Um importante aspecto das comunicações de espíritos é determinar sua autenticidade
Por Ariane de Assis Jordão
De acordo com notícia publicada pelo portal IDGNow, no segundo semestre do ano passado, o Facebook admitia ter mais de 83 milhões de perfis falsos.
Nem todos são mal intencionados. Algumas contas são duplicadas. Há também criação de perfis indevidos – para animais de estimação, por exemplo. Mas o número não deixa dúvidas de que eles podem ser encontrados a qualquer momento, pelas redes sociais.
O mundo virtual permite o crescimento do número de casos, porque facilita a veiculação de imagens e textos sem comprovação de autenticidade das informações. Não se sabe se a foto de perfil é mesmo do titular da conta e, muitas vezes, só poderia saber quem o conhecesse pessoalmente. Também é comum encontrarmos frases com falsa autoria atribuída. Ou uma mesma frase, atribuída a autores diferentes.
Os perfis falsos e autorias duvidosas já estavam presentes nas considerações de Kardec perante a prática mediúnica. A questão da autenticidade de informações e de determinação da verdadeira identidade do autor de uma comunicação mediúnica está presente desde os primórdios das reuniões espíritas.
Allan Kardec considerou a identificação dos espíritos uma das questões “mais controvertidas” da prática mediúnica e analisou as razões, tanto de encontrarmos falsas comunicações, como dados falsos em comunicações mediúnicas legítimas. Vejamos então as orientações que ele nos deixou, a esse respeito.
Espíritos podem se enganar
Um primeiro caso de informações equivocadas provenientes do mundo espiritual ocorre quando os próprios espíritos estão enganados.
A percepção de sua situação no mundo espiritual está relacionada à evolução alcançada. Suas ideias retratam seus conhecimentos e a amplitude do seu entendimento das questões que aborda. Quando é inferior, ainda não totalmente desmaterializado, um espírito conserva as ideias que tinha na Terra e as utiliza para se expressar. Alguns acreditam continuar encarnados, por não terem percebido a transformação da morte física pela qual passaram.
Todo sofrimento após a morte é de natureza moral e não reflete uma condição externa, mas da própria consciência em desalinho. Se suas crenças, porém, envolviam a existência de um céu ou de um inferno, poderão dizer que ali se encontram, mesmo quando sabemos que tais locais físicos de recompensas e de punições futuras não existem.
Tais espíritos, que fornecem informações incorretas, podem não ter a intenção de nos enganar, estando, eles próprios, equivocados, o mesmo podendo ocorrer no que diz respeito a ideias, filosofias e eventuais revelações que eles nos ofereçam.
Como lidar com tais situações? É importante não ter pressa em aceitar como verdadeiro, mas primeiro submeter ao crivo da razão, aquilo que chega pela via mediúnica. É comum que comunicações de espíritos inferiores acabem se contradizendo entre si, ou que tais espíritos contradigam a si próprios, na mesma mensagem ou na continuidade dos contatos mediúnicos.
Os espíritos não pensam todos da mesma maneira, nem têm a mesma visão sobre as coisas de que falam, porque há diferentes degraus na escala evolutiva onde se localizam. E mais, segundo Erasto orienta em O livro dos médiuns: “Podendo manifestar-se Espíritos de todas as categorias, resulta que suas comunicações trazem o cunho da ignorância ou do saber que lhes seja peculiar no momento, o da inferioridade, ou da superioridade moral que alcançaram. A distinguir o verdadeiro do falso, o bom do mau, é a que devem conduzir as instruções que temos dado. Cumpre não esqueçamos que, entre os Espíritos, há, como entre os homens, falsos sábios e semissábios, orgulhosos, presunçosos e sistemáticos.”
Assim, afirma Kardec em O livro dos médiuns que, “para se compreenderem a causa e o valor das contradições de origem espírita, é preciso estar-se identificado com a natureza do mundo invisível e tê-lo estudado por todas as suas faces”.
Espíritos podem querer nos enganar
Diferente é o caso dos espíritos que buscam nos confundir ou enganar deliberadamente, que Kardec chama de “mistificadores”. Mistificar é iludir, fazer acreditar numa mentira.
Nenhum médium, por mais experiente que seja, pode considerar-se isento de mistificações e os bons médiuns têm consciência disso, sendo modestos e não se considerando infalíveis.
As razões são várias, muitas vezes de ordem particular, envolvendo um espírito e uma pessoa ou grupo específico. Outras vezes, a própria atitude do grupo ou médium dá ensejo a tais ocorrências.
Uma das causas apontadas em O livro dos médiuns para as mistificações é o abuso da faculdade, ocasionado pelo entusiasmo de principiantes em obter muitas comunicações, a todo momento, visto não estarem os espíritos à sua disposição. A recomendação é desenvolver uma disciplina de trabalho, com dias e horas determinados para o exercício, “porque assim se entregarão ao trabalho em condições de maior recolhimento e os espíritos que os queiram auxiliar, estando prevenidos, se disporão melhor a prestar esse auxílio”. (O livro dos médiuns, item 217).
Outra causa de mistificação é a insistência em obter comunicações de um espírito determinado. Ignorando que esta comunicação nem sempre será permitida ou possível, forçar a obtenção dá margem à ação dos mistificadores, aos quais pouco ou nada interessam aspectos éticos ou a verdade.
Quando houver suspeita de ocorrência de mistificação, Allan Kardec sugere que se façam perguntas aos espíritos, pois que “raramente suportam a prova das perguntas feitas com cerrada lógica, por meio das quais o interrogante os leva aos seus últimos redutos” (O livro dos médiuns, item 287).
A orientação para o caso de um componente de um grupo encontrar-se numa situação dessas, é de que os membros sejam avisados e fiquem alertas. “Se enérgica resistência o não levar ao desânimo, a obsessão se tornará mal contagioso, que se manifestará nos médiuns, pela perturbação da mediunidade, e nos outros pela hostilidade dos sentimentos, pela perversão do senso moral e pela turbação da harmonia” (O livro dos médiuns, item 340).
Uma pergunta de Kardec aos espíritos superiores merece nossa atenção: “Por que permite Deus que pessoas sinceras e que aceitam o espiritismo de boa-fé sejam mistificadas? Não poderia isto ter o inconveniente de lhes abalar a crença?” Eis a explicação: “Se isso lhes abalasse a crença, é que não tinham muito sólida a fé. Os que renunciassem ao espiritismo, por um simples desapontamento, provariam não o haverem compreendido e não lhe terem atentado na parte séria. Deus permite as mistificações, para experimentar a perseverança dos verdadeiros adeptos e punir os que do espiritismo fazem objeto de divertimento” (O livro dos médiuns, item 303)
A prevenção dessas situações passa por dois cuidados: a prece sincera e a atenção aos menores sinais da presença de mistificadores. “O primeiro atrai os bons Espíritos, que só assistem zelosamente os que os secundam, mediante a confiança em Deus; o outro prova aos maus que estão lidando com pessoas bastante clarividentes e bastante sensatas, para se não deixarem ludibriar” (Idem).
Médiuns podem se enganar e podem nos enganar
Há “falsos perfis”, também, no contexto dos encarnados. Há pessoas que se passam por médiuns e médiuns que divulgam falsas comunicações. O livro dos médiuns tem um capítulo dedicado aos médiuns interesseiros e às fraudes espíritas, pois segundo Kardec já afirmou e bem sabemos, “tudo pode virar objeto de exploração”. Há casos em que o médium pretende obter ganhos financeiros com sua faculdade, enquanto a diretriz espírita é, conforme o ensinamento cristão, dar de graça o que de graça recebemos. Outras vezes, o ganho é da vaidade ou vantagens pessoais, o que, em qualquer caso, compromete a sua produção mediúnica – se for realmente mediúnica – porque as qualidades morais do médium sempre influenciarão, não apenas as comunicações, mas a qualidade dos espíritos que dele se aproximam.
Há, contudo, médiuns que são instrumentos de espíritos enganadores, sem o saberem. Ou que pensam ser médiuns, quando mais não fazem do que dar vazão às suas próprias ideias, num processo que ficou conhecido nos meios espíritas como “animismo”. De fato, todo médium tem uma papel ativo na comunicação, atuando como um intérprete mais ou menos fiel da comunicação do espírito. Mas pode haver confusão entre o que vem do próprio médium e o que é do espírito comunicante e é isso que precisamos evitar. A falta de conhecimento da mediunidade e das leis do mundo espiritual contribui para que uma pessoa nessas condições permaneça iludida. A humildade, o estudo sério e metódico e o autoconhecimento são os melhores antídotos para estes casos.
Estudar e comparar
Kardec considera todas as comunicações de espíritos passíveis de nos servirem ao aprendizado. Algumas são instrutivas em si mesmas. Outras revelam a situação em que os desencarnados que se encontram, de ignorância ou conhecimento, de paz ou sofrimento moral. Cabe a nós ter calma e critério, não atribuir veracidade a todos os relatos, mas compará-los com os conhecimentos adquiridos nos estudos espíritas, para maior segurança e discernimento.
Além das orientações específicas de Kardec e dos espíritos da Codificação, para cada um dos casos acima, de modo geral, alguns cuidados são essenciais. Por parte do médium, uma constante e sincera busca de autoconhecimento, erradicando as causas do autoengano, o orgulho e a vaidade, que além de prejudicarem sua capacidade de serem medianeiros, aproximam-nos de espíritos inferiores, muitos dos quais são levianos, brincalhões ou, mesmo, mistificadores. "Estudai, comparai, aprofundai. Incessantemente vos dizemos que o conhecimento da verdade só a esse preço se obtém” (O livro dos médiuns, item 301).
ARIANE DE ASSIS JORDÃO é educadora e pesquisadora espírita
Para saber mais:
- Facebook admite ter mais de 83 milhões de perfis falsos. Portal IDGNow, postado em 02/08/2012. http://migre.me/ekNbq
- O livro dos médiuns, de Allan Kardec. Segunda parte, capítulos XXIV, XXVII e XXVIII.
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