Missão
de Mulher
Jovem prendada
e linda, era a própria beleza,
Rosa de
inteligência e natureza,
Viera de
remoto povoado,
Com tarefas de
estudo e sonhos de noivado,
E conquistara
enorme simpatia...
Fizera-se
modelo e se reconhecia
O ponto alto
das exibições,
Favorita do
brilho em passarela,
Pisando
corações...
Ela encontra,
por fim, num jovem rico e nobre
A cortina de
ouro em que se encobre.
Quatro anos de
luxo nos salões
Tornaram-na
famosa e cada vez mais bela.
Certo dia, no
entanto, inesperadamente,
Uma carta lhe
chega... Vem da vila
Em que passara
a infância humílima e tranquila,
É da mãezinha
que se diz doente...
Falecera-lhe o
irmão, seu único parente,
Declarava-se
triste e desolada,
Incapaz de
ganhar o próprio pão...
Rogava à filha
proteção,
Sentia-se
sozinha e fatigada
E, sobretudo,
estava em luta insana,
Pois era agora
triste hanseniana.
A moça treme
revoltada
E, às súbitas,
planeia
O que admite
por melhor medida;
Não quer
aquela mãe que a desnorteia;
Detestaria
ver-se diminuída
Perante o
homem que ama.
Age
arbitrariamente,
Adita ao
próprio nome um nome diferente
Na rude
inquietação que ela própria extravasa...
E, mudando de
casa,
Permaneceu na
expectativa...
Realmente,
depois de algum tempo passado,
Senhora
hanseniana morta-viva
Bate-lhe à
porta, em tom desesperado;
Servidores
atendem, entretanto
Ela quer ver a
filha que ama tanto,
Colhendo
reiterada negativa.
Mas sabendo-a
sentada sobre o piso
Que dava
acesso ao grande apartamento,
A própria moça
surge, de improviso,
A gritar-lhe,
de ânimo violento:
- Saia daqui,
depressa! Vá-se embora!...
Não conheço a
senhora
E caso aqui
persista,
Tenho a
polícia à vista!...
- Filha, dize
por que... -
Exclamou a
mulher agoniada, -
Estarei eu
assim tão deformada
Que o seu
olhar já não me vê?
Não ficarei
aqui, não lhe trarei perigo,
Mas não vês
que a mãezinha está contigo?
- A senhora
não passa de embusteira, -
Falou a moça,
a gestos desumanos.
- Minha mãe já
morreu, há muitos anos...
Velha tonta,
Não sei como
se fez aventureira,
Mas a polícia
vai tomar-lhe a conta...
Minutos
decorridos,
Enquanto a
pobre mãe chorava, angustiada,
Uma ambulância
veio em disparada
E conduziu-a
para um sanatório.
Trinta anos
passaram sobre a cena,
A filha
desposara o jovem que a queria.
O casal
conjugava a fortuna e a alegria,
Ele, o
industrial, ela, a nobre senhora,
E um filho
nobre e forte
Surgiu-lhes a
brilhar
Por tesouro do
lar.
Quanto à pobre
mulher deixara a enfermaria,
Conseguira
curar-se,
Mas não
mostrava mais a face antiga,
Era triste
velhinha sem disfarce,
Desditosa
mendiga...
Conhecida por
velha hanseniana,
Já sofrera de
sobra a zombaria humana...
Morava numa
furna abandonada,
Não distante
da fábrica de tubos
E outros
artigos de eletricidade
De que o neto
distinto era dono e gerente...
Sabendo-se que
fora humilhada e doente,
Cobria-se com
capa esburacada
E, lembrando
uma sombra a pervagar na estrada,
Pedia aqui e
ali, um socorro qualquer...
Mas em torno
da fábrica era o ponto
Em que a
infeliz mulher
Parecia um
rondante, atento e pronto,
A observar o
que passasse...
Se encontrava
o gerente, face à face,
Dizia,
constrangida: - Uma esmola, doutor!...
Intrigado o
rapaz notava aqueles olhos
Que o miravam,
mostrando imenso amor...
Dava-lhe algum
dinheiro, atento a isso,
Depois seguia
adiante
Mergulhando a
atenção em seu próprio serviço...
Seguia o tempo
em marcha regular,
Quando veio a
estourar
Na fábrica
tranquila
Um grande
movimento
De protesto
violento,
Que englobava,
por si, todo o operariado...
A gerência
estudava ação conciliadora
E os conflitos
surgiam, lado a lado.
No ápice da
luta,
A velhinha
cansada, dia-a-dia,
Observa o
extensão da rebeldia,
Mantendo-se,
de guarda, ao pé das oficinas,
Qual um posto
de escuta.
Certa noite,
enxergou dois delinquentes
Quando os
vigias cochilavam fora,
Agiam, sem que
a vissem trêmula e calada...
Uma porta se
arromba
E os dois,
dentro da fábrica isolada
Colocam grande
bomba,
No intuito de
gerar perturbação,
E fogem,
assustados, do recinto...
Ela entra em
ação,
Obedecendo ao
próprio instinto...
O estopim
fumegava... Ela, porém,
Sem o concurso
de ninguém,
Toma nas mãos
o engenho destruidor,
Avança sem
temor,
Sai pela porta
afora,
Correndo sem a
mínima demora,
Mas, antes que
atirasse a bomba ao chão,
Dá-se a grande
explosão.
A fábrica
salvara-se.
Ela, porém,
tombara
Mortalmente
ferida...
Faz-se
tumulto, em torno... Eis
o chefe a chegar...
Reconhece a
velhinha e determina
Que ela seja
tratada
Por valente
heroína...
Foi no
hospital a derradeira cena.
Finava-se a
velhinha devagar,
Mostrando no
semblante a beleza serena
De quem
transmite paz no próprio olhar...
Eis que, em
dado momento,
Ela percebe
vozes e alarido;
Ao formoso
aposento
O gerente
trouxera os pais com garbosa alegria;
Deviam ver a
pobre que morria
E que o amara
tanto...
O casal
aproxima-se... A senhora
Treme ao
reconhecer a mãe que rejeitara outrora...
Enquanto filho
e pai conversam à distância,
Ajoelha-se a
filha, ante a mulher que morre...
Ela perde
perdão no pranto que lhe escorre
Dos olhos
espantados...
Contudo, a
agonizante ao percebê-la,
Ciciou as
palavras: - Minha estrela!...
Ouvindo-a
soluçar,
Consegue
novamente sussurar:
- Filha do
coração, Jesus a trouxe aqui...
Depois disse
ao cair, em profundo torpor:
- Não chores,
meu amor,
Eu nunca te
esqueci...
Lá fora, o
Sol, em tudo, era vida e esplendor,
Parecendo
dizer na própria chama
Que, desde a
luz dos Céus aos abismos da lama,
Deus, em todo
o Universo, é a Presença do Amor.
CAMINHOS DO AMOR
FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER
MARIA DOLORES
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