domingo, 1 de maio de 2016




 

 

Violência e Resignação

 

 

Francisco Quintanilha, motorista de caminhão, em trabalho rotineiro deixou Belém do Pará com destino a Brasília. Porém, ao aproximar-se do final de mais um árduo compromisso profissional, foi violentamente agredido, e horas depois, encontrado morto na cidade goiana de Caturaí, em 18 de fevereiro de 1979.

Como se deu o fato? Por quem? Por quê?

Estas perguntas, feitas aflitivamente pelos seus entes queridos, não encontraram respostas concretas, pois não havia testemunha do fato.

Nascido aos 16 de abril de 1931, em Guarantã, SP, Francisco deixou, em Araçatuba, SP, uma família bem constituída: sua esposa, D. Jeni Parro Quintanilha, filhos, genro, nora e netos. Bom esposo, pai a avô carinhoso, trabalhador perseverante, católico fervoroso – ele somente legou nobres exemplos e felizes recordações.

***

Não conformada com o mistério em torno do fato que arrebatou seu marido da vida física, D. Jeni dirigiu-se a Uberaba, ao encontro do médium Xavier, na esperança de receber uma resposta satisfatória do Mundo Espiritual às suas dúvidas torturantes.

Na primeira viagem colheu algum consolo, mas nenhuma notícia do Além. Mas, na seguinte, recebeu longa carta do esposo, apenas 6 meses após o seu passamento, em reunião pública do Grupo Espírita da Prece, na noite de 24 de agosto de 1979. Ao ouvi-la (habitualmente o médium lê aos destinatários as cartas recebidas), D. Jeni sentiu-se profundamente emocionada e feliz. Ela mesma conta: “No primeiro instante tive uma crise de choro, seguida de grande emoção pelas notícias recebidas. As palavras de meu marido trouxeram-me muita paz de espírito”.

Posteriormente, a família divulgou a mensagem, ilustrada com a foto do Sr. Francisco, colocando na primeira página do impresso o belo título: A morte é a porta para a Vida Eterna.

  

“Quando me entreguei ao Nosso Senhor, a paz me penetrou o espírito”, Francisco Quintanilha

 

Querida Jeni, Deus nos abençoe.

É preciso muita coragem para me manifestar, recordando o domingo trágico de fevereiro.

Perdoe-me, querida esposa, se ainda tenho lágrimas ao notificar-lhe que caí cumprindo meu dever de cristão, aceitando a pressão que me arrancou do corpo.

Dei abrigo a dois companheiros que rogavam socorro na estrada, mal sabendo que instalava comigo aqueles mesmos irmãos que me furtariam a vida.

Pedi compaixão para o pai de família que eu era, falei de você e em nossos filhos, e quis colocar-me de joelhos; entretanto deviam ser meus credores que não conseguiam me perdoar alguma falta cometida por mim em algum caminho do passado, que a minha memória ainda não conseguiu revisar.

Vi que me abatiam como se eu fosse um animal no matadouro, mas pensei em Deus e aceitei com resignação o golpe que me impunham. Que poder prodigioso exerce a cruz de Cristo sobre nós nas grandes horas da vida, quando a vida se abeira da morte por violência!...

Creio hoje que Jesus terá escolhido a morte assim, sob as pancadas da maldade, para fortalecer as criaturas que viessem a cair depois dele, em ciladas e golpes da Terra!

Quando me entreguei a Ele, Nosso Senhor e Mestre, depondo você e os filhos, por imaginação, nos braços de Quem, quanto Ele, é a nossa salvação e a nossa luz, a paz me penetrou o espírito e adormeci.

Depois das surpresas que se seguiram ao meu despertar, concentrei minha vida íntima em você e nos filhos, e pude vê-los, pouco a pouco, adquirindo a conformidade de que necessitávamos.

Minha avó Maria, a irmã Encarnação e o benfeitor Rodrigo me amparavam e hoje posso dizer ao Edson e à Aparecida, à Edna e ao João Carlos, ao Luiz Sérgio e a todos os nossos, que estamos em paz, você e eu, porque reconheço que prosseguimos sem discordar um do outro.

Agradeço a você, querida Jeni, e aos filhos queridos, não haverem formado um processo que me feriria o coração. Compadecermo-nos daqueles que se tornam autores da dor alheia é uma obrigação. Deus me auxiliará para que, um dia, possa de minha parte acolher os companheiros que me liquidaram a existência física, sendo útil a eles em alguma coisa, com a mesma alegria com que os recebi em nosso caminhão de trabalho.

Estou orgulhoso da família por me haver atendido a inspiração de não procurar ninguém para julgamentos que pertencem a Deus.

Estamos tranquilos porque não ferimos a ninguém, e a nossa família prossegue em harmonia para diante. Seria para nós dois um grande desgosto observar os netos crescendo com ideias de infelicidade e vingança. Sei que a Aparecida trouxe o Glauco e o Rodrigo, pois rogo a vocês dizerem a eles que o avô seguiu numa viagem para outra casa que a vontade de Deus lhe apontou.

Cessem na família a ideia de que fomos espoliados em qualquer coisa. O que seria lamentável é se eu viesse para cá remoendo o arrependimento de algum ato infeliz.

Pensemos em Jesus e sigamos com a nossa fé, sabendo que a fé cristã é uma riqueza de que podemos dispor na vida, na morte, depois da chegada ao mais Além, que é unicamente a continuação da vida na Terra mesmo. Participo à nossa filha – nossa Maria Aparecida, que a sua amiga Ione Páscoa veio em nossa companhia e agradece-lhe as lembranças.

Querida Jeni, com nosso filhos e netos abençoados, incluindo a nora e o genro que nos fazem tão felizes, rogo a você receber o coração agradecido e saudoso do seu velho e companheiros de todos os dias, que estará sempre que possível ao seu lado para vencermos juntos, tanto quanto juntos temos estado confiantes em Deus.

Sempre o esposo, sempre seu

Francisco

 

Notas e Identificações

 

1 – domingo trágico de fevereiro – Ele faleceu num domingo, 18/2/1979.

2 – deviam ser meus credores que não conseguiam me perdoar alguma falta cometida por mim em algum caminho do passado, que a minha memória ainda não conseguiu revisar. – Após a morte física, o Espírito leva algum tempo para recordar suas vidas anteriores. Evidentemente, quando redigiu a carta, o Sr. Francisco já estava ciente de que a nossa desencarnação ocorreu sob o manto das Leis Divinas, justas e sábias. (Ver O Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec, Cap. 5: “Bem aventurados os aflitos”.)

3 – Minha avó Maria – Falecida há muitos anos.

4 – Encarnação – Parente do Sr. Francisco.

5 – Benfeitor Rodrigo – Desconhecido da família.

6 – Edson e Aparecida – Edson Quintanilha, filho, e Maria Aparecida Ribeiro Quintanilha, nora.

7 – Edna e João Carlos – Edna Q. Baptista, filha, e João Carlos Baptista, genro.

8 – Luiz Sérgio – Luiz Sérgio Quintanilha, filho.

9 – Deus me auxiliará para que, um dia, passa acolher os companheiros que me liquidaram a existência física – Com esta compreensão, o Sr. Francisco dá-nos um exemplo marcante, revelando admirável grandeza espiritual.

10 – Estou orgulhoso da família por me haver atendido a inspiração de não procurar ninguém para julgamentos que pertencem a Deus – A sua família, de fato, não recorreu à Justiça.

11 – Gláucio e Rodrigo – Netos, filhos do casal Maria Aparecida e Edson.

12 – Ione Páscoa – Ione Páscoa Viana dos Santos, desencarnada por afogamento no Salto de Avanhandava, SP, a 12/3/1978, era vizinha e amiga da família Quintanilha.

13 – Devemos estas anotações elucidativas à entrevista feita, a nosso pedido, pelo confrade e amigo Dr. Antônio César Perri de Carvalho, residente em Araçatuba, com D. Jeni P. Quintanilha.

 

Fonte: Do livro REENCONTROS - FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER

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