ONDE CRISTO ESTÁ
Certa noite de novembro de
1971, de repente vi-me frente aos altos muros de Jerusalém. O núcleo cristão da
cidade velha preparava-se para as festividades natalinas, iluminando
feericamente alguns prédios e templos, as torres e o mercado.
Embora ali comparecesse
com a credencial única de mero viajor daquelas eleitas regiões do Planeta,
causou-me perplexidade a consciência de que a poucos passos de mim estavam a
Porta de Damasco, a Porta de Santo Estevão, a antiga pretoria de Pilatos, a via
Dolorosa, o Santo Sepulcro, os templos sagrados de judeus e muçulmanos, o
Getsemane no Monte das Oliveiras e todos aqueles históricos locais cujos nomes,
desde pequenino, eu me acostumará a ouvir intermitentemente.
Os registros históricos
informam que a cidade murada foi tomada e destruída pelos romanos no ano 70 da
nossa era. No rastro das hordas de Tito, a dramática Jerusalém prosseguiu sendo
invadida e saqueada primeiramente pelos persas de Khosro, em 614; depois pelos
árabes, em 637; pelos Cruzados de Godefroi de Bouillon, em 1099; por Saladino,
em 1187; por Frederico ll, em 1229; por tropas franco-inglesas, em 1917.
Internacionalizada pela Organização das Nações Unidas em 1947, foi então
dividida pela linha de armistício entre árabes e judeus em 1948; novamente
invadida a anexada à Jerusalém nova após a “Guerra dos Seis Dias”, a estranha
cidade murada dos Patriarcas prossegue na rota de seu dramático destino de
marco de disputa entre povos irmãos, cultuando religiões que ali tiveram sua
origem comum.
Dois dias após a chegada
às semi-áridas terras da antiga Judéia e Samaria, desci a Jericó, visitando
depois Belém, Hebron, a desembocadura do rio Jordão no Mar Morto e a região
adjacente no deserto de Neguef.
A enganosa calma que se
observava na região só era quebrada pela passagem ruidosa de veículos
militares, ou pela visão dos campos de refugiados, com cercas divisórias de
arame farpado, além dos destroços de tanques de guerra ao longo da rodovia que
desce em direção ao mar Morto.
Continuava a não existir
ali a paz entre os homens.
Não bastaram dois milênios
de desencontros após a passagem do Nazareno sob o mesmo céu cintilantemente
azul, pregando incessantemente a tolerância e o amor, a busca da perfeição e a
necessidade de perdoar-nos uns aos outros.
Árabes viam com
ressentimento seus irmãos judeus, enquanto cristãos peregrinavam pelos
santuários do Cristianismo como quem pisa chão alheio.
A tensão dominante,
visível no relacionamento das comunidades conterrâneas, inconscientemente fazia
com que nos lembrássemos das vozes ressoantes do Cristo, desde aquelas terras
de antanho: “Perdoai-vos setenta vezes sete vezes; Sede misericordiosos; Amai
os vossos inimigos; Bem-aventurados os que são brandos e pacíficos; Não separais
o que Deus juntou; Pedi e obtereis”.
Não, ali não se achava o
Cristo. Ou seu Espírito ali ainda não chegara, depois de tudo e de tanto tempo.
Passaram-se anos.
Do regresso lembro apenas
Ter ouvido de alguém esta perene afirmativa: “É mais fácil encontrar o Cristo
no coração de uma criatura animada pela fé do que no silencioso e subterrâneo
tumulto de Jerusalém”.
Decorridos quatro anos
dessa viagem, eis que um dia circunstâncias inesperadas me levam a tomar parte
numa peregrinação a bairros humildes de Uberaba, no preparo de matéria
jornalística.
Numa das moradas com
paredes de barro e piso de chão batido, fomos encontrar uma senhora enferma, de
aproximadamente 70 anos de idade, dividindo a casa com outra amiga, também
anciã e de saúde abalada.
A paralisia atingira todo
um lado de seu corpo, prejudicando a faculdade da fala de tal forma que ela,
embora ouvindo perfeitamente, só respondia através de sinais mímicos.
Por
meio desses sinais emitidos com dificuldade, ela inicialmente demonstrou júbilo
pela presença da caravana de irmãos, que fraternalmente a visitava, para em
seguida, enquanto um médium da comitiva fazia a prece de agradecimento e
súplica a Deus, emitir através de seus olhos uma luminosidade estática, cuja
transcedente descrição eu só poderia tentar se conhecesse a linguagem dos
anjos. Era como uma antevisão celestial da presença irradiante do próprio Deus.
Naquele olhar vasado de
amor sublimado, naquelas encarquilhadas e trêmulas mãos em prece, estava o
Cristo redivivo dos Evangelhos de sempre.
Menos de um ano depois
desse significativo episódio, quase ao fim de um dia de intenso trabalho,
adentrei-me pelo paço de uma igreja a fim de desfrutar da paz, do reconfortante
silêncio e das vibrações das preces ali existentes.
Quase ao meu lado, uma
senhora de meia-idade orava com visível fervor e concentração.
De seus olhos, voltados
para o Mais Alto, fulgia o mesmo luminescente olhar da enferma de Uberaba:
pareciam verter lágrimas de iluminado amor.
Saímos do templo quase ao
mesmo tempo, de forma que pude observar quando, deparando-se com um menino que
descia a rua fronteira transido de frio, tirou de seus ombros a manta que a
agasalhava, colocando-a sobre os ombros da criança.
Novamente, ali estava o
Cristo redivivo.
Em outra ocasião, ainda em
Uberaba, uma caravana de fiéis do “Grupo da Prece” com Chico Xavier à frente,
lia o Evangelho sob uma densa chuva, pés imersos no barro campesino, antes de
fazer a distribuição de gêneros para centenas de criaturas nas quais a
subnutrição era visível, algumas comendo o alimento ali mesmo,
Pontos luminosos na Terra,
propiciando a revivência daquele mesmo Jesus dos tempos primevos do
Cristianismo.
A constatação se impunha
desde logo: a presença viva do Cristo tanto pode estar na aparente solidão de
um velho que tenha o coração aquecido pela fé em Deus, quanto no aconchego de
uma catedral; tanto na prece de uma mãe aflita pelo seu rebento, quanto na
súplica inocente de uma criança orando; no gesto de boa-vontade de uma criatura
para com outra menos favorecida ou na esperança convicta em Deus de um
moribundo à mingua de recursos médicos num humilde tugúrio, embora assistido
pelo consolo do Mundo Espiritual Maior.
“Onde estiver o vosso
tesouro, aí estará o vosso coração.” (S.Lucas – 6/45.) Preciosos ensinamentos
hauridos ao correr de um caminho e de um tempo longo e frutífero, que não devo
esquecer:
UM SÁBIO ME FALOU ISTO:
-“O CRISTO EM JERUSALÉM?
NÃO VIVE LÁ, JESUS CRISTO
ESTÁ ONDE ESTEJA O BEM”.
***
Enquanto me concentrava na
redação desta breve introdução, lia em horas disponíveis um compêndio tratando
da Astronomia e do Universo em expansão. Recolho nas páginas admiráveis desse
compêndio os seguintes dados científicos:
O observatório de Monte
Palomar, nos Estados Unidos, consegue abranger, numa única chapa fotográfica,
dez bilhões de sóis; a Via-Láctea, à qual pertencemos, é composta de 200 mil
estrelas, sendo o nosso Sol uma dessas estrelas, de tamanho apenas mediano,
embora 109 vezes maior do que a Terra – pelo Equador. Cada galáxia contém
centenas de milhares, ou milhões, ou bilhões de estrelas, sendo que o raio
desse observatório permite entrever um bilhão de galáxias. A luz viaja a uma
velocidade, necessita de oito minutos para chegar à Terra; a Constelação
Andrômeda, uma das mais próximas da nossa Via-Láctea, necessita de 680,000
anos-luz até tocar nosso planeta, existindo galáxias cujas distâncias são
superiores a milhões de bilhões de anos-luz. Quase ao fim de uma longa
existência de pesquisa debruçado sobre a imensidão cósmica, e sentindo a
proximidade da morte, exclama Isaac Newton: “Ignoro o que o mundo pensa de mim,
mas tenho a impressão de nunca haver sido, em toda a minha vida, senão um
garotinho brincando à beira do mar e se divertindo com descobrir, aqui e ali,
uma pedrinha mais polida ou uma concha mais bonita que as outras, enquanto o
grande oceano da Verdade se estendia, pleno de mistérios, diante de meus olhos.
Há um Ser Infinito que governa tudo, é Deus quem dirige o balé do Universo”. A
Cosmologia comprovou que o Universo se
move
em contínua expansão, enquanto as galáxias se afastam rapidamente umas das
outras em direção a rumos desconhecidos.
Uma única colher de café,
se contivesse massa dos chamados espaços ou “buracos negros”, onde a matéria
fica concentrada ao extremo, pesaria em torno de um bilhão de toneladas.
Os “quasar” do espaço, ou
nebulosas gasosas dotadas das luminosidades azul e ultravioleta, de intensidade
espantosa e com cauda de luz saindo de um dos flancos, embora não sejam
classificadas como cometa, estrela ou planeta, emitem sinais de
radioeletricidade com freqüência e potência desconcertantes.
Também numa colher das de
café existem 50,000,000,000,000,000 de átomos, sem falar nos subátomos.
O macrocosmo e o
microcosmo contêm enigmas de estonteante grandeza, harmonia e equilíbrio
perfeitos!
Observando tudo isso,
analisando, medindo e comparando, os sábios e astrônomos que se debruçam sobre
a mais ampla das ciências – a Cosmologia – após um esforço desesperado de
compreensão abrangente, afirmam, entre perplexos e desiludidos: “Nada sabemos
acerca da origem e da razão de ser do Universo e de tudo o que nele há”. Depois
que os homens aprenderam a se orientar pelos astros, a Cosmologia,
teoricamente, tornou-se uma ciência inútil!
A grande janela aberta
para o Céu por Copérnico, Tycho Brahe, Kepler e Galileu, Newton e Willian
Herschel, de repente se revela um espetáculo tão grandioso quanto vazio de
sentido. “Por que tudo isso? Para que existem esses bilhões de mundos
aparentemente estéreis, mudos e despovoados? Para onde vão as galáxias? Por que
esses bilhões de astros anódinos – e conhecemos apenas uma fração deles – não
respondem aos nossos sinais e interpelações?”
Renova-se, através das
gerações, a firmativa de Jesus quando diz que Deus confunde os sábios com
aquilo que revela aos simples pela graça da fé. “Há muitas moradas na casa de
meu pai; se assim não fosse, já eu vo-lo teria dito.” (S. João – 24 – 1 a 3)
Outro dia, numa reunião
fraterna de amigos no Hospital Espírita de Porto Alegre, presentes o professor
Cícero Marcos Teixeira, os doutores Nei da Silva Pinheiro e José Jorge da
Silva, e este vosso servidor, considerava-se a grandiosidade de Deus
relembrando a célebre frase de Santo Agostinho: “Que absurdo não crer!”
***
“Janela Para a Vida”
constitui uma das tentativas de iluminar ao menos parte dos múltiplos problemas
e indagações que fazem também perplexo o ser humano perquiridor das razões que
teriam, determinado a origem do homem, sua presença e finalidade neste planeta.
Através das respostas do
Benfeitor Emmanuel – a Mediunidade com Jesus – novas luzes para enfocar
problemas emergentes descem até nós sempre por acréscimo da Misericórdia divina
do Pai.
Mudam os tempos e as
circunstâncias e, com eles, às vezes sem o perceber, mudamos nós também.
Janela Para a Vida deseja
fazer parte desse esforço de conscientização individual e coletiva que aproxima
o homem de Deus, visando à autotransformação para melhor.
Através das luzes do Mundo
Maior, tenta colocar frente a frente a involução e a evolução, a dúvida e a
resposta, o amargor e a esperança, a obscuridade e a luminescência Divina,
objetivando sintonizar a mente humana com os enigmas da vida, na busca do
sentido real da existência.
Longa e difícil é a
caminhada evolutiva, desde a mônada até o Arcanjo, desde o profundo sono da
inconsciência nos reinos inferiores da Natureza até o cósmico despertar do
espírito para a essência de tudo o que existe nos Dois Planos da Vida: Deus.
Sabemos que é nas asas do
amor e do conhecimento que a alma humana alça vôo definitivo para as cumeadas
do Mundo Maior.
Num futuro não previsível,
o Evangelho será a Lei Maior para a Humanidade inteira.
Isto pode parecer utopia
de um escriba alienado das realidades da existência terrena. Entretanto, se
formos considerar o progresso alcançado pelos seres humanos, principalmente a
partir do século XlX até esta parte, nos campos filosóficos, científico e
religioso, constataremos que há motivos para grandes esperanças quanto ao
futuro da Humanidade.
Enquanto esse amanhecer do
Espírito não chega, cabe-nos prosseguir na gradual conscientização da senda
evolutiva que a todos, sem exceções, convoca e condiciona, sempre sob as luzes
infinitas e misericordiosas do Alto.
Guaíba,
23 de julho de 1979.
FERNADO WORM
Fonte: livro – “Janela para a Vida” – Psicografia Francisco Cândido Xavier – Fernando Worm.
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