segunda-feira, 6 de junho de 2016


SURPRESA DE MAGISTRADO

 

Comovidos ante a prece tocante da sofredora mulher, acompanhamo-la à presença do juiz.

Alcançamos a casa solarenga. Deleitosa varanda. Extenso jardim.

Sem que nos pressentisse, ajudamo-la a tocar a campainha a destacar-se na parede fidalga.

Uma serviçal atente prestativa.

Movimenta-se.

O magistrado, porém, apenas surge depois de longa espera.

Ouve, de cabeça empertigada, a visitante que chora.

- Doutor – diz ela –, peço-lhe caridade. Meu pobre marido não tem culpa. Temos oito filhinhos passando falta. Oito filhos, doutor! Tenha piedade e ajude-nos! O senhor não ignora que meu pobre Cecino foi sempre um chofer cuidadoso! O homem estava embriagado quando avançou de encontro ao carro!

O juiz, entretanto, não traiu qualquer emoção no olhar frio.

- Que deseja a senhora com semelhante arrazoado? – falou irritadiço. – Quem pensa que sou? A justiça é justiça. Seu marido foi imprudente, desnaturado. Houve premeditação inconteste e sanearei a cidade. Tomá-lo-ei para escarmento aos motoristas criminosos.

Profissionais inconscientes! O processo foi corretamente conduzido por mim e a justiça provará que Cecino é um homicida quanto outro qualquer.

- Doutor, compadeça-se de nós! – clamou a infeliz.

- Nada mais tenho a dizer – falou, ríspido, o magistrado, despedindo a interlocutora.

 

O juiz voltava, sereno, ao interior doméstico, quando enorme alvoroço estala na rua.

- Socorro! Socorro! Pega o culpado! Pega o culpado!

Populares gritam em desespero.

Torvelinho na via pública.

Ao lado de luxuoso automóvel, último tipo, agita-se um rapaz aprisionado por homens do povo. Não longe, uma criança morta.

Inteiramo-nos, então, do sucesso triste. Era o filho do juiz, que, no carro da família, em correria desenfreada, acabava de atropelar pequenina indefesa.

Mal refeito do choque, ouvimos alguém que pede em tom respeitoso:

- Licença! Licença!

O juiz passa junto de nós com extrema agonia moral a se lhe estampar no semblante paterno.

Abraça o filho com enternecimento de quem se compadece de um louco.

E, naquele dia, o magistrado não pode comparecer ao fórum...

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