terça-feira, 1 de agosto de 2017



A porta abre-se

 

Por um instante o nosso silêncio ainda se apóia num certo pasmo. Emmanuel atende... O guia, o espírito do “médium” abre-nos pois uma concessão?

Enfim a porta abrira-se.

Tudo foi tão imprevisto que, em verdade, ainda nem tínhamos preparado as nossas perguntas. Apenas, meia hora antes, ao sairmos do hotel, havíamos grafado um rascunho de indagações gerais com que pretendíamos compor as perguntas. Mas não se podia hesitar.

José Cândido ocupa ràpidamente o lugar ao lado do “médium”. Pede que façamos a nossa consulta. O promotor Albuquerque faz um sinal ao jornalista este tira do bolso uma das páginas rascunhadas.

 

A pergunta

 

Na folha quase amarrotada lemos isto numa das perguntas que grafáramos às pressas para ulterior escolha:

Que possibilidades existem e que vantagens ou desvantagens adviriam da implantação de um regime extremista no Brasil?

Estendemos o papel a José Cândido, que o põe, por sua vez, diante do “médium” já em transe.

Fornecemos ao mesmo tempo nosso próprio bloco de papel e lápis para a grafia da mensagem que porventura viesse, pois não houvera nenhuma preparação para isso.

A seguir José Cândido pede que nos concentremos numa prece ao Senhor e ao espírito dos nossos mortos bem-amados.

 

A resposta

 

Nem um minuto chegou a passar e ouvimos o ruído característico do lápis sobre o papel. Inicia-se a grafia da mensagem, ràpidamente, como de costume. Ainda uns doze ou quinze minutos de concentração e o lápis estacou ao fim de uma assinatura.

Imobilidade.

José Cândido pede que o acompanhemos agora em sua oração. Finda esta, estão findos os trabalhos.

A mensagem que recebêramos, em resposta àquela nossa pergunta, é a seguinte:

“Amigos, que Deus ilumine o vosso entendimento.

Avesso à política, me sentiria mais à vontade se fosse inquirido acerca do evangelho. Todavia, opiniões são coisas que pouco se custa a fornecer; contudo os meus pareceres são igualmente pessoais como os vossos, sem o caráter da infalibilidade.

As mais extravagantes teorias políticas têm sido veiculadas no Brasil, cujo povo, guardando tradições de raças diversas, ainda se encontra longe, da linha decisiva de sua evolução racial. Tudo aí se mistura e todas as idéias se propagam sem que sejam devidamente estudadas, ponderadas no cadinho da análise mais rigorosa. A implantação de um regime extremista seria um grande erro que o sofrimento coletivo viria certamente expiar.

De um lado prevalecem as doutrinas dos governos fortes, como a política do “sigma” copiando o fascismo em suas bases; da outra margem se encontra o comunismo, inadaptável ainda à existência da nacionalidade, levando-se em conta o problema da necessidade de braços para o trabalho em uma terra vastíssima à espera das iniciativas e cometimentos de progresso preciso. É verdade que a Rússia atual fornece exemplos ao mundo inteiro, porém os homens que inauguraram violentamente os seus novos regimes não se fizeram de um dia para o outro. Eles representavam muitos séculos de opressão, de martírios, de tormentos nefandos, não saíram do proletariado que se compraz na incultura, mas da energia coordenadora que busca conciliar o labor operário com o trabalho intelectual das academias.

O Brasil necessita, antes de tudo, combater o magno problema do analfabetismo. É necessário que se solucione o enigma pedagógico que implica toda essa mocidade sem entusiasmo e sem energia para o estudo; para o estado ao qual não se enquadra outro regime fora da democracia liberal, até que o povo se eduque convenientemente para as grandes iniciativas do porvir. Fora disso é a ilusão portadora dos desenganos trágicos que empobrecem a economia e roubam a paz social. Infelizmente, a ambição, o personalismo, infestam os bastidores da política brasileira, eminentemente prejudicada pela sua visão mesquinha, concernente aos problemas da coletividade. Mas o que quereis? O trabalho é dos homens e a eles compete a realização do progresso necessário. Longe do cenário do mundo não nos é lícito influenciar sobre questões distantes da nossa esfera de ação.

A nossa atividade unicamente se circunscreve ao esclarecimento das almas, pugnando para que as construções da crença sejam novamente reedificadas no templo dos corações humanos, trabalhados pelas concepções amargosas e destruidoras do negativismo. Para atingirmos semelhante desideratum só no Evangelho buscamos os nossos programas de ação. O nosso labor intenso é todo realizado com esse objetivo.

Que os homens resolvam de entendimento posto no código da perfeição, legado à Terra por Jesus e estarão de acordo com a evolução que deve presidir a todas as manifestações das nossas atividades nos setores do trabalho humano. A Deus elevemos, assim, nosso votos para que os governantes do Brasil se acautelem com a infiltração de idéias contrárias ao bem-estar social e em desacordo coma sua vida de nacionalidade nova e apta a desempenhar um papel muito preponderante no seio da humanidade

Emmanuel

(De “O GLOBO”, de 16 de maio de 1935)

 

Francisco Cândido Xavier

Humberto de Campos

Palavras do Infinito
 

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