Preparação para a reencarnação (retorno à Terra)
Pólux soluçou convulsivamente.
Esperar-te-ei — disse ela — através dos caminhos do
Infinito. Lutarei ao teu lado nos dias mais ásperos, dar-te-ei as mãos sobre os
abismos tenebrosos.
Perdoaste-me, como sempre? interrogou Pólux, voz
entrecortada pela emoção do encontro.
— Os que se
amam fundem as almas no entendimento recíproco. Deus perdoa, concedendo-nos a
oportunidade da redenção, e nós nos compreendemos uns aos outros.
E, evidenciando o desejo de restaurar as energias
do amado, continuou:
— Quantas
vezes também caí nas estradas longas e ríspidas. Acaso tenho um passado sem
mácula?... Não és o único a padecer nos resgates justos e penosos. Milhões de
almas, neste mesmo instante, clamam as desventuras do remorso e invocam as
bênçãos do Altíssimo para o trabalho retificador. E não será razão de infinita
alegria a certeza da concessão divina para recomeçar? Já recebeste a permissão
do Senhor para o reinício da luta, avizinha-se o instante bendito do retorno à
tarefa e pensaste, acaso, nas torturas imensas de quantos, neste minuto, se
sentem oprimidos e amargurados, na expectativa ansiosa de alcançar a dádiva
que já obtiveste?.
Pólux contemplou-a reconfortado, mas, objetou
melancolicamente
— Ah! sinto
que poderia atingir culminâncias nas necessárias reparações; entretanto,
Alcione, precisava para isso da tua constante assistência. Sei que preciso
recorrer a provas difíceis de abnegação e de ascetismo, mas... se pudesse, ao
menos, ver-te na Terra... Serias, para a minha tarefa, a radiosa estrela d’Alva
e, à noite, quando fluíssem do céu as bênçãos da paz, lembrar-me-ia de ti e
encontraria nessa recordação o manancial da coragem e dos estímulos santos!.
Ela pareceu meditar profundamente e redarguiu:
— Implorarei a
Jesus me conceda a alegria de voltar à Terra a fim de atender ao meu ideal, que
se constitui, aos meus olhos, de sacrossantos deveres.
— Tu!
Voltares? — perguntou o precito, ébrio de esperança.
— Por que não? — explicou Alcione com
meiguice. — O planeta terrestre não será um local situado igualmente no Céu?
Esqueceste o que a Terra nos tem ensinado qual mãe carinhosa, na grandeza de
suas experiências? Muitas vezes, nós, na qualidade de filhos dela,
manchamos-lhe a face generosa com delitos execráveis e, entretanto, foi em seu
seio que o Mestre surgiu na manjedoura singela e levantou a cruz divina,
encaminhando-nos ao serviço da remissão.
— Ah! se Deus
permitisse ao mísero penitente que sou — disse Pólux dominado por indisfarçável
alegria — a ventura de ouvir-te no estreito circulo terrestre, acredito que
nada teria a temer na senda reparadora...
Alcione notou-lhe o surto de alegria transbordante
e, ponderando-lhe as observações, palavra por palavra, obtemperou:
- Antes da minha, precisarás ouvir a voz do Cristo,
e se Ele com sua infinita bondade permitir minha volta à Terra, jamais
olvidemos que vamos lá regressar, não para auferir gozos prematuros, mas para
sofrer juntos no caminho redentor, até podermos desferir o vôo supremo de
felicidade e união, em demanda de esferas mais altas. Na obra de Deus, a paz
sem trabalho é ociosidade com usurpação. Não afastes os olhos do quadro de
sacrifícios que nos compete fazer a favor de nós mesmos!
— Sim,
Alcione, tu és o meu anjo bom — murmurou ele entre lágrimas. — Ensina-me a
percorrer as estradas depuradoras. Não me desampares. Dize-me como devo
proceder na Terra. Repete que te não afastarás do meu caminho. Inspira-me o
desejo santo de resgatar meus pesados débitos, até ao fim...
Sentado, em atitude humilde, o mísero sofredor
guardava a cabeça entre as mãos, enxugando as lágrimas copiosas.
Alcione afagou-lhe os cabelos com ternura e falou
docemente:
— Não temas a
prova de purificação que te conduzirá ao júbilo na senda eterna, O cálice do
remédio deve ser estimado por sua virtude curativa, não pelo travo do
conteúdo, que apenas produz a penosa sensação de alguns segundos. Sê reconhecido
a Deus nos sacrifícios, Pólux! Não desejes, nem esperes regalias na escola de
edificação, onde o próprio Mestre encontrou a bofetada e a cruz do martírio.
Não escutes as falsas promessas nem atendas aos caprichos perniciosos que
nascem do coração. Obedece ao Pai e toma Jesus por cireneu de todas as horas. A
porta estreita, ainda e sempre, é o maravilhoso símbolo para a divina
iluminação. Foge das fantasias envenenadas que trabalham contra as
santificantes aspirações do espírito. Recorda as angustiosas experiências que
tantas vezes empreendemos na Terra, para a conquista de nossa perpétua união.
Não temos sêde de enganosas satisfações. Temos sêde de Deus, Pólux! O infinito
amor que nos transfunde as almas tem sua origem sagrada em sua misericórdia
paternal. Quero-te eternamente, como sei que a união comigo é a tua sublime
aspiração: entretanto, seria justo encerrar nosso júbilo num círculo egoístico,
tão somente? Amamo-nos para sempre, a eternidade nos santifica os destinos, mas
o Pai está acima de nós. Entreguemo-nos ao seu amor, no santo trabalho de suas
obras. Em suas mãos augustas, meu querido, palpita a luz que enche os abismos.
Haverá maior glória que praticar-lhe a divina vontade, que se traduz em amor,
dedicação e alegria? Nos caminhos novos a percorrer, lembra o Pai Amado e
atende-o em todas as circunstâncias. Não acalentes no coração os germes da
vaidade e do egoísmo. Sacrifica-te. Dá combate a ti mesmo. Os triunfos
exteriores são aparentes e podem ser mentirosos. A vitória espiritual pertence
à alma heroica que soube unir-se ao céu, através de todas as tempestades do
mundo, trabalhando por burilar-se a si própria.
Pólux chorava, compungidamente, mas rogou com
expressão comovedora:
— Compreendo-te as palavras sábias e afetuosas!
Farei tudo por unir-me a Deus e a ti, eternamente. Pede por mim a Jesus para
que eu tenha reflexão e bondade no mundo...
No entanto, como se experimentasse um choque
inesperado, levou as mãos ao peito, calou-se por momentos, para depois retomar
a palavra, espantado e hesitante:
— Alcione,
querida, não sei se a emoção desta hora divina abalou minhas energias mais
profundas; contudo, sinto que algo me envolve a fronte, uma fôrça incoercível
parece ameaçar o cérebro vacilante: experimento penosas sensações, como quando
perdemos as forças devagarinho, antes de cair...
Livro Renúncia, de Emmanuel, pág. 10 e 11, psicografia de
Chico Xavier.
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