VELHAS RECORDAÇÕES
Quem poderá deter as velhas recordações
que iluminam os caminhos da eternidade?
Lembramo-nos de Alcione, desde os dias de sua infância. Muitas vezes a
vi, com o Padre Damiano, num velho adro de Espanha, passeando ao pôr do Sol.
Não raro, levantava o
semblante infantil para o céu e perguntava, atenciosa:
— Padre Damiano, quem terá
feito as nuvens, que parecem flores grandes e pesadas, que nunca chegam a cair
no chão?
Deus minha filha — dizia o
sacerdote.
Mas, como se no coração
pequenino não devesse existir esquecimento das coisas simples e humildes,
voltava ela a interrogar:
E as pedras? — quem teria criado as
pedras que seguram o chão?
— Foi Deus também.
Então, após meditar de
olhos mergulhados no grande crepúsculo, a pequenina exclamava:
— Ah! como Deus é bom!
Ninguém ficou esquecido!
E era de ver-se a sua bondade singular, o interesse pelo dever
cumprido, dedicação à verdade e ao bem.
Cedo compreendi que a família
afetuosa de Ávila se constituía de amizades vigorosas, cujas origens se
perdiam no tempo.
Os anos — minutos do relógio
da eternidade —correram sempre movimentados e cheios de amor. A criança de
outros tempos tornara-se na benfeitora cheia de sabedoria. Sua vida não
representava um feixe de atos comuns, mas um testemunho permanente de
sacrifícios santificantes. Desde a primeira juventude, Alcione transformara-se
em centro de afeições, em fonte de luz viva, onde se podiam vislumbrar as
claridades augustas do Céu. Sua conduta, na alegria e na dor, na facilidade e
no obstáculo, era um ensinamento generoso, em tõdas as circunstâncias.
Creio mesmo que ela nunca
satisfez a um desejo próprio, mas nunca foi encontrada em desatenção aos
desígnios de Deus. Jamais a vi preocupada com a felicidade pessoal; entretanto,
interessava-se com ardor pela paz e pelo bem de todos. Demonstrava cuidado
singular em subtrair, aos olhos alheios, seus gestos de perfeição espiritual,
porém queria sempre revelar as idéias nobres de quantos a rodeavam, a fim de
os ver amados, otimistas, felizes.
Minhas experiências rolaram
devagarinho para os arcanos do Tempo, a morte do corpo arrastou-me a novos
caminhos e, no entanto, jamais pude es quecer a meiga figura de anjo, em
trânsito pela Terra.
Mais tarde, pude beijar-lhe os pés e com preender-lhe a história
divina. O resultado dêsse conhecimento vibra neste esfôrço singelo, que não
tem pretensões a obra literária.
Este é um livro de sentimento, para quem aprecie a experiência humana
através do coração. Em particular, falará a todos os que se encontrem encarcerados,
sentenciados, esquecidos daquele amor que cobre a multidão dos pecados,
consoante os ensinamentos de Jesus. A maioria dos aprendizes do Evangelho
deixa-se tomar, em sentido absoluto, pelas idéias de resgate escabroso, de olho
por olho, ou, então, pela preocupação de recompensas na Terra ou no Céu. Aqui,
comentam-se reencarnações criminosas; ali, esperam-se tão só prantos amargos;
além, existem corações anelantes de remansado e ocioso pousio. A esperança e a
responsabilidade parecem tesouros esquecidos. É razoável que se não possa
negar o caráter incorruptível da Justiça, porém, não se deverá esquecer o
otimismo, a confiança, a dedicação e tôdas as energias que o amor procura
despertar no âmago das consciências.
Para as almas sinceras, que
ainda solucem nos laços do desânimo e desalento, a história de Alcione é um
bálsamo reconfortador. Naturalmente que ela própria, qual amorosa visão da
Espiritualidade eterna, emergirá das páginas luminosas da sua experiência,
perguntando ao leitor que se sinta oprimido e exausto:
— Por que reténs a noção dos
castigos implacáveis, quando Nosso Pai nos oferece o manancial inexaurível do
seu amor? Por que atribuis tamanha importância ao sofrimento? Levanta-te!
Esqueceste Jesus? Já que o Mestre padeceu por todos, sem culpa, onde estás que
não sentes prazer em trabalhar, de qualquer forma, por amor ao seu nome?
A psicologia de Alcione é bem mais complexa do que se possa imaginar ao
primeiro exame. Na grandeza da sua dedicação, vemos o amor renunciando à
glória da luz, a fim de se mergulhar no mundo da morte. Com seu gesto divino, a
Terra não é apenas um lugar de expiação destinado a exílio amarguroso, mas,
também, uma escola sublime, digna de ser visitada pelos gênios celestes.
Dentro dos horizontes do Planêta, ainda vigem a sombra, a morte, a lágrima...
Isso é incontestável. Mas, quem seguir nas estradas que Alcione trilhou,
converterá todo esse patrimônio em tesouros opinos para a vida imortal.
Aqui, pois, oferecemos-te,
leitor amigo, tão velhas recordações.
Crê, no entanto, que, por
velhas, não são menos preciosas. São heranças sagradas do escrínio do coração,
jóias de subido valor que espalharemos a êsmo, recordando que, se muita gente
presume haver alcançado os êxitos retumbantes e a felicidade ilusória no campo
vasto do mundo, em verdade ainda não aprendeu nem mesmo a estabelecer a vitória
da paz, na experiência sagrada que se verifica entre as paredes de um lar.
Pedro Leopoldo, 11 de janeiro
de 1942.
EMMANUEL
RENÚNCIA
FRANCISCO
CÂNDIDO XAVIER
ROMANCE DITADO
PELO ESPÍRITO EMMANUEL
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