Violência e Resignação
Francisco Quintanilha,
motorista de caminhão, em trabalho rotineiro deixou Belém do Pará com destino a
Brasília. Porém, ao aproximar-se do final de mais um árduo compromisso
profissional, foi violentamente agredido, e horas depois, encontrado morto na
cidade goiana de Caturaí, em 18 de fevereiro de 1979.
Como se deu o fato? Por
quem? Por quê?
Estas perguntas, feitas
aflitivamente pelos seus entes queridos, não encontraram respostas concretas,
pois não havia testemunha do fato.
Nascido aos 16 de abril de
1931, em Guarantã, SP, Francisco deixou, em Araçatuba, SP, uma família bem
constituída: sua esposa, D. Jeni Parro Quintanilha, filhos, genro, nora e
netos. Bom esposo, pai a avô carinhoso, trabalhador perseverante, católico
fervoroso – ele somente legou nobres exemplos e felizes recordações.
***
Não conformada com o
mistério em torno do fato que arrebatou seu marido da vida física, D. Jeni
dirigiu-se a Uberaba, ao encontro do médium Xavier, na esperança de receber uma
resposta satisfatória do Mundo Espiritual às suas dúvidas torturantes.
Na primeira viagem colheu
algum consolo, mas nenhuma notícia do Além. Mas, na seguinte, recebeu longa
carta do esposo, apenas 6 meses após o seu passamento, em reunião pública do
Grupo Espírita da Prece, na noite de 24 de agosto de 1979. Ao ouvi-la
(habitualmente o médium lê aos destinatários as cartas recebidas), D. Jeni
sentiu-se profundamente emocionada e feliz. Ela mesma conta: “No primeiro
instante tive uma crise de choro, seguida de grande emoção pelas notícias
recebidas. As palavras de meu marido trouxeram-me muita paz de espírito”.
Posteriormente, a família
divulgou a mensagem, ilustrada com a foto do Sr. Francisco, colocando na
primeira página do impresso o belo título: A morte é a porta para a Vida Eterna.
“Quando me entreguei ao
Nosso Senhor, a paz me penetrou o espírito”, Francisco Quintanilha
Querida Jeni, Deus nos
abençoe.
É preciso muita coragem
para me manifestar, recordando o domingo trágico de fevereiro.
Perdoe-me, querida esposa,
se ainda tenho lágrimas ao notificar-lhe que caí cumprindo meu dever de
cristão, aceitando a pressão que me arrancou do corpo.
Dei abrigo a dois
companheiros que rogavam socorro na estrada, mal sabendo que instalava comigo
aqueles mesmos irmãos que me furtariam a vida.
Pedi compaixão para o pai
de família que eu era, falei de você e em nossos filhos, e quis colocar-me de
joelhos; entretanto deviam ser meus credores que não conseguiam me perdoar
alguma falta cometida por mim em algum caminho do passado, que a minha memória
ainda não conseguiu revisar.
Vi que me abatiam como se
eu fosse um animal no matadouro, mas pensei em Deus e aceitei com resignação o
golpe que me impunham. Que poder prodigioso exerce a cruz de Cristo sobre nós
nas grandes horas da vida, quando a vida se abeira da morte por violência!...
Creio hoje que Jesus terá
escolhido a morte assim, sob as pancadas da maldade, para fortalecer as
criaturas que viessem a cair depois dele, em ciladas e golpes da Terra!
Quando me entreguei a Ele,
Nosso Senhor e Mestre, depondo você e os filhos, por imaginação, nos braços de
Quem, quanto Ele, é a nossa salvação e a nossa luz, a paz me penetrou o
espírito e adormeci.
Depois das surpresas que
se seguiram ao meu despertar, concentrei minha vida íntima em você e nos
filhos, e pude vê-los, pouco a pouco, adquirindo a conformidade de que
necessitávamos.
Minha avó Maria, a irmã
Encarnação e o benfeitor Rodrigo me amparavam e hoje posso dizer ao Edson e à
Aparecida, à Edna e ao João Carlos, ao Luiz Sérgio e a todos os nossos, que
estamos em paz, você e eu, porque reconheço que prosseguimos sem discordar um
do outro.
Agradeço a você, querida
Jeni, e aos filhos queridos, não haverem formado um processo que me feriria o
coração. Compadecermo-nos daqueles que se tornam autores da dor alheia é uma
obrigação. Deus me auxiliará para que, um dia, possa de minha parte acolher os
companheiros que me liquidaram a existência física, sendo útil a eles em alguma
coisa, com a mesma alegria com que os recebi em nosso caminhão de trabalho.
Estou orgulhoso da família
por me haver atendido a inspiração de não procurar ninguém para julgamentos que
pertencem a Deus.
Estamos tranquilos porque
não ferimos a ninguém, e a nossa família prossegue em harmonia para diante.
Seria para nós dois um grande desgosto observar os netos crescendo com ideias
de infelicidade e vingança. Sei que a Aparecida trouxe o Glauco e o Rodrigo,
pois rogo a vocês dizerem a eles que o avô seguiu numa viagem para outra casa
que a vontade de Deus lhe apontou.
Cessem na família a ideia
de que fomos espoliados em qualquer coisa. O que seria lamentável é se eu
viesse para cá remoendo o arrependimento de algum ato infeliz.
Pensemos em Jesus e
sigamos com a nossa fé, sabendo que a fé cristã é uma riqueza de que podemos
dispor na vida, na morte, depois da chegada ao mais Além, que é unicamente a
continuação da vida na Terra mesmo. Participo à nossa filha – nossa Maria
Aparecida, que a sua amiga Ione Páscoa veio em nossa companhia e agradece-lhe
as lembranças.
Querida Jeni, com nosso
filhos e netos abençoados, incluindo a nora e o genro que nos fazem tão
felizes, rogo a você receber o coração agradecido e saudoso do seu velho e
companheiros de todos os dias, que estará sempre que possível ao seu lado para
vencermos juntos, tanto quanto juntos temos estado confiantes em Deus.
Sempre o esposo, sempre
seu
Francisco
Notas e Identificações
1 – domingo trágico de
fevereiro – Ele faleceu num domingo, 18/2/1979.
2 – deviam ser meus
credores que não conseguiam me perdoar alguma falta cometida por mim em algum
caminho do passado, que a minha memória ainda não conseguiu revisar. – Após a
morte física, o Espírito leva algum tempo para recordar suas vidas anteriores.
Evidentemente, quando redigiu a carta, o Sr. Francisco já estava ciente de que
a nossa desencarnação ocorreu sob o manto das Leis Divinas, justas e sábias.
(Ver O Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec, Cap. 5: “Bem aventurados
os aflitos”.)
3 – Minha avó Maria –
Falecida há muitos anos.
4 – Encarnação – Parente
do Sr. Francisco.
5 – Benfeitor Rodrigo –
Desconhecido da família.
6 – Edson e Aparecida –
Edson Quintanilha, filho, e Maria Aparecida Ribeiro Quintanilha, nora.
7 – Edna e João Carlos –
Edna Q. Baptista, filha, e João Carlos Baptista, genro.
8 – Luiz Sérgio – Luiz
Sérgio Quintanilha, filho.
9 – Deus me auxiliará para
que, um dia, passa acolher os companheiros que me liquidaram a existência
física – Com esta compreensão, o Sr. Francisco dá-nos um exemplo marcante,
revelando admirável grandeza espiritual.
10 – Estou orgulhoso da
família por me haver atendido a inspiração de não procurar ninguém para
julgamentos que pertencem a Deus – A sua família, de fato, não recorreu à
Justiça.
11 – Gláucio e Rodrigo –
Netos, filhos do casal Maria Aparecida e Edson.
12 – Ione Páscoa – Ione
Páscoa Viana dos Santos, desencarnada por afogamento no Salto de Avanhandava,
SP, a 12/3/1978, era vizinha e amiga da família Quintanilha.
13 – Devemos estas
anotações elucidativas à entrevista feita, a nosso pedido, pelo confrade e
amigo Dr. Antônio César Perri de Carvalho, residente em Araçatuba, com D. Jeni
P. Quintanilha.
Fonte:
Do livro REENCONTROS - FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER
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