sábado, 31 de dezembro de 2016


Outro sábado de 1981
 
 
A tarde mostrava-se fria e chuvosa.
Todos estávamos bem agasalhados, contrastando com a fila imensa dos irmãos necessitados que estavam expostos às intempéries, dizendo sem palavras do quanto ainda há por fazer.
As crianças se reuniam em torno de fogueiras improvisadas... Mas, em todos os semblantes existia alegria. Chico, como sempre, contagiava-nos com o seu bom humor.
Uma senhora já bastante idosa, moradora do bairro, varou a multidão para beijar aquelas abençoadas mãos. Chico chamou-a pelo nome, perguntou se tudo ia bem. Ela se retirou feliz, falando baixinho: "Ele é um pai pra mim. Quando meu marido morreu foi ele quem cuidou de tudo..."
Cremos que a nossa crônica poderia encerrar-se por aqui, tal o material de reflexão que o depoimento espontâneo daquela irmã nos oferece, mas convém que avancemos.
Feita a prece inicial, o "Evangelho" no seu Cap. V — "Bem-aventurados os aflitos", nos chamou a atenção para o item "Motivos de Resignação".
Companheiros vários, são convidados à palavra, pelo tempo de dois a quatro minutos.
Esse sistema de comentários, já tivemos oportunidade de analisar, é o que melhor funciona, pois, além de prender atenção dos ouvintes, em quatro minutos é-nos possível sintetizar a mensagem que desejamos transmitir e, depois cada um aborda o tema por prisma diferente.
Após os primeiros comentários, um confrade mencionou a resignação dos primitivos cristãos, testemunhando, nas arenas do sacrifício, a fé nas palavras do Senhor. Citou o romance de Emmanuel "Há Dois Mil Anos" mostrando a vitória da resignação de Lívia ante o orgulho do senador Públio Lentulus...
Outro exaltou a excelência da Doutrina Espírita, que nos enseja vários motivos de resignação.
A palavra de Chico Xavier, aguardada com expectativa, fez-se ouvir agora naquele ambiente de paz.
E ele contou uma lenda hindu, em que dois irmãos desejavam conquistar a pureza, seguir a trilha dos "mahatmas"...
Combinaram que, depois de vinte anos, ambos deveriam encontrar-se naquele mesmo local.
Cada qual seguiu o seu caminho.
Um se isolou do mundo, mergulhando na meditação e na prece.
O outro voltou para casa, lutando com as dificuldades naturais da família.
O tempo correu.
Vinte anos haviam se passado, quando os dois irmãos, fiéis à palavra empenhada, reuniram-se no mesmo lugar.
O primeiro, o que se havia isolado, não reconheceu o segundo, tal o estado deplorável de imundície em que se encontrava, estava sujo, rasgado, seguido por um grande séqüito de necessitados...
O primeiro exibia uma túnica muito alva e refletia grande segurança.
Depois de se identificarem, foram à presença de um Anjo do Senhor, que somaria as dúvidas quanto ao aproveitamento de ambos, nas lutas da Vida.
A escolha recaiu sobre o segundo, o que havia voltado para o convívio familiar, expondo-se às tentações.
"Mas, Anjo Bom — disse o primeiro — eu alcancei a pureza máxima, ao passo que o meu irmão traz o joelho ralado pelas sucessivas quedas... Eu consegui atravessar o Ganges sem sequer tocar os pés na água....
O Espírito iluminado, depois de ouvi-lo, falou, melancolicamente: "Ah! meu irmão, para atravessar o Ganges sem molhar os pés, bastaria que você construísse uma pinguela..."
A lição nos tocou bem fundo a alma.
Com a prece final, fomos todos dar o nosso abraço de amizade aos irmãos que nos aguardavam, na certeza de que o melhor processo de avançar será sempre trabalhar e esperar.
 

 
Sob a proteção do frondoso abacateiro, o nosso Chico distribui o auxílio do Senhor com os irmãos da Vila.
 
 
CHICO XAVIER, À SOMBRA DO ABACATEIRO
 
 
FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER
EMMANUEL
CARLOS ANTÔNIO BACELLI

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