JESUS E O PRECURSOR
Irmão X - Humberto de Campos
Após a famosa apresentação de Jesus aos doutores do templo de
Jerusalém, Maria recebeu a visita de Isabel e de seu filho, em sua casinha
pobre de Nazaré.
Depois das saudações habituais, no desdobramento dos assuntos
familiares, as duas primas entraram a falar de ambas as crianças, cujo
nascimento fora antecipado por acontecimentos singulares e cercado de estranhas
circunstâncias. Enquanto o patriarca José atendia às últimas necessidades
diárias de sua oficina humilde, entretinham-se as duas em curiosa palestra,
trocando carinhosamente as mais ternas confidências maternais.
– O que me espanta – dizia Isabel com caricioso sorriso – é o
temperamento de João, dado às mais fundas meditações, apesar da sua pouca
idade. Não raro, procuro-o inutilmente em casa, para encontrá-lo, quase sempre,
entre as figueiras bravas, ou caminhando ao longo das estradas adustas, como se
a pequena fronte estivesse dominada por graves pensamentos.
– Essas crianças, a meu ver – respondeu-lhe Maria, intensificando
o brilho suave de seus olhos – trazem para a humanidade a luz divina de um
caminho novo. Meu filho também é assim, envolvendo-me o coração numa atmosfera
de incessantes cuidados. Por vezes, vou encontrá-la a sós, junto das águas, e,
de outras, em conversação profunda com os viajantes que demandam a Samaria ou
as aldeias mais distantes, nas adjacências do lago. Quase sempre,
surpreendo-lhe a palavra caridosa que dirige às lavadeiras, aos transeuntes,
aos mendigos sofredores... Fala de sua comunhão com Deus com uma eloqüência que
nunca encontrei nas observações dos nossos doutores e, constantemente, ando a
cismar, em relação ao seu destino.
-Apesar de todos os valores da crença – murmurou Isabel, convicta –
nós, as mães, temos sempre o espírito abalado por injustificáveis receios.
Como se e deixasse empolgar por amorosos temores, Maria continuou:
– Ainda há alguns dias, estivemos em Jerusalém, nas comemorações
costumeiras, e a facilidade de argumentação com que Jesus elucidava os
problemas, que lhe eram apresentados pelos orientadores do templo, nos deixaram
a todos receosos e perplexos, Sua ciência não pode ser deste mundo: vem de
Deus, que certamente se manifesta por seus lábios amigos da
pureza. Notando-lhe a respostas, Eleazar chamou o José, em
particular, e o advertiu de que o menino parece haver nascido para a perdição
de muitos poderosos em Israel.
Com a prima a lhe escutar atentamente a palavra, Maria prosseguiu,
de olhos
úmidos, após ligeira pausa :
- Ciente desse aviso, procurei Eleazar, a fim de interceder por
Jesus, junto de suas valiosas relações com as autoridades do templo. pensei na
sua infância desprotegida e receio pelo seu futuro. Eleazar prometeu
interessar-se pela sua sorte; todavia, de regresso a Nazaré, experimentei
singular multiplicação dos meus temores. Conversei com José, mais detidamente,
acerca do pequeno, preocupada com o seu preparo conveniente para a vida!... entretanto,
no dia que se seguiu às nossas íntimas confabulações, Jesus se aproximou de mim,
pela manhã, e me interpelou : – “Mãe, que queres tu de mim‘? Acaso não tenho testemunhado
minha comunhão com o Pai que está no Céu ?!” Altamente surpreendida com a sua
pergunta, respondi-lhe hesitante :
– “Tenho cuidado por ti, meu filho! Reconheço que necessitas de um
preparo melhor para a vida...” Mas, como se estivesse em pleno conhecimento do
que se passava em meu íntimo, o ponderou:
“Mãe, toda preparação útil e generosa no mundo é preciosa;
entretanto, eu já estou com Deus. Meu Pai, porém, deseja de nós toda a
exemplificação que seja, boa e eu escolherei, desse modo, a escola melhor”.
No mesmo dia, embora soubesse das belas promessas que os doutores
do templo fizeram na sua presença a seu respeito, Jesus aproximou-se de José e
lhe pediu, com humildade, o admitisse em seus trabalhos. Desde então, como se
nos quisesse ensinar que a melhor escola para Deus e a do lar e a, do esforço
próprio – concluiu a palavra materna, com singeleza – ele aperfeiçoa as
madeiras da oficina, empunha o martelo e a enxó, enchendo a casa de ânimo, com
a sua doce alegria!
Isabel lhe escutava atenta à narrativa, e, depois de outras
pequenas considerações materiais, ambas observaram que as primeiras sombras da
noite desciam na paisagem, acinzentando o céu sem nuvens.
A carpintaria já estava fechada e Jose buscava a serenidade do
interior doméstico para o repouso.
As duas mães se entreolharam inquietas e perguntavam a si próprias
para onde teriam ido às duas crianças.
***
Nazaré, com a sua paisagem, das mais belas de toda a Galiléia, é
talvez ò mais formoso recanto da Palestina. suas ruas humildes e pedregosas,
suas casas pequeninas, suas lojas singulares se agrupam numa ampla concavidade
em cima das montanhas, ao norte do Esdrelon. Seus horizontes são estreitos e
sem interesse ; contudo, os que subam um pouco além, até onde se localizam as
casinholas mais elevadas, encontrarão para o olhar assombrado as mais formosas
perspectivas. O céu parece alongar-se, cobrindo o conjunto maravilhoso, numa
dilatarão infinita.
Maria e Isabel avistaram seus filhos, lado a, lado, sobre uma
eminência 'banhada pelos derradeiros raios vespertinos. De longe,
afigurou-se-lhes que os cabelos de Jesus esvoaçavam ao sopro caricioso das
brisas do alto. Seu pequeno indicador mostrava a João as paisagens que se
multiplicavam a distância, com o um grande general que desse a conhecer as minudências
dos seus planos a um soldado de confiança. Ante seus olhos surgiam as montanhas
da Saneia, o cume de Magedo, as eminências de Gelboé, a figura esbelta do
Tabor, onde, mais tarde, ficaria inesquecível o instante da Transfigurarão, o
vale do rio sagrado do Cristianismo, os cumes de Rafed, o golfo de Khalfa, o
elevado cenário do Pereu, num soberbo conjunto de montes e vales, ao lado das
águas cristalinas.
Quem poderia saber qual a conversação solitária que se travara
entre ambos?
Distanciados no tempo, devemos presumir que fosse, na Terra, a
primeira combinação entre o amor e a verdade, para a conquista do mundo.
sabemos, porem, que, na manhã imediata, em partindo o precursor na carinhosa
companhia de sua, mãe, perguntou Isabel a Jesus, com gracioso interesse : – “não
queres vir conosco?” – ao que o pequeno carpinteiro de Nazaré respondeu,
profeticamente, com inflexão de profunda bondade'. – “João partirá primeiro”.
Transcorridos alguns anos, vamos encontrar o Batista na sua
gloriosa tarefa de
preparação do caminho à verdade, precedendo o trabalho divino do
amor, que o mundo conheceria em Jesus - Cristo.
João, de fato, partiu primeiro, a fim de executar as operações
iniciais para a
grandiosa conquista. Vestido de peles e entanto de mel selvagem,
esclarecendo com energia e deixando-se degolar em testemunho à, Verdade, ele
precedeu. a lição de. misericórdia e da bondade. O Mestre dos mestres quis
colocar a figura franca e áspera do seu. profeta no limiar de seus gloriosas
ensinos e, por isso, encontramos em João Batista um dos mais belos de
todos os símbolos imortais do Cristianismo. Salomé representa a
futilidade cio mundo, Herodes e sua mulher o convencionalismo político e o
interesse particular. João era a verdade, e a verdade, na sua, tarefa de aperfeiçoamento,
dilacera e magoa, deixando-se levar aos sacrifícios extremos.
Como a dor que precede As poderosas manifestações da luz no íntimo
dos corações, ela recebe o bloco de mármore bruto e lhe trabalha as asperezas
para que a obra do amor surja, em sua pureza divina. João Batista foi a voz
clamante do deserto. Operário da primeira hora, é ele o símbolo rude da verdade
que arranca as mais fortes raízes do mundo, para que o reino de Deus prevaleça
nos corações. Exprimindo a austera disciplina que antecede a
espontaneidade do amor, a luta para que se desfaçam as sombras do
caminho, João é o primeiro sinal o cristão ativo, em guerra com as próprias
imperfeições do seu mundo interior, a fim de estabelecer em si mesmo o
santuário de sua realização com o Cristo. Foi por essa razão que dele disse
Jesus : – “Dos nascidos de mulher, João Batista é o maior de todos.”
Do livro “Boa Nova”. Psicografia de Francisco Cândido Xavier.
Nenhum comentário:
Postar um comentário