Oração - 1
Senhor, enquanto lá fora a tristeza
campeia, o mal se agiganta, aqui dentro eu quero te louvar.
Obrigado senhor pelos olhos meus que acompanham a ave ligeira que corre fagueira pelo céu azul de anil e se detêm no campo salpicado de flores em tonalidades mil.
Pela minha capacidade de enxergar eu te peço pelos que andam na escuridão, tropeçam na multidão. Eu oro por eles, Senhor! Eu sei que depois desta dor, no Teu reino de amor, eles enxergarão.
Obrigado Senhor pela minha voz, mas também pela voz que ora, que enaltece uma canção, que ao Teu nome profere com sentida emoção. Pela minha capacidade de falar eu te peço pelos que sofrem de afazia, os que não falam de noite, nem cantam de dia. Eu oro por eles, Senhor! eu sei que depois desta prova, na vida nova, eles cantarão!
E muito obrigado Senhor, pelos ouvidos meus, que me foram dados por Deus, que ouvem o tamborilar da chuva no telheiro, a melodia do vento nos ramos do salgueiro, a voz que geme e chora na boca do mundo inteiro. Que ouve a voz do povo que desce do morro a cantar a melodia dos mortais que a gente ouve uma vez e não esquece nunca mais! Que ouve a voz triste e canora do boiadeiro. Pela minha capacidade de ouvir, deixa-me pelos surdos pedir. Eu sei que depois dessa dor, no Teu reino de amor, eles ouvirão!
E muito obrigado senhor, pelas minhas mãos, mas também pelas mãos que aram, que regam, que colhem, que plantam, que semeiam. Pelas mãos que curam feridas, que secam lágrimas e suores da vida. Mãos que atendem a velhice, a dor do desamor. Pelas mãos de psicografia, de cirurgia, que firmam decretos, escrevem leis. Mãos dos adeuses, mãos que apertam mãos. Sobretudo, obrigado pelas mãos que abrigam no seio o filho de um corpo alheio, sem receio!
Diante do meu corpo perfeito eu quero Te louvar, porque eu vejo na Terra amputados, aleijados, esquecidos, deformados, abandonados, rejeitados... Eu oro por eles, Senhor ! Eu sei que depois dessa dor, no Teu reino de amor, eles bailarão!
E muito obrigado, enfim, pelo meu lar. É tão maravilhoso ter um lar!
Não importa se esse lar é uma mansão, uma casa no caminho, um ninho de dor, porque o importante mesmo é a figura do amor... O amor de pai, ou de mãe, de amigo ou de irmão, alguém que nos dê a mão, pelos menos a figura de um cão, porque é tão triste viver na solidão... Mas se eu a ninguém tiver para me amar, nem um cão para me acompanhar, nem assim reclamarei. Eu Te direi obrigado senhor, porque tenho a vida que para mim é nobre e consentida.
Obrigado porque creio em Ti!
Obrigado porque nasci!
Pelo Teu amor, obrigado Senhor!
Pela Sua atenção, obrigado senhores.
Amélia Rodrigues
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