteira;
Levei comigo a
companheira,
O pequeno
filhinho, -
- um garoto de
aninho, -
E o nosso
velho cão policial
Que recebera,
em nossa companhia,
O nome de
Leal.
No trabalho
incessante em que me via,
Fosse qual
fosse o ambiente,
Possuía em
Leal o cão valente
Que nos
guardava a casa, dia-a-dia;
Ensinei-o a
velar por nosso pequenino
E dedicou-se o
cão, de tal maneira,
Que mantinha
atenção, semana inteira,
Entre a porta
do quarto e o berço do menino.
Morávamos,
então, no agreste bravo...
Achavam-se,
não longe, algumas feras;
Era o lobo e,
além dele, era o jaguar,
A rondarem
malocas e taperas...
Necessário, porém,
agir e trabalhar,
Orientando a
agrimensura.
Tinha sempre
dois homens, de vigia,
Na defesa do
lar,
Junto de
atenciosa governanta.
Minha esposa
saía
Algumas vezes
para compras justas,
Usando o nosso
jipe reforçado
Para atingir
pequeno povoado...
O narrador fez
pausa e tornou, em seguida,
Expressando-se
em voz mais comovida:
- Certo dia de
ação com mais ampla demora
Voltei ao lar,
mais tarde... Noite escura...
Ausentara-se a
esposa e a governanta
Atendia, em
conversa, um tanto lá por fora,
A diversos parentes
Que, por
certo, lhe vinham à procura...
Os vigias
andavam pela brenha
Buscando para
nós
Alguns feixes
de lenha...
Acompanhado de
um amigo,
Ansioso, ouvi
a voz
De meu
filhinho em algazarra...
Naquele choro
de pavor,
Pressentia
perigo
Francamente, a
gelar-me...
Em vão, tentei
fazer qualquer alarme;
O companheiro
me seguia,
Enquanto, em
minha inquietação,
Só escutava a
gritaria
Do filhinho a
cortar-me o coração...
Varei a porta
aberta
Da habitação
que vi claramente deserta...
Foi, então,
que a tremer, desorientado,
Vi o cão a
correr para junto de nós;
Leal se nos
mostrava, ensanguentado...
Mancando, ele
gania,
Não sei se de
loucura ou de agonia...
O companheiro
disse a mim:
- O cão está
zangado, dê-lhe o fim,
É preciso
afastá-lo, sem tardança,
Deve ter atacado
a indefesa criança.
Tomado de
terror, atirei sobre o cão,
E, ganhando os
recessos do aposento,
Vi meu
filhinho salvo, aconchegado ao leito,
Sem qualquer
sofrimento,
Mas um jaguar
jazia, ali no chão,
Certamente
abatido por Leal.
O cão, com
segurança e eficiência,
Liquidara,
afinal,
A fera
perigosa
Que penetrara
em nossa residência.
Com meu filho
nos braços
Retornei à
presença de meu cão;
Ansiava
mostrar-lhe a nossa gratidão,
Mas Leal
enviou-me um derradeiro olhar...
Sufocado pela
dor, nada pude falar.
No instante de
morrer, no terrível revés,
Leal ainda
arrastou-se com cuidado
Para beijar-me
os pés!...
Calou-se o
narrador,
Sob o peso
cruel da própria dor.
Depois, disse
a chorar:
- Neste
Infinito Espaço em que habitamos,
Deve haver um
lugar
Que acolha os
animais,
Amigos quase
humanos,
Em plena
evolução, à busca de outros planos...
Sempre aceitei
os cães por nossos cireneus,
Os animais
também são criaturas de Deus...
Aquela
história viva,
Que ouvíramos,
ali, de ânimo atento,
Fez o ponto
final de nosso entendimento.
No entanto, o
companheiro,
Que nos falava
de Leal,
Fitava o Azul
Imenso, a Pátria Universal,
E, qual se
transmitisse um sublime recado
Ao próprio
coração,
Clamava,
consternado:
- Deus não me
negará resposta à constante oração...
Hei de achar o
meu cão!... Hei de achar o meu cão!...
Maria
Dolores
Caminhos
do Amor
Francisco
Candido Xavier
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