O Martírio de São
Diniz
Pois
quê? – considerei intimamente. Não seria aquela senhora, de lindo semblante, a
esposa dele? Não viveriam ali juntos, como na Terra? Antes, porém, que pudesse
chegar a qualquer conclusão, Alfredo conduzia-nos ao interior doméstico. As
escadas de substância idêntica ao mármore, impressionavam-me pela transparente
beleza.
De
varanda extensa e nobre, onde as colunatas se enfeitavam de hera florida, muito
diferente, porém, da que conhecemos na Terra, penetramos em vasto salão
mobiliado ao gosto mais antigo.
Os
móveis delicadamente esculturados formavam conjunto encantador.
Admirado,
fixei as paredes, de onde pendiam quadros maravilhosos. Um deles, contudo,
impunha-me especial atenção.
Era
uma tela enorme, representando o martírio de São Dinis, o Apóstolo das Gálias
rudemente supliciado nos primeiros tempos do Cristianismo, segundo meus
humildes conhecimentos de História. Intrigado, recordei que vira, na Terra, um
quadro absolutamente igual àquele. Não se tratava de um famoso trabalho de
Bonnat, célebre pintor francês dos últimos tempos? A cópia do Posto de Socorro,
todavia, era muito mais bela. A lenda popular estava lindamente expressa nos
mínimos detalhes. O glorioso Apóstolo, seminu, com a cabeça decepada, tronco
aureolado de intensa luz, fazia um esforço supremo por levantar o próprio
crânio que lhe rolara aos pés, enquanto os assassinos o contemplavam, tomados
de intenso horror; do alto, via-se descer um
emissário
divino, trazendo ao Servo do Senhor a coroa e a palma da vitória. Havia, porém,
naquela cópia, profunda luminosidade, como se cada pincelada contivesse
movimento e vida.
Observando-me
a admiração, Alfredo falou, sorrindo:
–
Quantos nos visitam, pela primeira vez, estimam a contemplação desta cópia
soberba.
–
Ah! sim – retruquei –, o original, segundo estou informado, pode ser visto no
Panteão de Paris.
–
Engana-se – elucidou o meu gentil interlocutor –, nem todos os quadros, como
nem todas as grandes composições artísticas, são originariamente da Terra. É
certo que devemos muitas criações sublimes à cerebração humana; mas, neste
caso, o assunto é mais transcendente. Temos aqui a história real dessa tela
magnífica. Foi idealizada e executada por nobre artista cristão, numa cidade
espiritual muito ligada à França. Em fins do século passado, embora estivesse
retido no círculo carnal, o grande pintor de Bayonne visitou essa colônia em
noite de excelsa inspiração, que ele, humanamente, poderia classificar de
maravilhoso sonho. Desde o minuto em que viu a tela, Florentino Bonnat não
descansou enquanto não a reproduziu, palidamente, em desenho que ficou célebre
no mundo inteiro. As cópias terrestres, todavia, não têm essa pureza de linhas
e luzes, e nem mesmo a reprodução sob nossos olhos tem a beleza imponente do
original, que já tive a felicidade de contemplar de perto, quando
organizávamos, aqui no Posto, homenagens singelas para a honrosa visita que nos
fez o grande servo do Cristo. Para movimentar as providências necessárias,
visitei pessoalmente a cidade espiritual a que me referi.
Grande
espanto apossara-se-me do coração. Via, agora, explicada a tortura santa dos
grandes artistas, divinamente inspirados na criação de obras imortais; agora,
reconhecia que toda arte elevada é sublime na Terra, porque traduz visões
gloriosas do homem na luz dos planos superiores.
Parecendo
interessado em completar meus pensamentos, Alfredo considerou:
– O
gênio construtivo expressa superioridade espiritual com sem ver, ouvir ou
sentir, e os artistas de superior mentalidade costumam ver, ouvir e sentir as
realizações mais altas do caminho para Deus.
Francisco Cândido Xavier - Os Mensageiros - pelo Espírito André Luiz
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