segunda-feira, 1 de junho de 2015


Milho de Pipoca

A transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação por que devem passar os homens para que eles venham a ser quem devem ser.


O milho da pipoca não é o que deve ser.


Ele dever ser aquilo que acontece depois do estouro.

O milho da pipoca somos nós: duros, quebra dentes, impróprios para comer.


Pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa.


Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo.

Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca para sempre.

 
Assim acontece com a gente.


As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo.


Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito a vida inteira.

São pessoas de uma mesmice e uma dureza assombrosas.

Só que elas não percebem.


Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.

Mas, de repente, vem o fogo.


O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos.


Dor.


Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, o pai, ficar doente, perder o emprego, ficar pobre.


Pode ser fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão - sofrimentos cujas causas ignoramos.


Há sempre o recurso do remédio.


Apagar o fogo.

 
Sem fogo o sofrimento diminui.


E com isso a possibilidade da grande transformação.

Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pensa que sua hora chegou: vai morrer.


Dentro de sua casca dura, fechada em si mesmo.

Ela não pode imaginar destino diferente.


Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada.

A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz.

 
Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo a grande transformação acontece:


PUM! - e ela aparece como uma outra coisa completamente diferente que ela mesma nunca havia sonhado.


Bom, mas ainda temos o piruá que é o milho de pipoca que se recusa estourar.


São aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente se recusam a mudar.


Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem.


A sua presunção e o medo são a dura casca de milho que não estoura.
O destino delas é triste.


Ficarão duras a vida inteira.


Não vão se transformar na flor branca e macia.


Não vão dar alegria para ninguém.

 
Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela ficam os piruás que não servem para nada.


Seu destino é o lixo...

Rubem Alves

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