SURPRESA EM SESSÃO
Aquela mania de Aguinaldo Limeira
raiava pela imprudência incompreensível.
Estimava o serviço de doutrinação
aos desencarnados, era de uma pontualidade notável às reuniões, contribuía de
boa-vontade nos serviços de assistência, mas, no trato com o invisível, não era
bastante cauteloso nas conversações.
Cultivava especialmente as
sessões práticas, dedicadas às entidades sofredoras e ignorantes, mas preferia
realizá-las com grande público, junto do qual se esmerava em demonstrar o verbo
enérgico e veemente.
Não se sentia satisfeito por
mostrar o caminho ao desviado, dar pão espiritual ao faminto de luz, remédio à
alma enferma.
Aguinaldo multiplicava perguntas
e exigências.
Consolava, sem dúvida, e, na
qualidade de trabalhador sincero, espalhava muitos bens; entretanto, dava-se a
longas conversas para estabelecer a procedência dos comunicantes.
Por vezes, as entidades em luta,
por motivo de padecimentos incríveis, não podiam prestar esclarecimentos
minuciosos, mas o doutrinador reclamava, rogava, insistia. Quanto mais
conhecido o Espírito visitante, mais se desmanchava Limeira nas indagações
ociosas.
Quando arrancava certas
declarações tristes, parecia alegrar-se como o caçador viciado quando apanha a
presa, e, a pretexto de identificar as almas sofredoras, tendia, sem perceber,
para a falta de caridade.
De quando em quando, o
respeitável orientador espiritual do grupo utilizava o médium Silvares e
esclarecia, de maneira direta :
– Aguinaldo, meu amigo, tem
cautela no campo da identificação dos invisíveis. Se o necessitado bate à
porta, atendamos sem muitas interrogações. Que adianta minudenciar a situação
de pobres irmãos nossos, ignorantes e sofredores? Em muitas ocasiões, qual
acontece aos doentes graves da Terra, também os desencarnados em desequilíbrio
não trazem a memória muito clara, perturbados nas inquietações que lhes povoam
a mente. Dá- lhes o pão do Cristo e deixa-os passar. Obrigá-los a pormenores
informativos, quanto à paisagem que lhes é própria, é intensificar-lhes a
dolorosa humilhação. Seria crueldade pedir aos agonizantes certos
esclarecimentos de que devem estar seguros aqueles que os assistem. Além do
mais, os que ensinam e doutrinam estão sempre criando imagens mentais
diferentes naqueles que ouvem e aprendem, e torna-se indispensável não esquecer
que tens numeroso público visível e invisível. A indagação descabida, por
vezes, se ajusta à pretensão científica na pesquisa intelectual, mas aqui, meu
amigo, estamos num serviço de iluminação do espírito para a melhoria do sentimento.
Não te transformes de missionário do bem no advogado de acusação. Pede ao
Mestre Divino te esclareça o entendimento! Limeira ouvia, mas não ponderava.
Na sessão imediata, referia-se ao
trabalho indagador dos estudiosos eminentes do Espiritismo científico, e,
quando algum pobre necessitado se fazia sentir, iniciava o interrogatório
crucial.
Mantinha-se inalterada a situação
do agrupamento, quando certa noite, diante de enorme assistência, em meio dos
trabalhos, surgiu uma entidade que tomou o médium Silvares, a desfazer-se em
convulsivo pranto.
– Diga, meu irmão – falou Aguinaldo, inquieto
–, diga o que sofre e o que deseja...
– Que sofro, que desejo? – gemeu
o infeliz, amarguradamente
– não posso!... não posso!... Sou um miserável
convertido num monstro!...
– Como assim, meu amigo? – tornou
Limeira, espicaçado pela curiosidade.
– Ai! – suspirou a entidade lacrimosa – como
doem os resultados da hipocrisia! Na Terra, enganei as criaturas, mistifiquei
os semelhantes, mas, agora, sinto-me diante da própria consciência... não posso
iludir a mim mesmo!
– Com que então foi você um hipócrita no
mundo? – perguntou Limeira, com atitude superior – certamente, enganou os
homens, mascarando propósitos e intenções, e, muito tarde, reconhece que
praticou um crime...
- É verdade, é verdade... –
clamou o infeliz, soluçando.
Tão comovedoras eram as lágrimas
do comunicante infortunado, que toda a assistência chorava, sob forte emoção.
Limeira, contudo, desejando
imprimir o máximo efeito ao quadro, mostrava atitude inquiridora e convincente.
– Continue, meu irmão! – prosseguiu com
autoridade.
E, ao invés de confortá-lo, em
nome de Jesus, levantando-lhe a esperança caída, o doutrinador insistia:
– Esclareça convenientemente o
seu caso, meu irmão! de onde veio? poderá identificar-se?
O desventurado esforçava-se, em
vão, para responder. O pranto embargava-lhe a voz. Parecendo insensível,
Limeira sentenciou:
– Veja, meu amigo, a que estado angustioso foi
conduzido pelo hábito de mentir. O crime da hipocrisia determinou suas lágrimas
presentes. A morte, que descerra os véus da ilusão, revelou sua verdadeira
consciência. Conhece, o irmão, agora, os sofrimentos que aguardam os
mentirosos, os homem fingidos e todos aqueles que aparentam a verdade e fogem
dela, às ocultas, acolhendo-se ao crime. Fale, meu amigo, em que zona da vida
tentou enganar as leis divinas... Como se chama?
Que fez na Terra? Como iludiu o
próximo? Possuía você alguma crença religiosa?
Nesse momento, a entidade
conseguiu interromper os soluços e falou:
– Aguinaldo, não me tortures mais
com tantas interrogações!...
Escutando a voz, tonalizada em
novo característico, o doutrinador estremeceu, fez-se lívido e perguntou,
espantado:
– Quem é você, meu irmão? O
infeliz comunicante, num gesto supremo, respondeu em tom lastimoso:
– Eu sou teu pai!... Viu-se,
então, que Limeira deixou pender a fronte e começou também a chorar.
FRANCISCO CANDIDO XAVIER
PONTOS E CONTOS Pelo Espírito
Irmão X
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