Consciência
Tenho
aprendido aqui muitas lições inesperadas.
Jamais pensei
que uma criança preguiçosa pudesse fazer tanto mal.
Desde que
reconheci isso, meu irmão, tenho chorado muito.
Lembra-se de
Bichaninho, o gato de dona Susana, que eu matei a pedradas?
Oh!... como me
custa contar tudo a você!...
Aqui, nas
aulas do Parque, à medida que fui recebendo os ensinos do nosso professor de
obrigações humanas, fui recordando minha falta mais nitidamente. O conhecimento
de nós mesmos diante do Universo e da Vida, ao que me parece, acende uma luz,
muito forte nas zonas ,mais íntimas de nosso ser. Com essa claridade
misteriosa, minhas recordações dos dias que se foram surgem completas e
movimentadas em minha imaginação. É assim que, penetrando o fundo de mim mesmo,
revi minha vítima, ouvindo-lhe, de novo, os gemidos angustiosos. Inundada pela
luz da verdadeira compreensão, minha visão interior permanecia como que
alterada. Comecei a ver Bichaninho, em toda a parte. Trazia-o comigo no estudo
e no recreio, no serviço e no descanso.
Chegou um
momento em que eu não pude mais. Gritei com toda a força. Pedi socorro ao
professor e aos colegas. Nosso instrutor falava, justamente nesse instante,
sobre o amor e a gratidão que devemos aos animais e, dentro de minha
consciência, nesse minuto inesquecível, os olhos aflitos do gatinho pareciam
procurar os meus, suplicando piedade.
Vencido,
ajoelhei-me em pranto, confessei minha falta grave em alta voz e supliquei ao
orientador das lições me afastasse daquele quadro terrível.
Voltaram-se
para mim os companheiros, assustados, quando cai, gritando.
O instrutor,
todavia, sorriu, benévolo como sempre, aproximou-se, abraçando-me paternalmente,
e disse:
- Já sei o que
lhe ocorre, meu filho! Tenha calma e paciência. Você está melhorando, porque já
descobre as próprias faltas por si mesmo.
Reparei que
ele se achava igualmente comovido. Mostrava os olhos rasos d’água.
Depois de
longa pausa, afagou-me a cabeça e explicou:
Porque você
matou esse gato trabalhador e inocente, sem necessidade, a imagem da vítima
está profundamente associada às suas lembranças.
Compreendendo
que o professor enxergava quanto se achava oculto em minhas recordações,
abracei-me a ele e supliquei:
Meu protetor,
meu amigo, ajude-me por piedade!
Ouviu-me com
emoção a súplica e compadeceu-se efetivamente de mim, porque impôs as mãos
acolhedoras sobre a minha cabeça e orou com sentimento tão sublime, em favor de
minha tranquilidade, que senti repentina renovação. Aquelas mão carinhosas irradiaram
intensa luz que me penetrou todo o ser, e aquele banho de energias novas,
aliado ao alívio da confissão diante de todos, apaziguou-me o espírito.
Neio Lúcio
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