Mensagem
Querida mãezinha Ony e querido papai Antônio.
Compreendemos o desejo de
ambos que ficou igualmente sendo nosso.
Notícias. Os amados que
permanecem no mundo estão habitualmente interessados, quando não ansiosos, pela
obtenção de informes e particularidades, quanto a nós que voltamos para o Lar
de Origem.
Pais queridos, se
pudéssemos desdobraríamos a própria alma, através da correspondência,
esmiuçando pormenores a fim de tranquilizá-los.
A criatura se despede do corpo físico, pressionada pelas imposições da
morte, e depois? Esse propósito de
penetração no Mais Além e essa aflição por saber o que se faz depois de
transporta a barreira da Grande Transformação, afinal de contas, são intuitos
compreensíveis e naturais.
Não creiam que se possa
escrever sem o conselho daqueles que nos orientam, se nem tudo, da própria
Terra, não pode a criatura que escreve, expor numa carta, através da distância,
é justo saibam que também nós, por aqui, não estamos numa sociedade sem regras
e convenções respeitáveis.
Explicam mentores dignos
que, se todos os nossos entes queridos estão destinados a conhecer os caminhos
da experiência que atravessamos, não é necessário anteceder-nos, em sugestões e
relatórios francamente desaconselháveis, de vez que as estradas de trânsito
entre as duas vidas – a do Mundo Físico e a do Mundo Espiritual – diferem muito
entre si.
Posso, no entanto,
adiantar-lhes que se ainda sou eu quem se encarrega deste correio, é que a Rose
prossegue muito preocupada em apoiar o Sidnei e auxiliá-lo, quanto possível,
nas renovações que um marido jovem reclama na área dos homens, porque a vida
deve ser vivida e não seria a Rosemary quem criaria qualquer entrave aos ideais
e às necessidades do companheiro. Em
vista disso, a querida irmã, confiando em mim, deixa-me, por enquanto, o
encargo de fazer-se lembrada pelos pais queridos e pela vovó Maria Goulart
especialmente. Quanto à nossa Soninha está fazendo exercícios para se largar da
timidez. E, por tudo isso, me desinibo e
vou garatujando o que posso.
Depois da mensagem na qual
lhes expus as nossas notícias primeiras, fomos transferidas de residência. Não
me peçam nomes que valeriam por antecipações inconvenientes. Estamos num
parque-cidade-jardim, se posso definir com estas três palavras o grande centro
de recuperação e cultura em que presentemente nos achamos. O vovô Engelberto e o vovô Eugênio (pois já
entramos em relacionamento com o nosso avô Eugênio, igualmente) entabolaram
entendimentos para que fôssemos admitidas num grande instituto de reformulação
espiritual, e tivemos permissão para desfrutar a companhia e a proteção da
mãezinha Custódia, que nos serve de governanta maternal.
Penso que ficarão
satisfeitos se lhes contar que fomos acolhidas pela Diretora, a Irmã Frida, da
lista de amizades do vovô Engelberto, com a maior distinção. O vovô dirigiu-se
a ela, em alemão, e ambos conversaram animadamente. Voltando-se cortesmente
para nós, se bem me lembro, a Irmã Frida nos disse sorrindo; “BRECH GUT. ES WIRD MICH SCHER FREUEN IHNEN NUTZLICH ZUN
SEIN.” Compreendo que não guardei de cor
a antepenúltima expressão dela,
mas o vovô solicitou-lhe a troca de idéias em português e a nossa
Diretora, sem pestanejar – se exprimiu em português-brasileiro com tal mestria
que nos sentimos à vontade para a instalação em perspectiva.
A cidade é grande e
especializada. Muitas atividades lhe caracterizam o ambiente e não há tempo
para meditações ociosas, para quem deseja valer-se da meditação como norma de
preparação para o serviço a fazer e para as realizações por atingir.
Ninguém é obrigado a
trabalhar, porque a violência onde estamos é vocábulo desconhecido, mas quantos
se empenham a agir e servir adiantam-se com facilidade, na marcha para adiante,
com aquisições valiosas para a organização do presente e do futuro. Quem
prefere a inércia recebe uma cota simples de recursos para a própria
sustentação, mas não consegue meios para renovar-se, de vez que a fixação de
companheiros dedicados à imobilidade e à lamentação não lhes permite maiores
incursões no progresso ambiente. E isso
ocorre até que se decidam a sair espiritualmente de si próprios, buscando, por
iniciativa deles mesmos, o trabalho que lhes melhorará as condições.
As religiões são
praticadas segundo as tendências dos que se agregam no sítio que tento descrever,
todos, porém, com a marca da responsabilidade e da fé em que se inspiram, sem
que haja antagonismos entre umas e outras. A criatura evolui por si mesma,
desde que assim o deseje. Por essa
razão, a transferência de muitos irmãos, de cultos para cultos outros mais
propensos à solidariedade e às edificações liberais, é incessante.
E o que é de se admirar é
que ninguém onde estamos é obrigado a crer que passou pelo fenômeno da
desencarnação. E como somos ainda poucos
os que nos achamos conscientes disso, não mencionamos nossas idéias diante de
pessoas desconhecidas ou que conservam absoluta negação quanto à morte, pela
qual já passaram.
Ainda na semana finda, em
conversação com uma senhora amiga, ela
se lamentava de haver perdido uma filha num acidente de aviação, quando a minha
interlocutora é que vive aqui desencarnada e a filha saiu ilesa do desastre
havido, continuando a residir em grande cidade brasileira.
A maior parte dos que
vivem no parque onde temos transitória moradia, se queixam de perdas de
memória, de abatimentos e doenças inexplicáveis, quando não lutam contra processos de angústia que eles mesmos
confessam desconhecer nas origens. Há muita gente na enfermagem e no
magistério, agindo com respeitosa prudência para não suscetilizar pessoa
alguma. Os médicos analistas são muitos, e os religiosos esclarecidos, ou ainda
não totalmente esclarecidos, trabalham com intensidade no reconforto e no
reerguimento espiritual de muitos de seus clientes, interessados na própria
melhoria.
E a vida continua. Quem
quiser receber luzes que as distribua e quem se proponha a encontrar alegria,
deve doá-la aos outros. As tarefas são
múltiplas, mas a noite é curta, e a mãezinha Custódia me recomenda terminar.
Escrevi o que pude e como
pude, mas creiam a mãezinha Ony e o papai Antônio que, ao beijá-los com o meu
enternecimento e carinho de todos os dias, continuo sendo a filha que lhes consagra todo o amor que possa
trazer no próprio coração, sempre a filha agradecida,
Jane
Jane Furtado Koerich
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