Palpites
Richard
Simonetti
Em modesta
residência, na periferia, uma mulher, médium em transe, transmite a
manifestação de um “guia” que atende a aflita jovem:
— Vim
pedir-lhe ajuda. Sou casada há cinco anos. Tenho dois filhos. Vivíamos
relativamente bem, mas ultimamente nosso relacionamento é péssimo. Meu esposo
anda muito nervoso. Brigamos com frequência. Noutro dia afirmou que se
arrepende de ter constituído família. Creio que se envolveu com alguma
aventureira...
Minha filha
— diz a Entidade —, seu lar está ameaçado. Vejo muitas vibrações de
pessoas que não querem sua felicidade e há uma mulher seduzindo seu marido...
Seguem-se
orientações relacionadas com defumações, velas, banhos de defesa, rezas...
A jovem
retira-se confiante. Suas suspeitas estavam confirmadas e receberia ajuda
espiritual.
A médium
prossegue no atendimento: um homem com crônica conjuntivite; o vendedor com
dificuldade para colocar seus produtos; a mulher dominada pela depressão; a
adolescente que brigou com o namorado...
Embora sejam
a tribulações diversificadas, aparentemente, segundo a palavra do Espírito,
parecem originar-se de fontes comuns: inveja, perseguição, influência negativa,
vingança...
“Especialistas”
em atividades dessa natureza multiplicam-se. Alguns chegam a fazer propaganda
de seu trabalho, em folhetos e anúncios classificados nos jornais, prometendo
prodígios.
Assim como
muita gente comparece ao Centro Espírita como se fora um hospital, há os que
frequentam assiduamente esses “consultórios”, em prática tão antiga quanto o
Mundo. No tempo de Moisés era tão comum, e ocorriam tantos abusos, que o
eminente patriarca judeu decidiu proibir a evocação dos mortos.
Oportuno
ressaltar que essas atividades nada têm a ver com o Espiritismo, nem são
espíritas aqueles que as desenvolvem. Quando muito, se não mistificam, são
médiuns, cumprindo fazer-se uma distinção entre mediunismo e a doutrina
codificada por Allan Kardec:
Mediunismo é
o intercâmbio com o Além. Pode ser exercitado por qualquer pessoa dotada de
sensibilidade psíquica, independente de sua condição social ou religiosa. Há
médiuns no seio de todas as classes sociais e religiões.
O
Espiritismo é uma filosofia existencial com bases científicas e conseqüências
religiosas. O simples enunciado desse tríplice aspecto impõe uma atitude séria
na sua apreciação e a disposição para o estudo e a análise de seus postulados,
acima dos interesses imediatistas, para que possamos entender sua grandiosa
mensagem.
Destaque-se
o empenho a que somos convocados em favor de nossa própria renovação, sem o
qual jamais seremos espíritas autênticos, como deixa bem claro Kardec, em “O
Evangelho segundo o Espiritismo”, ao afirmar: “Reconhece-se o verdadeiro
espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar
suas inclinações más”.
Importante
frisar sempre, embora possa parecer repetitivo, que não devemos procurar os
Espíritos para a solução de problemas que decorrem de nossas próprias mazelas.
Sempre que comparecermos aos “consultórios do Além”, estejamos conscientes de que
dificilmente seremos atendidos por mentores autênticos. Eles têm assuntos mais
importantes a tratar. Normalmente, os Espíritos que se dedicam a essa
atividade, principalmente quando o médium cobra pelos seus favores, são “orientadores
sem orientação”, que nada sabem das necessidades reais dos consulentes e que,
para ganhar sua confiança, limitam-se a dizer o que eles querem ouvir:
A mulher
desconfiada da fidelidade do marido será alertada de que há uma sedutora; quem
não gosta dos vizinhos ouvirá que são invejosos e lhe desejam o mal; aquele que
não se ajusta a empregos será informado de que sofre perseguições...
Sem a mínima
condição para definir caminhos mais acertados, atuam como palpiteiros,
sugerindo providências e tratamentos que até podem dar certo, como todo
palpite, mas jamais resolvem em definitivo os problemas de seus “protegidos”,
tornando-os, não raro, mais complexos.
A propósito,
vale lembrar a história daquele homem viciado em pedir favores a um “guia”, em
“consultório” nas imediações de sua residência, na mais estreita dependência.
Não dava um passo sem a ajuda do protetor, que estava mais para palpiteiro,
orientando-o precariamente. Certo dia o protegido pediu amparo mais efetivo:
-O senhor
precisa dar um jeito na minha situação. Cansei de ser pobre...
-O que quer
que eu faça, meu filho?
-Quero
ganhar uma bolada no jogo do bicho.
-É
difícil...
-Mas sei que
pode conseguir. Por favor... Preciso muito!...
-O Espírito
silenciou por alguns momentos. Depois recomendou:
-Está bem.
Amanhã jogue no número 23.492.
O protegido,
todo animado, reuniu seus haveres, vendeu o televisor e um jogo de sofá; tomou
de empréstimo bom dinheiro de amigos, apropriou-se do salário da filha mais
velha e fez o jogo recomendado, considerando, em feliz expectativa, que jamais
voltaria a passar por aperturas econômicas.
Á tarde
acompanhou, trêmulo, o sorteio pelo rádio. O locutor anunciava pausadamente os
números sorteados. Quando chegou a vez do primeiro prêmio, onde repousavam suas
esperanças, a tensão era enorme:
-Vinte e
três mil...
-Meu Deus!
Vai dar! Vai dar!...
-Quatrocentos
e noventa e...
-Estou rico!
Já ganhei!.... três.
-Três? Está
errado! É dois!
O locutor
repetiu:
-Vinte e
três mil, quatrocentos e noventa e três.
Pateticamente
ele sacudia o rádio:
-Não é três,
idiota! É dois! Dois!... Houve engano!...
Telefonou
para a emissora. Não havia erro. Perdera por um algarismo, enterrando-se em
dívidas e aperturas.
Correu ao
“guia”.
-Uma
desgraça! Joguei o que não possuía e perdi! O que houve? O senhor recomendou
23.492. Deu 23.493.
O Espírito
respondeu, cheio de animação.
-Ah! Meu
filho! Fico feliz. Quase acertamos! Talvez dê certo na próxima!
Fora apenas
um palpite...
Nossa
existência não pode ser orientada por palpites. É preciso ter certezas. E a
certeza fundamental foi enunciada por Jesus:
“O Reino de
Deus está dentro de vós!” (Lucas, 17:21.)
O estado
íntimo de serenidade, alegria e bom-ânimo, alicerces de uma felicidade legítima
e duradoura, é uma construção pessoal, que devemos realizar com o esforço por
entender o que a Vida espera de nós.
Nesse
particular a Doutrina Espírita tem muito a nos oferecer, se nos dispusermos a
estudá-la buscando sua orientação objetiva e segura, sem recorrer a
palpiteiros.
SUGESTÕES
Afaste-se de
médiuns que atendem em regime de “consultas particulares”. Sem disciplina e sem
conhecimento, com o agravante de estimarem receber recompensas, são facilmente
envolvidos por obsessores interessados em semear a perturbação.
Em qualquer
contato com os Espíritos, mesmo em reuniões mediúnicas no Centro Espírita, é
preciso passar pelo crivo da razão o que dizem. Allan Kardec destacava que os
Espíritos são apenas homens desencarnados e, como tais, sujeitos a erros de
apreciação, além dos problemas de filtragem mediúnica.
Mesmo nas
condições mais favoráveis, diante de mentores comprovadamente esclarecidos e
sábios, evite constrangê-los com petitórios relacionados com interesses
pessoais. Afinal, tudo de que precisamos, em se tratando de orientação de vida,
é seguir os ditames da própria consciência, iluminando-a com as lições de
Jesus.
Reformador –
agosto, 1989
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